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Uso Indevido de Cartão: Quando o Banco Deve Indenizar o Consumidor

Uso indevido de cartão por terceiros: panorama, fundamentos legais e caminhos práticos

Chamamos de uso indevido por terceiros toda transação em cartão (crédito, débito, virtual, carteira digital ou tokenizado) realizada sem a autorização válida do titular, por fraude, furto, roubo, engenharia social ou violação dos sistemas de pagamento. Embora as fraudes evoluam com a tecnologia (phishing, “SIM swap”, golpe do motoboy, spoofing de central telefônica, malware, vazamento de credenciais), o regime jurídico brasileiro para a proteção do consumidor é claro: as instituições financeiras e de pagamento respondem objetivamente pelos danos causados por fortuito interno — isto é, por riscos inerentes à sua atividade, como fraudes no processamento de transações. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou esse entendimento na Súmula 479. Além disso, o CDC se aplica aos bancos e emissores, por força da Súmula 297 do STJ. 0

Ideia central: quando a fraude ocorre dentro do fluxo bancário ou de pagamentos (autorização, roteamento, autenticação, monitoramento de risco), trata-se de fortuito interno. A regra é a responsabilidade objetiva do fornecedor com restituição dos valores, além de eventual indenização por danos, conforme o caso. 1

Base legal: quem responde e por quê

CDC + súmulas do STJ

  • Súmula 297/STJ: o CDC aplica-se às instituições financeiras — logo, valem os princípios de transparência, boa-fé, informação adequada, inversão do ônus da prova e responsabilidade objetiva (art. 14). 2
  • Súmula 479/STJ: bancos respondem objetivamente por danos de fortuito interno relativo a fraudes praticadas por terceiros em operações bancárias. 3

Prevenção de fraudes como dever regulatório

Além do CDC, normas do Banco Central impõem governança de segurança cibernética e controles antifraude para bancos e instituições de pagamento. A Resolução BCB 85/2021 disciplina políticas de segurança cibernética; a Resolução BCB 142/2021 estabelece procedimentos de prevenção de fraudes em serviços de pagamento. 4

Conexão com a jurisprudência: o STJ também tem decidido que o banco deve identificar e impedir transações que destoem do perfil do cliente, sob pena de responsabilidade civil. Isso reforça o dever de monitoramento inteligente (perfilamento, limites, análise de outliers). 5

Mapa de fraudes mais comuns e implicações jurídicas

1) Phishing / vishing / spoofing

Golpistas simulam sites/apps ou telefonemas do banco para capturar senhas, tokens e OTP. Quando tais credenciais são usadas para compras e transferências, a trilha digital (IPs, device fingerprint, geolocalização, canal, 3DS/EMV, logs) costuma indicar falhas no controle de risco/alerta. Em regra, a responsabilidade do emissor é objetiva (Súmula 479), salvo prova robusta de culpa exclusiva do consumidor — ex.: repasse deliberado de senha com inequívoca ciência do risco e quebra de dever básico de guarda (situação excepcional e controversa). 6

2) Golpe do motoboy / “falso funcionário”

Fraudadores recolhem cartão e senha sob pretexto de “substituição” ou “bloqueio urgente”. Muitos casos envolvem spoofing da central e conhecimento de dados que indicam vazamento ou engenharia social sofisticada. Tribunais frequentemente reconhecem a falha de segurança e impõem restituição, pois o banco deve coibir transações fora do perfil e oferecer canais confiáveis de verificação. 7

3) Clonagem, “skimming”, NFC e carteiras digitais

Embora os chips EMV reduzam clonagem, ainda há captura de dados e uso não autorizado, inclusive por tokenização indevida em carteiras digitais. A responsabilidade recai sobre os agentes do arranjo (emissor, adquirente, bandeira) conforme seu papel no fluxo de autorização e trilha de autenticação, sob a ótica do CDC e das regras da rede (3DS, autenticação reforçada). 8

4) Compras não reconhecidas e chargeback

O chargeback é o procedimento de contestação em cartões. Ele nasce nos arranjos de pagamento (bandeiras) e é operacionalizado pelo emissor; serve para estornar transações por fraude, erro de processamento ou desacordo comercial. Os prazos e motivos variam por rede e podem ser longos; mudanças recentes ampliaram discussões no mercado brasileiro. Para o consumidor, o relevante é: contestar junto ao emissor, reunir documentos e exigir a solução com base no CDC. 9

Quem mais pode responder? O lojista pode ser responsável se realizou vendas sem cautela (falhas de verificação/autenticação), gerando chargebacks que denotam negligência. O STJ tem decisões nesse sentido. 10

Deveres objetivos do banco e dos participantes do arranjo

  • Autenticar o titular (3DS, biometria, OTP, análise de dispositivo e comportamento).
  • Monitorar riscos e bloquear operações que destoem do perfil (horário incomum, geografia, volume, MCC, canal). 11
  • Registrar trilhas de autorização (AAV/3DS, EMV data, IP, device ID) e fornecê-las em caso de disputa — dever de informação do CDC. 12
  • Manter política de cibersegurança e controles antifraude (Res. BCB 85/2021 e 142/2021). 13

Passo a passo imediato para o consumidor

1) Bloqueie e documente

  • Bloqueie cartão(s) e canalize tudo por um protocolo único (app/telefone/chat), anotando data, hora e nome do atendente.
  • Registre BO se houver furto/roubo ou indícios de engenharia social; salve prints, e-mails e SMS (inclusive do golpista).

2) Conteste formalmente

  • Abra contestação das transações não reconhecidas e exija, por escrito, a trilha técnica (canal, IP, device, autenticação) e o andamento do chargeback.
  • Peça liminar de bloqueio preventivo das cobranças até a conclusão da análise, com base no CDC (prática abusiva cobrar o indevido enquanto persiste a apuração).

3) Escalone e registre

  • Desfecho insatisfatório? Procure a ouvidoria (leve o número do SAC).
  • Registre no consumidor.gov.br anexando documentos.
  • Persistindo o dano, ajuíze no Juizado Especial Cível (até 40 salários mínimos; sem advogado até 20), pleiteando restituição e, se cabível, dano moral.
Ônus da prova e hipossuficiência: à luz do CDC (e da Súmula 297/STJ), é comum a inversão do ônus, impondo ao fornecedor demonstrar a regularidade das transações (autenticação robusta, perfil compatível, logs íntegros). 14

Como calcular o prejuízo e o que pode ser pedido

Prejuízo material

  • Estorno integral das compras não reconhecidas (valor principal), inclusive juros/encargos incidentes por atraso decorrente da fraude.
  • Reembolso de tarifas ou taxas cobradas indevidamente durante a disputa (ex.: encargos por parcelamento forçado da fatura).

Dano moral (quando é plausível)

Negativação indevida, bloqueio injustificado prolongado de limites essenciais e a manutenção de cobranças após ciência da fraude podem configurar dano moral, sobretudo quando afetam o crédito/nominal do consumidor. A quantificação depende do contexto (tempo, insistência, impacto), mas a responsabilidade se ancora na falha do serviço e no dever de mitigar o dano.

Fluxo típico do chargeback (resumo visual)

  1. Titular contesta no emissor (abre-se o caso).
  2. Emissor avalia logs e, se pertinente, aciona a bandeira (motivo de fraude).
  3. Adquirente/lojista responde com comprovantes (comprovante EMV, 3DS, comprovante de entrega).
  4. Se a prova do lojista falhar, ocorre estorno; em caso de divergência técnica, a disputa pode avançar a fases internas das redes. 15

Abertura

Análise

Estorno/Decisão

Gráfico ilustrativo de etapas; prazos variam conforme arranjo de pagamento e regras da bandeira. 16

Quadros informativos

Checklist do consumidor (em 10 minutos)
(1) Bloqueie o cartão e gere novo plástico;
(2) Ative alertas de compra (push/SMS) e altere senhas;
(3) Abra contestação com relato objetivo e anexos;
(4) Peça logs de autenticação e trilha da transação;
(5) Solicite suspensão da cobrança e de encargos;
(6) Protocole na ouvidoria em 48h se não houver resposta;
(7) Registre no consumidor.gov.br;
(8) Guarde todos os protocolos;
(9) Monitore negativação e peça retirada imediata se ocorrer;
(10) Avalie o Juizado se não houver solução.
Checklist do emissor (conformidade)
(1) Política de segurança e ciber (Res. BCB 85/2021);
(2) Procedimentos antifraude (Res. BCB 142/2021);
(3) Motor de risco com perfil comportamental e bloqueios automáticos;
(4) 3DS/biometria por risco e canais seguros de atendimento;
(5) Logs integrais, trilhas EMV/3DS e guarda de evidências;
(6) Comunicação clara de andamento do chargeback;
(7) Restituição célere quando a prova de autorização falhar. 17

Linhas finas: quando pode haver discussão sobre culpa exclusiva

Há controvérsias quando a prova indica colaboração decisiva do consumidor (p.ex., entrega voluntária do cartão e senha ao golpista, mesmo após alertas explícitos; ou anotações de senha no cartão). Nesses cenários, bancos às vezes invocam culpa exclusiva. Porém, a análise deve considerar se a instituição cumpriu os deveres regulatórios e de perfilamento (bloqueio de transações anômalas, confirmação ativa, canais confiáveis). Em geral, falhas de monitoramento e de comunicação minam a tese de exclusão de responsabilidade, sobretudo diante da Súmula 479 e do dever de impedir operações fora do perfil. 18

Provas úteis e como organizá-las

  • Fatura com itens, datas e canais (presencial/online).
  • Prints do app e do internet banking (alertas de compra, bloqueios, mensagens).
  • BO, protocolos do SAC e ouvidoria.
  • E-mails/SMS da suposta central (indícios de spoofing), gravações e números discados.
  • Comprovantes de que as transações destroem o perfil (geografia, horário, MCC incomum, valores atípicos).

Relação entre banco, bandeira, adquirente e lojista: quem paga a conta?

Embora o consumidor lide principalmente com o emissor, o ecossistema de cartões é composto por bandeira, adquirente e lojista. Internamente, o prejuízo é alocado conforme as regras do arranjo (padrões de autenticação, “liability shift”, prova de EMV/3DS, políticas antifraude). Em julgados recentes, o lojista tem sido responsabilizado quando deixa de observar cautelas mínimas ao aceitar transações que depois originam chargeback. Para o titular, isso é irrelevante: ele pode exigir solução do emissor, e o reequilíbrio entre os participantes é tema interno. 19

Boas práticas para reduzir risco futuro

  • Ative notificações em tempo real e biometria no app do banco.
  • Nunca entregue cartão/senha a terceiros; bancos não recolhem cartão por motoboy.
  • Desconfie de ligações/SMS pedindo OTP; confirme no canal oficial.
  • Prefira cartões virtuais para compras on-line e limites separados.
  • Use carteiras digitais com tokenização e autenticação forte.
  • Revise faturas semanalmente; quanto mais cedo a contestação, melhor o desfecho do chargeback.

Conclusão

O sistema brasileiro oferece proteção robusta ao titular de cartão em casos de uso indevido por terceiros. A combinação de CDC (aplicável aos bancos; Súmula 297) e da Súmula 479 (responsabilidade objetiva por fortuito interno) sustenta a reparação do consumidor e incentiva controles antifraude eficazes. Normas do Banco Central (Res. BCB 85/2021 e 142/2021) exigem políticas de segurança e prevenção, ao passo que a jurisprudência recente reforça o dever de bloquear transações fora do perfil. Ao consumidor, cabem medidas rápidas: bloquear, contestar, escalonar e guardar prova. Aos emissores e demais agentes do arranjo, impõe-se governança técnica, transparência e solução célere. Com esses pilares, casos de fraude deixam de ser tragédias pessoais e passam a ser incidentes controláveis, resolvidos com eficiência, justiça e previsibilidade. 20

Guia Rápido — Uso Indevido de Cartão por Terceiros: Responsabilidade e Ações Imediatas

Quando um consumidor descobre compras ou saques realizados em seu cartão de crédito ou débito que não reconhece, o primeiro passo é entender que isso caracteriza uso indevido por terceiros. A legislação brasileira, amparada pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) e pela Súmula 479 do STJ, estabelece que bancos e emissores respondem objetivamente por fraudes e falhas de segurança — ou seja, devem reparar o dano mesmo que o golpe tenha sido cometido por terceiros.

Regra central: o banco deve provar que o consumidor agiu com culpa exclusiva para se isentar. Na ausência dessa prova, a instituição é obrigada a estornar os valores e, se houver dano moral, indenizar.

1. O que é o fortuito interno e por que isso importa

No direito do consumidor, o chamado fortuito interno é qualquer risco que decorre da própria atividade empresarial. No caso dos bancos, isso inclui fraudes, clonagens, vazamentos de dados e falhas de autenticação. Por isso, o uso indevido do cartão não é considerado um acidente imprevisível: faz parte do risco do negócio, e o consumidor não pode ser responsabilizado.

O STJ firmou esse entendimento na Súmula 479: “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.”

2. Ações imediatas do consumidor

  • Bloqueie o cartão e comunique o banco imediatamente. Solicite novo plástico e anote o número do protocolo.
  • Conteste as transações formalmente (por aplicativo, telefone ou agência). O banco deve abrir uma investigação e fornecer comprovantes da origem das compras.
  • Registre boletim de ocorrência (BO), especialmente em casos de furto, perda ou golpe de engenharia social.
  • Guarde todos os comprovantes de comunicação, faturas e protocolos.
Dica prática: não aceite que o banco cobre parcelas ou juros enquanto o caso estiver sob análise. Isso é uma prática abusiva, e o consumidor pode exigir suspensão das cobranças até a conclusão da investigação.

3. Responsabilidade objetiva e dever de segurança

De acordo com o artigo 14 do CDC, o fornecedor responde independentemente de culpa pelos danos causados ao consumidor em decorrência de falhas na prestação do serviço. Isso inclui transações fraudulentas, clonagens e movimentações que destoam do padrão habitual de uso do cliente. O banco tem obrigação de:

  • Manter mecanismos antifraude capazes de detectar transações atípicas;
  • Garantir comunicação eficaz e canais de bloqueio rápidos;
  • Oferecer reembolso em tempo razoável caso não prove a culpa do consumidor.

4. Situações comuns e como agir

  • Cartão clonado: o banco deve restituir os valores e cancelar cobranças.
  • Golpe do motoboy ou da central falsa: mesmo que o cliente tenha entregado o cartão acreditando falar com o banco, há falha de segurança institucional e o banco é responsável.
  • Phishing ou SMS falso: se a fraude decorre de falha de autenticação ou engenharia social previsível, também há responsabilidade da instituição.
Importante: a responsabilidade do banco só é afastada se ficar comprovado que o consumidor agiu com culpa exclusiva — como emprestar o cartão e senha a terceiros, ou registrar a senha no próprio cartão, o que caracteriza negligência grave.

5. Caminhos para reparação

Se o banco não resolver a contestação:

  • Acione a ouvidoria e registre o número do protocolo;
  • Registre queixa no site consumidor.gov.br;
  • Se persistir o problema, procure o Procon ou o Juizado Especial Cível (até 40 salários mínimos). É possível pedir restituição em dobro e indenização moral, conforme os arts. 42 e 14 do CDC.

O consumidor também pode pedir que o banco apresente a trilha técnica da transação (IP, dispositivo, geolocalização, autenticação), pois o ônus da prova é invertido em favor do cliente, conforme o art. 6º, VIII, do CDC.

Resumo rápido: o banco deve indenizar e restituir o consumidor em casos de uso indevido, salvo prova de culpa exclusiva. O consumidor deve agir rápido, formalizar a contestação e documentar tudo. O CDC e o STJ garantem proteção total contra falhas de segurança financeira.

Mensagem-chave do guia

Fraudes de cartão são cada vez mais sofisticadas, mas o direito do consumidor é claro: quem responde é o banco. A negligência, a falta de monitoramento e o desrespeito ao perfil do cliente configuram falha na prestação de serviço. O consumidor deve agir com agilidade, guardar provas e recorrer aos canais corretos — e, se necessário, à Justiça — para obter reparação integral e impedir novos prejuízos.

FAQ — Uso Indevido de Cartão por Terceiros

1) O que é considerado uso indevido de cartão?

Uso indevido ocorre quando uma pessoa realiza compras, saques ou transferências com o cartão do titular sem autorização. Isso pode incluir clonagem, golpes de engenharia social, perda, roubo ou uso fraudulento de dados digitais.

2) O banco é responsável por compras feitas por terceiros?

Sim. Conforme o artigo 14 do CDC e a Súmula 479 do STJ, o banco responde objetivamente por fraudes e delitos praticados por terceiros, desde que sejam riscos inerentes à atividade bancária (fortuito interno).

3) O que o consumidor deve fazer ao notar transações não reconhecidas?

O consumidor deve bloquear o cartão imediatamente, abrir contestação formal junto ao banco, anotar o número de protocolo, registrar boletim de ocorrência e guardar todos os comprovantes e faturas.

4) O banco pode negar o estorno alegando culpa do cliente?

Somente se comprovar que o consumidor teve culpa exclusiva, como emprestar cartão e senha a terceiros ou agir com negligência grave. Caso contrário, o banco é obrigado a devolver o valor e corrigir eventuais danos.

5) Como funciona a contestação (chargeback) em compras não reconhecidas?

O banco deve abrir uma disputa com a bandeira (Visa, Mastercard etc.) e analisar os comprovantes da transação. Se a compra for irregular, o valor é estornado. O processo deve seguir as regras de cada arranjo de pagamento e respeitar os prazos do CDC.

6) O consumidor deve pagar a fatura enquanto o caso é analisado?

Não. O consumidor pode solicitar a suspensão da cobrança até a conclusão da análise. Cobrar parcelas contestadas antes da apuração é prática abusiva, conforme o CDC.

7) O que é o fortuito interno citado nas decisões judiciais?

Fortuito interno é o risco natural da atividade bancária, como fraudes e falhas de segurança. Quando esses eventos ocorrem, o banco não pode alegar imprevisibilidade e deve arcar com o prejuízo do cliente.

8) O consumidor pode pedir indenização por danos morais?

Sim. Se a fraude gerar negativação indevida, cobrança insistente, constrangimento ou bloqueio de crédito, o consumidor pode pedir indenização moral além do reembolso do valor material.

9) O que fazer se o banco não resolver a contestação?

Procure a ouvidoria do banco e registre o caso no consumidor.gov.br. Se não houver solução, acione o Procon ou o Juizado Especial Cível pedindo restituição em dobro e reparação por dano moral, se aplicável.

10) Como prevenir o uso indevido do cartão no futuro?

Ative alertas de compra, use cartões virtuais, desconfie de ligações pedindo dados, nunca entregue o cartão a terceiros e prefira autenticação biométrica e tokenização em carteiras digitais. O banco deve oferecer meios de segurança compatíveis com as normas do Banco Central.

Referências Jurídicas e Fundamentação Técnica

1. Base normativa aplicável

  • Lei nº 8.078/1990 – Código de Defesa do Consumidor (CDC): garante ao consumidor o direito à segurança, à informação e à reparação integral de danos decorrentes de falha na prestação de serviços. O artigo 14 estabelece a responsabilidade objetiva do fornecedor, independentemente de culpa, quando há defeito na segurança do serviço.
  • Artigo 6º, VIII, do CDC: assegura a inversão do ônus da prova em favor do consumidor, impondo ao banco demonstrar que a transação foi legítima e segura.
  • Artigo 42, parágrafo único, do CDC: determina que o consumidor cobrado indevidamente tem direito à restituição em dobro do valor pago.
  • Súmula 297 do STJ: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.” Essa súmula vincula bancos e operadoras de cartão às regras de proteção ao consumidor.
  • Súmula 479 do STJ: “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros.” Essa é a base para a responsabilização automática do banco em casos de fraude.
Em resumo: o banco só se exime da responsabilidade se provar culpa exclusiva do consumidor ou se demonstrar que o evento decorreu de um fortuito externo — situação raríssima no contexto digital, pois fraudes eletrônicas são consideradas riscos inerentes (fortuitos internos).

2. Normas do Banco Central e resoluções complementares

  • Resolução BCB nº 85/2021: estabelece políticas de segurança cibernética e define diretrizes para prevenção de incidentes e tratamento de dados sensíveis em instituições financeiras.
  • Resolução BCB nº 142/2021: impõe às instituições de pagamento a adoção de mecanismos de autenticação forte, análise de risco e monitoramento contínuo de transações, justamente para evitar o uso indevido de cartões e transferências não autorizadas.
  • Circular nº 3.681/2013 (BACEN): reforça que os bancos devem manter controles internos eficazes e procedimentos para detecção de irregularidades, especialmente em transações eletrônicas.
Aplicação prática: se o banco não comprovar que adotou todas as medidas exigidas por essas normas — autenticação, análise de perfil de uso, canais de bloqueio ágeis —, ele responde por falha de segurança e serviço defeituoso.

3. Entendimento consolidado nos tribunais

  • STJ – REsp 1.899.304/SP (2021): reconhece que transações fora do perfil do cliente configuram falha de segurança, impondo ao banco o dever de indenizar e restituir os valores indevidos.
  • STJ – AgInt no AREsp 1.731.927/SC (2020): reafirma que golpes de engenharia social, mesmo quando envolvem manipulação do consumidor, são de responsabilidade da instituição financeira se houve deficiência nos mecanismos de autenticação.
  • STJ – REsp 1.899.304/DF: determina que o banco deve indenizar sempre que a fraude decorre de falha previsível ou controlável dentro do sistema bancário.
  • STF – Tema 590 de Repercussão Geral: reafirma a constitucionalidade da aplicação do CDC às instituições financeiras.
Interpretação dominante: a responsabilidade é solidária entre os integrantes do sistema de pagamento — banco emissor, bandeira e estabelecimento — quando a falha decorre do fluxo de autorização e liquidação da transação.

4. Responsabilidade e reparação ao consumidor

  • O banco deve reembolsar integralmente os valores debitados em decorrência de uso indevido.
  • Se houver cobrança indevida, o consumidor tem direito à restituição em dobro (art. 42, parágrafo único, CDC).
  • Nos casos de negativação indevida ou constrangimento, cabe dano moral presumido.
  • O consumidor pode ingressar no Juizado Especial Cível e requerer indenização até o limite de 40 salários mínimos, sem necessidade de advogado até 20 salários.
Ônus da prova: em disputas sobre fraudes bancárias, cabe à instituição demonstrar que a transação foi autenticada e compatível com o perfil do titular. O consumidor é presumido parte hipossuficiente e tem direito à inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII, CDC).

5. Encerramento Técnico

O conjunto normativo brasileiro é claro ao determinar que o risco das operações financeiras não pode ser transferido ao consumidor. A jurisprudência pacificada do STJ e as diretrizes do Banco Central reforçam o dever de vigilância das instituições, que devem atuar preventivamente e corrigir de forma célere qualquer fraude detectada. A negligência na proteção dos dados e transações do cliente constitui falha na prestação de serviço, ensejando não apenas a restituição dos valores, mas também compensação moral pelos danos causados. Em síntese, o consumidor lesado por uso indevido de cartão tem respaldo legal sólido para exigir reparação integral e imediata.

Conclusão: fraudes com cartões não configuram fatalidade. São eventos que as instituições financeiras devem prever e conter. O sistema jurídico brasileiro coloca o consumidor no centro da proteção, garantindo transparência, segurança e justiça em cada caso.

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