Usufruto de imóveis: entenda as regras, direitos e limites desse poderoso instrumento jurídico
Introdução ao usufruto de imóveis
O usufruto de imóveis é um dos institutos mais versáteis do Direito Civil brasileiro, permitindo que uma pessoa (o usufrutuário) utilize e tire proveito econômico de um bem que pertence a outra (o nu-proprietário), sem que haja transferência definitiva da propriedade. É muito utilizado em planejamento sucessório, proteção patrimonial, organização familiar e até em acordos de separação.
O Código Civil estabelece que o usufrutuário tem direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos do imóvel, mas não pode alienar o bem nem dar destinação que ultrapasse os limites estabelecidos pelo título constitutivo ou pela lei. Já o nu-proprietário mantém a propriedade desnuda, isto é, é dono, mas não pode usar/enfrutar enquanto o usufruto existir.
Para o proprietário que quer doar um imóvel e ainda assim continuar morando, receber aluguel ou controlar o destino do bem, o usufruto é o caminho mais comum. Porém, ele tem regras e limites bem definidos, principalmente quanto à inalienabilidade, à durabilidade, à conservação do bem e à extinção.
• Código Civil, arts. 1.390 a 1.411 (Do Usufruto)
• Regras gerais de direitos reais (arts. 1.225 e seguintes)
• Princípio da função social da propriedade (CF/88, art. 5º, XXIII; art. 170, III)
Conceito e elementos do usufruto
O usufruto é o direito real que confere ao titular o gozo e a fruição de coisa alheia, sem alterar sua substância. Aplicado a imóveis, quer dizer que o usufrutuário pode morar no imóvel, alugar e receber os alugueis, perceber frutos naturais e civis, autorizar o uso por terceiros e administrar o bem, desde que não destrua nem desvalorize o patrimônio do nu-proprietário.
Três características precisam ficar claras:
- Temporariedade: o usufruto não é, por natureza, perpétuo. Pode ser vitalício (dura a vida do usufrutuário) ou por prazo certo.
- Gratuidade ou onerosidade: na prática sucessória, costuma ser gratuito; em negócios empresariais, pode ser oneroso.
- Oponibilidade erga omnes: por ser direito real, deve ser registrado no cartório de registro de imóveis para produzir efeitos contra terceiros.
Usufrutuário x nu-proprietário
O usufrutuário exerce o uso e a fruição; o nu-proprietário mantém o domínio. Um não anula o outro: eles coexistem. O conflito aparece quando o usufrutuário ultrapassa os limites do uso normal ou quando o nu-proprietário tenta tomar o imóvel de volta antes da extinção.
Formas de constituição do usufruto sobre imóveis
O usufruto pode ser criado de várias maneiras, mas as mais comuns no cenário familiar e patrimonial são:
- Por doação com reserva de usufruto: os pais doam o imóvel aos filhos, mas se reservam o usufruto vitalício. É o modelo mais usado.
- Por testamento: o falecido deixa a nua-propriedade para um herdeiro e o usufruto para o cônjuge/companheiro.
- Por contrato: dois particulares ajustam que alguém terá o usufruto por um tempo (muito utilizado em acordos de separação ou em arranjos de moradia).
- Por decisão judicial: excepcionalmente, o juiz pode constituir um usufruto em favor de alguém, como forma de garantir moradia ou pensão.
Em todas as hipóteses, para que o direito tenha força perante terceiros, é indispensável o registro no Cartório de Registro de Imóveis na matrícula do bem.
• Pais que querem passar o imóvel aos filhos, mas continuar usando.
• Casais que querem proteger o cônjuge sobrevivente.
• Empresários que separam patrimônio pessoal do operacional.
• Famílias que fazem planejamento sucessório para evitar inventário demorado.
Direitos do usufrutuário sobre o imóvel
O usufrutuário tem um feixe de direitos bastante amplo. Entre os principais:
- Usar o imóvel para moradia própria ou de sua família.
- Ceder o uso a terceiro (inclusive mediante aluguel), salvo proibição expressa no título.
- Perceber os frutos, que podem ser:
- Frutos naturais: se o imóvel for rural, colheita, produção.
- Frutos civis: alugueis, arrendamentos, locações por temporada, locações comerciais.
- Administrar o imóvel, podendo fazer consertos, manter, cercar, limpar e até melhorar.
- Pedir proteção possessória (interdito proibitório, manutenção de posse, reintegração) contra terceiros que perturbem o gozo.
Importante: o usufrutuário não pode vender o imóvel, porque não é dono da propriedade plena; pode, em alguns casos, ceder o próprio usufruto, mas o direito volta ao nu-proprietário quando termina o prazo.
Deveres do usufrutuário
Ao lado dos direitos, o usufrutuário tem deveres para não desvalorizar o bem e não prejudicar o nu-proprietário. O Código Civil elenca, entre outros:
- Conservar a coisa como se sua fosse, mantendo o imóvel em bom estado.
- Pagar as despesas ordinárias, como condomínio, IPTU (quando assim pactuado), limpeza e manutenção.
- Permitir inspeções do nu-proprietário, se houver dúvida sobre o estado do bem.
- Não alterar a destinação do imóvel (ex.: não transformar casa residencial em oficina barulhenta).
Se o usufrutuário degrada o bem, deixa de pagar despesas essenciais ou usa o imóvel de forma abusiva, o nu-proprietário pode propor ação para fazer cessar o abuso e, em hipóteses graves, pedir a extinção do usufruto.
Limites do usufruto de imóveis
O usufruto não é um “direito de dono”, é um direito de gozo limitado. Os principais limites são:
1. Limite temporal
O usufruto pode ser vitalício (dura a vida do usufrutuário) ou por prazo determinado (5 anos, 10 anos, até certo evento). O Código Civil proíbe o usufruto perpétuo desligado de pessoa. E se for concedido a mais de uma pessoa, extingue-se com a morte do último.
2. Limite de destinação
O usufrutuário não pode mudar a finalidade que o imóvel tinha quando o usufruto foi constituído, salvo autorização expressa. Se o imóvel é residencial, não pode virar depósito perigoso; se é rural, não pode virar loteamento clandestino.
3. Limite de disposição
O usufrutuário não pode vender o imóvel, nem dá-lo em garantia como se dono fosse. Pode, em algumas hipóteses, ceder o seu direito de usufruto, mas essa cessão é limitada ao tempo do usufruto e não prejudica o nu-proprietário.
4. Limite de obras e benfeitorias
Obras úteis e necessárias são admitidas. Já obras voluptuárias (de luxo) podem ser vedadas se alterarem a substância do bem ou gerarem despesas excessivas ao nu-proprietário. Em regra, as benfeitorias necessárias podem ser indenizadas.
• Não pode vender o imóvel
• Não pode dar como hipoteca se não for o proprietário
• Não pode destruir, dividir ou unificar sem autorização
• Não pode impedir o nu-proprietário de fiscalizar
• Não pode alterar destinação urbana/rural sem acordo
Usufruto e aluguel do imóvel
Uma dúvida muito comum: quem recebe o aluguel quando há usufruto? Resposta: o usufrutuário. O aluguel é considerado fruto civil do imóvel e, portanto, pertence a quem tem o direito de fruição. O nu-proprietário só volta a receber quando o usufruto termina.
Nesse ponto, o usufruto é uma ótima ferramenta para garantir renda a idosos: os pais doam o imóvel aos filhos (evitam inventário do bem) e mantêm o usufruto vitalício para viver dos alugueis.
Extinção do usufruto de imóveis
O usufruto não dura para sempre. Ele pode acabar por várias causas previstas em lei:
- Morte do usufrutuário (se for vitalício);
- Termo final (se foi concedido por prazo certo);
- Renúncia do usufrutuário;
- Consolidação (quando o usufrutuário compra ou recebe a nua-propriedade, unindo tudo);
- Abuso ou mau uso (decisão judicial);
- Perda do bem (desapropriação, destruição total);
- Falência de finalidade (se era para alguém morar e essa pessoa não existe mais).
Extinto o usufruto, o imóvel volta a ficar plenamente livre para o nu-proprietário, que passa a ser proprietário pleno e pode dispor, vender, alugar e gravar.
Aspectos tributários e de registro
Dependendo da forma como o usufruto foi constituído (principalmente em doações com reserva de usufruto), podem incidir ITCMD (imposto sobre transmissão causa mortis e doação) e custas de cartório. Além disso, qualquer modificação (renúncia, cessão, extinção) deve ser averbada na matrícula do imóvel para produzir efeito contra terceiros.
• Linha do tempo do usufruto: Constituição → Uso/Frutos → Fiscalização → Extinção
• Outra opção: gráfico de barras comparando deveres do usufrutuário x direitos do nu-proprietário
Considerações finais
O usufruto de imóveis é uma ferramenta poderosa de organização patrimonial e sucessória, mas não é absoluto. Ele deve respeitar a finalidade do imóvel, o direito do nu-proprietário e as cláusulas que o criaram. Usufruto bem feito evita brigas de herdeiros, dá moradia ao cônjuge sobrevivente e ainda garante renda, mas usufruto mal feito pode gerar ações de extinção e perdas.
Essas informações têm caráter informativo e não substituem a orientação de um profissional habilitado (advogado, tabelião ou registrador), especialmente em casos de famílias recompostas, imóveis comerciais, inventários em andamento ou planejamento com mais de um imóvel.
Guia rápido
- O usufruto garante o uso e a fruição do imóvel por pessoa distinta do proprietário.
- O usufrutuário pode morar, alugar e administrar o bem, mas não vendê-lo.
- O nu-proprietário mantém o domínio, mas não pode usar o bem até o fim do usufruto.
- Deve haver registro no Cartório de Imóveis para produzir efeitos perante terceiros.
- O usufruto pode ser vitalício ou por prazo determinado.
- O usufrutuário responde por danos, despesas ordinárias e conservação do bem.
- O usufruto se extingue por morte, renúncia, abuso, prazo ou consolidação da propriedade.
- Na doação com reserva de usufruto, o usufrutuário mantém o direito de renda.
- Frutos e rendimentos do imóvel pertencem ao usufrutuário.
- O instituto é amplamente usado em planejamento sucessório e familiar.
Perguntas frequentes (FAQ)
Quem pode ser usufrutuário de um imóvel?
Qualquer pessoa física ou jurídica pode ser usufrutuária, desde que o direito seja criado legalmente e registrado. É comum o usufruto ser concedido a pais, cônjuges ou companheiros, mas nada impede que um terceiro receba o direito.
O usufrutuário pode vender o imóvel?
Não. O usufrutuário não é proprietário pleno, portanto não pode vender o bem. Pode, em alguns casos, ceder o seu direito de usufruto, mas essa cessão é temporária e termina junto com o usufruto original.
Quem paga IPTU e condomínio durante o usufruto?
Em regra, o usufrutuário arca com as despesas ordinárias (IPTU, condomínio, manutenção), enquanto o nu-proprietário paga as extraordinárias, salvo acordo diferente registrado no título constitutivo.
O usufruto pode ser retirado antes do prazo?
Sim. Caso o usufrutuário abuse do direito, destrua o bem, o alugue indevidamente ou cause prejuízo, o nu-proprietário pode ingressar com ação judicial pedindo a extinção antecipada do usufruto.
É possível ter mais de um usufrutuário?
Sim. O usufruto pode ser concedido a duas ou mais pessoas simultaneamente. Nesse caso, ele só se extingue com a morte ou renúncia do último usufrutuário vivo.
O usufruto gera herança para os filhos?
Não. O usufruto é um direito personalíssimo e intransferível. Ele se extingue com a morte do usufrutuário, não integrando o espólio nem podendo ser herdado.
O usufrutuário pode alugar o imóvel a terceiros?
Sim. O usufrutuário tem o direito de explorar economicamente o bem, podendo celebrar contratos de locação e receber os alugueis, desde que não haja proibição expressa no título.
Como registrar um usufruto de imóvel?
O usufruto deve ser formalizado por escritura pública (ou testamento) e registrado na matrícula do imóvel no Cartório de Registro de Imóveis. Sem esse registro, não há direito real perante terceiros.
O que acontece quando o usufruto termina?
Com a extinção do usufruto, o nu-proprietário recupera a posse plena do imóvel, podendo vender, alugar, usar ou transferir o bem livremente.
O usufruto pode ser revogado por vontade do doador?
Não. Uma vez constituído e registrado, o usufruto é direito real e não pode ser revogado unilateralmente. Sua extinção depende de causas legais ou de acordo entre as partes com novo registro.
Fundamento jurídico e referências normativas
O usufruto é regido pelos artigos 1.390 a 1.411 do Código Civil. Outras normas complementares incluem a Lei nº 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), que define os procedimentos de averbação e registro, e o art. 5º, XXII e XXIII da Constituição Federal, que assegura o direito de propriedade condicionado à função social.
Decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reforçam que o usufruto é direito personalíssimo, intransferível e extinto com a morte do usufrutuário (REsp 1.378.953/PR; REsp 1.522.106/SP). Já o Supremo Tribunal Federal reconhece a validade do usufruto como instrumento legítimo de planejamento sucessório, desde que não configure fraude ou simulação.
Considerações finais
O usufruto de imóveis é uma das ferramentas mais eficazes para equilibrar o uso do patrimônio com a preservação familiar. Ele permite que o usufrutuário goze do bem sem transferir a propriedade definitiva, oferecendo segurança e continuidade. Contudo, deve ser instituído com assessoria jurídica e registro formal para evitar nulidades e conflitos.
As informações apresentadas têm caráter educativo e não substituem a orientação de um profissional especializado, como advogado ou registrador, especialmente em casos de planejamento patrimonial, disputas familiares ou transações envolvendo múltiplos imóveis.

