Direito previdenciário

União estável e pensão por morte: quais provas garantem seu direito?

União estável para fins de pensão por morte: conceito jurídico e alcance

No regime geral de Previdência Social (RGPS/INSS), a pensão por morte é devida aos dependentes do segurado que venha a óbito. Entre os dependentes de 1ª classe (art. 16 da Lei 8.213/1991) estão o cônjuge e o companheiro(a), sendo que, para ambos, a dependência econômica é presumida. Para que a(o) companheira(o) receba a pensão, é essencial demonstrar a existência de união estável com o segurado na data do óbito.

O Código Civil (art. 1.723) define união estável como a convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família. A proteção se estende às uniões homoafetivas, reconhecidas por jurisprudência consolidada e atos administrativos do INSS. O ponto central, em matéria previdenciária, é a prova suficiente de que a relação existia quando do falecimento e que possuía os elementos de estabilidade e notoriedade.

Resumo-chave
Quem tem direito: companheiro(a) do segurado falecido, com dependência presumida (art. 16, I).
O que provar: existência da união estável na data do óbito (publicidade, continuidade, durabilidade, ânimo de família).
Como provar: preferencialmente com documentos (início de prova material) e, se necessário, testemunhas (justificação administrativa ou judicial).

Requisitos previdenciários que dialogam com a união estável

Qualidade de segurado e período de graça

A pensão depende de o falecido possuir qualidade de segurado no óbito (ou estar no período de graça). Esse requisito é independente da união estável; porém, sem ele, não há pensão (salvo hipóteses muito específicas de óbito decorrente de acidente de trabalho, por exemplo, com debate casuístico). Verifique CNIS, CTPS e contribuições.

Carência

Para pensão por morte, não há carência; contudo, a duração do benefício para cônjuge/companheiro pode ser restringida a 4 meses se não houver, na data do óbito, 18 contribuições mensais do segurado e 2 anos de casamento/união estável (regra geral pós-EC 103/2019 e normas infralegais). Se preenchidos esses requisitos, aplicam-se as tabelas etárias de duração para o cônjuge/companheiro.

Duração do benefício para companheiro(a)

O tempo de duração varia conforme idade do dependente na data do óbito e tempo de união. Em linhas gerais:

  • Sem 18 contribuições ou menos de 2 anos de união/casamento: 4 meses de duração.
  • Com os requisitos acima: aplicam-se faixas etárias (ex.: mais jovens recebem por menos tempo; faixas superiores tendem à vitaliciedade a partir de idade mínima prevista em norma). Sempre conferir a norma vigente na data do óbito.
Atenção prática
• A data do óbito fixa qual tabela de duração e quais regras de cálculo se aplicam.
• A união estável clandestina (não pública) tem dificuldade probatória; sem publicidade, o INSS tende a indeferir.
Uniões paralelas geram litígio: concubinato impuro (relação concomitante com casamento não separado de fato) costuma não ser equiparado; separação de fato documentada pode permitir o rateio com cônjuge.

Prova da união estável: o que pesa e como organizar o dossiê

O INSS exige início de prova material contemporânea aos fatos, complementada por prova testemunhal quando necessário. Não há lista fechada, mas alguns documentos têm forte valor indiciário.

Documentos comumente aceitos

  • Declaração do Imposto de Renda em que conste o(a) companheiro(a) como dependente.
  • Conta bancária conjunta ou cartão adicional com comprovação de despesas familiares.
  • Contrato de locação ou escritura com ambos como locatários/proprietários; contas de serviços no mesmo endereço.
  • Plano de saúde ou seguro com inclusão do(a) companheiro(a) como dependente/beneficiário.
  • Certidão de nascimento de filhos em comum.
  • Declaração de união estável pública (escritura declaratória) feita em cartório antes do óbito.
  • Comprovantes de residência com mesmo domicílio (contemporâneos e sequenciais).
  • Fotografias com datas, convites, mensagens, registros em redes sociais (impressos com URL e data), de preferência corroborados por outros meios.

Prova testemunhal e justificação

Se a prova material é escassa, é possível propor justificação administrativa no INSS, apresentando testemunhas que confirmem a publicidade, continuidade e durabilidade da relação. A JA segue rito próprio e pode ser substituída por prova judicial (ação de reconhecimento post mortem) quando há controvérsia maior.

Fluxo de análise: visual

Documentos contemporâneos?

Sim: protocolar no Meu INSS

Não: JA com testemunhas

Exigência saneada → Concessão

Indeferimento → Recurso/Ação

Boas práticas
• Mantenha registros formais (declaração em cartório, IR, plano de saúde) antes de qualquer contingência.
• Guarde comprovantes seriados de coabitação e despesas compartilhadas.
• Em famílias reconstituídas, registre acordos de guarda e dependência econômica.

Cálculo e rateio: impacto para companheiro(a) e outros dependentes

Após a EC 103/2019, a pensão no RGPS segue, como regra, o modelo 50% + 10% por dependente (até 100%) aplicado sobre o valor-base (aposentadoria que o segurado recebia ou por incapacidade permanente a que teria direito). Dependentes da mesma classe concorrerm em igualdade; quando um perde a condição (ex.: filho atinge 21 anos), sua cota de 10% extingue e o total pago diminui, sem redistribuição.

Exemplo didático com união estável e dois filhos

  • Dependentes: companheira + 2 filhos (classe 1). Percentual inicial: 50% + 30% = 80%.
  • Quando um filho atinge 21 anos: total cai para 70% (50% + 20%).
  • Quando ambos atingem 21 anos: permanece apenas a companheira → 60% (50% + 10%).
Convivência com cônjuge e companheira
• Havendo separação de fato do cônjuge e união estável superveniente comprovada, é comum o rateio da pensão entre cônjuge separado de fato (se dependente) e companheira.
• Em concubinato impuro (relação paralela sem separação de fato), a tendência é não reconhecer a segunda relação como união estável para pensão. Casos exigem prova forte e costumam ser judiciais.

Casos especiais e pontos de atenção

União estável recente e óbito precoce

Se a união/casamento possui menos de 2 anos e o segurado não completou 18 contribuições, a pensão do companheiro dura 4 meses. Há exceções discutidas quando o óbito decorre de acidente ou doença do trabalho; consulte a norma aplicável ao fato gerador.

União homoafetiva

O reconhecimento é integral para fins previdenciários. O padrão probatório é o mesmo: publicidade, continuidade, domicílio comum, finanças integradas, dependência presumida.

Dependência econômica x união estável

Para o companheiro, a dependência econômica é presumida; o que se prova é a união. Não confundir com dependência de 2ª ou 3ª classe, nas quais a dependência deve ser demonstrada.

União estável com pessoa casada

Se havia separação de fato do casamento anterior, é possível reconhecer a união estável superveniente. Sem separação, há risco de ser qualificada como concubinato impuro, geralmente não protegido para pensão. A prova da separação de fato (mudança de domicílio, decisões judiciais, partilha de bens, boletins de ocorrência, comunicações a terceiros) é determinante.

Conflitos entre dependentes e via judicial

Quando há litígio (ex.: cônjuge e companheira disputando), o INSS pode conceder via judicial após ação de reconhecimento e/ou habilitar provisoriamente um e postergar rateio até decisão final. A via judicial admite produção de provas mais ampla (testemunhas, perícias sociais, quebra de sigilo de dados específicos com ordem judicial e proporcionalidade).

Roteiro prático: do protocolo à decisão

  1. Reunir documentos (mínimo: certidão de óbito, documentos pessoais, provas da união – IR, contas, contrato, filhos, plano de saúde, fotos, escritura declaratória, etc.).
  2. Meu INSS: fazer requerimento de pensão por morte e anexar PDFs legíveis (preferir mais de um documento, de épocas diferentes).
  3. Responder a exigências e, se solicitado, justificação administrativa com testemunhas.
  4. Em indeferimento: interpor recurso administrativo com peças novas; se mantido, ajuizar ação de concessão (pode incluir reconhecimento post mortem da união estável).
  5. Após a concessão, verificar valor, DIB (data de início do benefício), rateio e correções; pedir ajustes, se necessário.
Erros frequentes
• Anexar apenas fotos sem documentos formais.
• Provas todas muito recentes, sem demonstrar durabilidade da relação.
• Ignorar conflitos de convivência (ex.: coexistência com casamento ativo sem prova de separação de fato).
• Não observar a data do óbito para aplicar a regra de duração e cálculo correta.

Quadro comparativo de força probatória

Prova Valor indicativo Observações
IR com dependente Alto Demonstra publicidade e plano familiar.
Conta conjunta/contrato de locação Alto Evidencia coabitação e gestão comum de despesas.
Filhos em comum Alto Fortíssimo indício de família constituída.
Fotos/redes sociais Médio Úteis se seriadas e corroboradas por documentos.
Testemunhas Médio Complementam o início de prova material; cuidado com contradições.

Estatísticas e contexto: por que a prova vem sendo apertada

Os sistemas previdenciários passaram a exigir provas mais robustas para coibir fraudes e uniões fictícias reconhecidas apenas após o óbito. Relatórios de gestão do INSS e de tribunais apontam alto volume de judicializações em pensões por morte por disputa de estado de família. O caminho mais seguro continua sendo a formalização prévia (escritura pública/declaração de união estável, inclusão no IR, plano de saúde e contratos).

Gráfico conceitual: probabilidade de êxito conforme robustez da prova

Robustez da prova → Chance de concessão ↑

Só fotos/testemunhas

1–2 docs formais

Docs seriados + coabitação

IR + contrato + plano + filhos

Perguntas práticas para checar antes de protocolar

  • dois ou mais documentos formais anteriores ao óbito, de datas distintas?
  • Os documentos indicam coabitação e gestão comum da vida financeira?
  • Existe declaração pública (cartório) ou inclusão no IR?
  • filhos em comum ou plano de saúde compartilhado?
  • Há risco de conflito com cônjuge não separado de fato? Como será provada a separação?

Checklist de documentos (modelo para impressão)

  • Identificação do(a) requerente e do instituidor; certidão de óbito.
  • Comprovantes de residência do casal (pelo menos 2 anos anteriores ao óbito, se possível, com periodicidade).
  • IR com inclusão como dependente ou declaração cartorial de união estável prévia.
  • Contrato de locação, conta conjunta, seguros, plano de saúde (ambos).
  • Certidões de nascimento de filhos, histórico escolar, matrícula em comum.
  • Fotos com data, convites, publicações com URL (como suporte).
  • Testemunhas (nome completo, CPF, endereço, relação com o casal).

Conclusão: preparar o dossiê hoje é garantir a pensão amanhã

Para companheiras e companheiros, o direito à pensão por morte não depende de prova de dependência econômica — ela é presumida. Depende, isso sim, de provar a união estável com robustez e na data do óbito. Quanto mais formalizada e pública for a relação (IR, contratos, planos, filhos, declaração cartorial), maior a chance de concessão célere e menor a probabilidade de litígio. Nos casos com conflitos familiares, a postura estratégica é documentar tudo, buscar orientação técnica e, se preciso, judicializar com pedido de produção de provas.

Mensagem final
União estável é fato da vida, mas prova é técnica jurídica. Organize o dossiê, verifique o CNIS do instituidor e protocole com documentos sólidos: isso encurta caminhos e transforma direito em renda.

FAQ — União estável e comprovação para pensão por morte

1) Quem tem direito à pensão por morte como companheiro(a)?

O(a) companheiro(a) integra a 1ª classe de dependentes (Lei 8.213/1991, art. 16, I). A dependência econômica é presumida; o que se prova é a existência da união estável na data do óbito.

2) O que é união estável para fins previdenciários?

É a convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família (Código Civil, art. 1.723). Aplica-se também às uniões homoafetivas reconhecidas pelo STF e observadas pelo INSS.

3) Quais documentos servem como início de prova material?

Ex.: IR com inclusão como dependente; conta conjunta; contrato de locação/escritura em conjunto; plano de saúde/seguros com o(a) companheiro(a) como beneficiário; filhos em comum; declaração pública em cartório feita antes do óbito; comprovantes de residência coincidentes e seriados. Podem ser complementados por testemunhas (IN 128/2022).

4) É obrigatório ter escritura de união estável?

Não. A escritura ajuda muito, mas não é condição absoluta. O INSS exige início de prova material contemporânea; a escritura pode ser uma delas. Sem documentos, o pedido tende a ser indeferido.

5) Como funciona a duração da pensão para companheiro(a)?

Se não houver 18 contribuições do segurado e 2 anos de união/casamento, a pensão dura 4 meses. Cumpridos os requisitos, aplica-se a tabela etária (tempo variável até vitaliciedade), conforme regras vigentes na data do óbito (Lei 8.213/1991 e EC 103/2019).

6) Como é o cálculo do valor após a EC 103/2019?

Regra geral do RGPS: 50% da aposentadoria que o segurado recebia (ou da aposentadoria por incapacidade permanente a que teria direito) + 10% por dependente, até 100%. A cota de 10% não se reverte quando o dependente perde a condição.

7) Há diferença para união estável com pessoa ainda casada?

Se houver separação de fato comprovada do casamento anterior, a união estável superveniente pode ser reconhecida e a pensão rateada. Sem separação, caracteriza-se o concubinato impuro (CC, art. 1.727), em regra não protegido para pensão.

8) E se houver conflito entre cônjuge e companheiro(a)?

O INSS pode exigir provas adicionais ou o interessado pode buscar reconhecimento judicial post mortem. O Judiciário admite produção ampla de prova (testemunhas, laudos sociais), decidindo o rateio conforme o caso.

9) A data do óbito influencia as regras aplicáveis?

Sim. A data do óbito define o regime jurídico (cálculo/duração) e a norma vigente a ser aplicada (antes ou depois da EC 103/2019), bem como eventuais portarias/instruções do INSS.

10) Prova exclusivamente testemunhal basta?

Em regra, não. A IN 128/2022 e a prática administrativa exigem início de prova material. Testemunhas servem para corroborar documentos, salvo hipóteses excepcionais reconhecidas judicialmente.

11) União estável de curta duração dá direito?

Há direito, mas tempo de duração da pensão pode ficar limitado a 4 meses se não cumpridos os requisitos de 18 contribuições e 2 anos de união (salvo exceções como acidente de trabalho, conforme legislação vigente).

12) Quais passos seguir após indeferimento?

Interpor recurso administrativo com novas provas. Se mantido o indeferimento, ajuizar ação de concessão da pensão cumulada com reconhecimento de união estável post mortem, podendo requerer produção antecipada de provas (CPC, art. 381) e tutela de urgência.


Base técnica – Fontes legais

  • Lei 8.213/1991 (Plano de Benefícios da Previdência Social): art. 16 (classes de dependentes), arts. 74–79 (pensão por morte), regras de duração/cálculo e requisitos correlatos.
  • Decreto 3.048/1999 (Regulamento da Previdência Social): dispositivos sobre reconhecimento de dependência, comprovações e procedimentos.
  • Emenda Constitucional 103/2019: alterações de cálculo e cotas da pensão por morte no RGPS.
  • Código Civil: art. 1.723 (definição de união estável) e art. 1.727 (concubinato).
  • Instrução Normativa INSS nº 128/2022 (e atualizações): critérios de início de prova material, justificação administrativa e reconhecimento de união estável.
  • CPC/2015: art. 381 (produção antecipada de provas) e tutelas de urgência em ações previdenciárias de caráter alimentar.
  • Jurisprudência do STF/STJ sobre reconhecimento de uniões homoafetivas e rateio entre cônjuge separado de fato e companheiro(a).

Aplicam-se sempre as regras vigentes na data do óbito, observadas portarias e atos normativos do INSS. Em litígios, recomenda-se instrução robusta com documentos contemporâneos e, se preciso, produção judicial de provas.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *