Uso privativo de bens públicos: entenda as diferenças entre autorização e concessão
Uso privativo de bens públicos: noção geral e fundamento
O uso privativo de bens públicos é a situação em que a Administração permite que um particular utilize, de forma exclusiva ou preferencial, um bem que pertence ao patrimônio público, por tempo determinado e sob condições previamente fixadas. Ao contrário do uso comum do povo (ruas, praças, praias), que é livre e igualitário, o uso privativo implica restrição a terceiros e, exatamente por isso, exige um ato administrativo formal que demonstre o interesse público, defina o prazo e estabeleça encargos, contraprestações ou deveres de manutenção.
Esse regime existe porque nem sempre o Estado consegue, sozinho, explorar ou dar a melhor destinação a seus bens. Assim, ele abre espaço para que particulares, associações, entidades do terceiro setor ou até outras pessoas jurídicas de direito público utilizem esses bens, desde que a utilização gere vantagem pública (melhor serviço, receita, manutenção do bem, atendimento de política pública, ordenação do espaço urbano).
Os principais instrumentos para viabilizar esse uso privativo são a autorização de uso e a concessão/permissão de uso de bem público. Em alguns entes, aparece também a cessão de uso e o aforamento (enfiteuse) para áreas da União, mas o núcleo está em autorização e concessão.
Uso privativo de bem público é sempre exceção à regra do uso comum e deve ser fundamentado, formal e condicionado ao interesse público, jamais um favor pessoal.
1) Diferença entre uso comum, uso especial e uso privativo
O ponto de partida é a própria classificação dos bens públicos (art. 99 do Código Civil):
- Uso comum do povo: vias, jardins, praias – acesso livre e gratuito; o Estado apenas ordena.
- Uso especial: prédios de repartições, escolas, hospitais – o bem é afetado a uma finalidade estatal específica.
- Dominicais: patrimônio disponível – podem ser utilizados de forma mais flexível.
O uso privativo pode recair tanto sobre bem dominical como sobre bem de uso comum ou especial, mas, nesses dois últimos casos, exige-se motivação reforçada e, em geral, desafetação parcial, temporária ou regulamentar (ex.: quiosques em praia; mesas de restaurante em calçada; exploração de estacionamento subterrâneo em praça pública).
2) Autorização de uso de bem público
A autorização de uso é o ato administrativo, em regra unilateral, discricionário, precário e personalíssimo, pelo qual a Administração consente que alguém utilize determinado bem público para uma finalidade específica. Suas características centrais:
- Precária: pode ser revogada a qualquer tempo, sem direito a indenização (salvo investimentos autorizados).
- Pessoal: dada a pessoa certa, não se transmite sem nova anuência.
- Interessante para usos pequenos e pontuais: barracas em eventos públicos, uso eventual de sala, colocação de mesas, uso temporário de área pública para filmagens, food trucks, feiras.
- Em geral sem licitação, mas com cadastro e critérios objetivos, para evitar favorecimento.
Embora seja ato mais simples, a autorização deve ser escrita, conter prazo, finalidade, área delimitada, preço público (se houver) e cláusula de revogação. Se o uso tiver reflexo urbanístico, deve respeitar o plano diretor e a legislação de posturas municipais.
• uso esporádico ou de curta duração;
• baixa onerosidade e baixo impacto;
• finalidade pública acessória (evento, feira, promoção turística);
• necessidade de poder revogar rápido;
• ocupações rotativas de calçada e quiosque, desde que reguladas.
3) Concessão/permissão de uso de bem público
Já a concessão de uso (ou, em alguns casos, a permissão de uso qualificada) é o instrumento para usos duradouros, econômicos ou de maior impacto. É mais estável que a autorização e se aproxima de um contrato administrativo. Suas marcas típicas:
- Exige licitação (concorrência, diálogo competitivo, leilão, conforme o caso), pois há disputa econômica pelo bem.
- Prazo certo e condições de renovação.
- Onerosidade: o particular paga preço público, outorga ou assume despesas de manutenção.
- Cláusulas de reversão do bem e de benfeitorias ao final do contrato.
- Possibilidade de exploração econômica (lojas em terminais, estacionamentos, quiosques permanentes, painéis de publicidade).
- Regime de direito público, com possibilidade de rescisão unilateral por interesse público.
Muitos municípios e estados usam a concessão para incentivar a requalificação de espaços públicos (praças, parques, mirantes) sem desembolso orçamentário. O particular explora o espaço e, em troca, conserva, melhora e presta serviços ao usuário.
4) Critérios de escolha entre autorização e concessão
O administrador deve avaliar:
- Duração – quanto maior o prazo, mais adequado o modelo de concessão.
- Impacto no espaço público – se interfere no uso comum, é recomendável processo competitivo.
- Valor econômico – se há exploração de atividade lucrativa, deve haver licitação e cobrança.
- Investimento privado – se o particular vai investir no bem, precisa de segurança jurídica (concessão).
- Política urbana – autorizações pulverizadas podem gerar desordem urbana.
5) Receitas e preços públicos
O uso privativo de bem público, por retirar o bem da fruição coletiva, normalmente é oneroso. A Administração pode cobrar:
- Preço público – remuneração pelo uso; não é tributo; fixado por ato administrativo.
- Outorga ou retribuição – valor ofertado em licitação para exploração do bem.
- Encargos – obrigações de manutenção, limpeza, vigilância, acessibilidade.
Essa cobrança é importante para garantir isonomia entre particulares e para evitar que a ocupação de bem público se converta em privilégio. O próprio TCU e tribunais de contas estaduais criticam ocupações gratuitas e indefinidas.
- O bem está regularmente cadastrado e disponível?
- Há plano ou regulamento de ocupação do espaço público?
- Foi feita avaliação econômica do potencial de uso?
- O edital/ato fixou prazo, preço e deveres de manutenção?
- Existe cláusula de revogação/reversão por interesse público?
- Foi garantida publicidade e possibilidade de competição (quando couber)?
6) Controle e riscos
O uso privativo é um dos pontos mais fiscalizados pelos órgãos de controle porque, na prática, é fácil transformar bem público em vantagem privada. Por isso, recomendam-se:
- Regulamentos claros de ocupação de áreas públicas (quiosques, boxes, bancas, mobiliário urbano);
- Critérios objetivos de seleção, ainda que por sorteio;
- Prazo certo, evitando ocupações “eternas”;
- Cobrança de valores compatíveis com o mercado e com o local;
- Vistoria periódica para garantir que o bem está sendo usado conforme o autorizado.
O descumprimento das regras pode levar à revogação da autorização ou da concessão, à aplicação de multas, à retomada imediata do bem e, em situações graves, à responsabilização por improbidade administrativa do agente público que concedeu uso sem base legal ou por preço irrisório.
Observação: gráfico meramente ilustrativo para mostrar por que o controle apura ocupações irregulares.
Conclusão
O uso privativo de bens públicos por autorização ou concessão é ferramenta legítima de gestão patrimonial e urbana, mas só é válida quando atende de forma comprovada ao interesse público. A autorização é adequada a usos temporários, simples e revogáveis; a concessão atende a usos duradouros, econômicos e que demandam investimentos. Em ambos os casos, devem existir: ato formal, delimitação do espaço, prazo, encargos, eventual remuneração e possibilidade de retomada. Quando esses requisitos são observados, o Estado consegue conciliar duas finalidades: preservar o caráter público do bem e, ao mesmo tempo, permitir sua exploração eficiente.
Guia rápido
- Autorização de uso: ato precário, unilateral e revogável que permite o uso individualizado de um bem público, sem direito de exclusividade definitiva.
- Concessão de uso: contrato administrativo, normalmente precedido de licitação, para uso mais duradouro e econômico de bem público.
- Permissão de uso: forma intermediária entre autorização e concessão, podendo ser revogável, mas com algum grau de estabilidade.
- Onerosidade: o uso privativo gera pagamento de preço público ou encargos de manutenção.
- Controle: atos sujeitos à fiscalização pelos Tribunais de Contas e Ministério Público.
- Prazo: a autorização é curta; a concessão tem prazo definido em contrato.
- Revogação: sempre possível por motivo de interesse público, mediante justificativa formal.
- Legislação: art. 17 da Lei 8.666/93 (revogada) e art. 74 da Lei 14.133/21; art. 99 e 100 do Código Civil.
- Finalidade: atender à função social e à boa administração dos bens públicos.
- Responsabilidade: uso irregular pode configurar improbidade administrativa.
FAQ NORMAL
O que significa uso privativo de bem público?
É a utilização exclusiva de um bem pertencente ao Estado por um particular, sob autorização, concessão ou permissão formalmente outorgada pela Administração Pública.
Quando é necessária autorização de uso?
Quando o uso é temporário, de pequena escala e não envolve investimentos significativos, como bancas, feiras e eventos culturais em espaços públicos.
Qual a diferença entre autorização e concessão?
A autorização é precária e revogável a qualquer momento, enquanto a concessão depende de licitação e confere maior estabilidade ao particular.
O uso privativo sempre exige licitação?
Nem sempre. Pequenas autorizações podem dispensar licitação, mas concessões e permissões de uso economicamente relevantes exigem processo competitivo.
Como o Estado define o valor a ser pago pelo uso?
Por meio de avaliação econômica e fixação de preço público proporcional à área, localização e potencial de exploração do bem.
O particular pode transferir o uso a terceiros?
Não, salvo se houver cláusula expressa permitindo a cessão com anuência da Administração Pública.
Quais os riscos da ocupação irregular de bens públicos?
Além de multa e perda imediata da posse, pode haver responsabilização civil e criminal, além de sanções por improbidade administrativa.
É possível usar bens de uso comum do povo de forma privativa?
Sim, desde que haja interesse público e autorização específica, como no caso de quiosques em praias e feiras em praças.
Quem fiscaliza o uso privativo?
O órgão concedente, a controladoria interna, os Tribunais de Contas e o Ministério Público podem fiscalizar e exigir correção de irregularidades.
O que acontece quando expira o prazo da concessão?
O bem e suas benfeitorias reversíveis retornam automaticamente à posse do poder público, salvo disposição contratual em contrário.
Base normativa e técnica
A disciplina do uso privativo de bens públicos está prevista nos arts. 17 e 22 da Lei nº 8.666/1993 (revogada), e atualmente nos arts. 74 a 79 da Lei nº 14.133/2021, que tratam da alienação e concessão de uso. O Código Civil (arts. 99 a 103) classifica os bens públicos em uso comum, especial e dominicais. A jurisprudência do STF e do STJ reforça que a concessão ou autorização de uso deve observar o princípio da impessoalidade e supremacia do interesse público, sob pena de nulidade e responsabilização do gestor. Documentos orientadores incluem ainda acórdãos do TCU nº 2.714/2015 e 2.036/2017, que tratam da ocupação indevida e dos deveres de fiscalização.
Considerações finais
O uso privativo de bens públicos é uma importante ferramenta de gestão patrimonial, mas só é legítimo quando respeita os princípios da legalidade, impessoalidade, economicidade e transparência. Tanto o gestor quanto o particular devem observar rigorosamente as normas que disciplinam o uso do patrimônio estatal.
Essas informações não substituem a orientação de um profissional especializado ou o exame específico de cada caso concreto.
