Tribunal do Júri no Brasil: História, Estrutura, Funcionamento e Desafios Atuais
O Tribunal do Júri é uma das instituições mais antigas e importantes do sistema de justiça brasileiro. Previsto na Constituição Federal, ele é responsável por julgar os chamados crimes dolosos contra a vida, como homicídio, feminicídio, aborto e infanticídio.
Sua principal característica é a participação direta da sociedade. Diferente dos julgamentos conduzidos apenas por juízes togados, no Júri são cidadãos comuns — os jurados — que decidem o destino do acusado. Esse elemento de participação popular garante legitimidade e aproxima a Justiça da população.
Mas o Júri não é apenas uma instituição jurídica. Ele é também um reflexo da democracia, já que coloca o poder de julgar nas mãos do povo. Ao mesmo tempo, levanta debates profundos sobre até que ponto pessoas sem formação em Direito estão preparadas para tomar decisões tão complexas.
1. Origem Histórica do Tribunal do Júri
O Tribunal do Júri tem origem na Inglaterra medieval, no século XII. Nesse período, já existiam conselhos de cidadãos chamados a decidir sobre crimes. O modelo se espalhou para países de tradição common law, como os Estados Unidos, e depois alcançou outras nações.
No Brasil, sua primeira previsão legal surgiu em 1822, com um Conselho de Jurados destinado a julgar crimes de imprensa. Pouco depois, a Constituição de 1824 consolidou o Júri, ampliando sua competência para outras áreas do Direito Penal.
Desde então, cada Constituição brasileira manteve o Júri como parte do sistema de justiça, mesmo com mudanças em sua forma de funcionamento. A Constituição de 1988, em vigor até hoje, reforçou sua importância ao incluí-lo no artigo 5º, inciso XXXVIII, como uma garantia fundamental.
2. Fundamentos Constitucionais
A Constituição assegura ao Tribunal do Júri quatro princípios que formam a espinha dorsal da sua atuação:
- Plenitude de Defesa: o acusado deve ter direito a todos os meios de defesa, inclusive argumentos emocionais e extrajurídicos.
- Soberania dos Veredictos: a decisão dos jurados deve ser respeitada, podendo ser anulada apenas em casos excepcionais.
- Sigilo das Votações: os votos dos jurados são secretos, protegendo-os de pressões externas.
- Competência para crimes dolosos contra a vida: apenas o Júri pode julgar homicídio, infanticídio, aborto e induzimento ao suicídio.
3. Estrutura do Tribunal do Júri
O Júri é formado por diferentes atores, cada um com funções específicas:
- Juiz Presidente: conduz o julgamento, decide questões de direito e orienta os jurados.
- Jurados: sete cidadãos sorteados entre os convocados para compor o conselho de sentença.
- Promotor de Justiça: representante do Ministério Público, responsável pela acusação.
- Advogado de Defesa: defensor do réu, que pode ser particular ou da Defensoria Pública.
- Testemunhas e peritos: auxiliam com informações técnicas e relatos sobre os fatos.
4. Como Funciona o Procedimento
O julgamento pelo Júri ocorre em duas fases: o judicium accusationis (fase de admissibilidade) e o judicium causae (fase de julgamento em plenário).
4.1 Primeira Fase: Juízo de Admissibilidade
Nessa etapa, o juiz analisa se há indícios suficientes de autoria e materialidade. Caso haja, o réu é pronunciado e o processo segue para o Júri. Se não houver provas, o juiz pode impronunciar, desclassificar o crime ou absolver sumariamente.
4.2 Segunda Fase: Sessão de Julgamento
A sessão em plenário segue um rito estruturado:
- Sorteio e instalação dos jurados;
- Leitura da denúncia e da decisão de pronúncia;
- Instrução em plenário: testemunhas, peritos e interrogatório do acusado;
- Debates orais entre acusação e defesa;
- Votação secreta dos quesitos pelos jurados;
- Sentença proferida pelo juiz presidente.
5. Crimes Julgados pelo Júri
O Tribunal do Júri julga apenas crimes dolosos contra a vida, previstos no Código Penal:
- Homicídio simples ou qualificado;
- Infanticídio;
- Aborto provocado;
- Induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio.
6. Críticas e Desafios
Apesar de sua importância, o Júri sofre críticas constantes:
- Decisões emocionais: jurados podem ser influenciados por discursos teatrais em vez de provas técnicas.
- Lentidão: muitos processos levam anos até serem julgados.
- Pressão midiática: casos de grande repercussão sofrem influência da opinião pública.
- Ausência de fundamentação: os jurados não precisam justificar suas decisões, o que gera discussões jurídicas.
7. Casos Emblemáticos no Brasil
Alguns julgamentos no Júri tiveram enorme repercussão:
- Caso Doca Street (1979): julgamento pelo assassinato de Ângela Diniz.
- Caso Richthofen (2002): Suzane von Richthofen e irmãos Cravinhos condenados pelo assassinato dos pais.
- Caso Mércia Nakashima (2010): condenação do advogado Mizael Bispo pelo homicídio da ex-namorada.
8. Tribunal do Júri em Perspectiva Internacional
Comparando o modelo brasileiro a outros países:
- Estados Unidos: júris com 12 jurados, exigência de unanimidade em muitos estados.
- Inglaterra: tradição centenária, mas menos espaço para argumentos emocionais.
- França: modelo misto, com participação de juízes togados e cidadãos.
9. O Futuro do Júri no Brasil
O Júri é defendido como símbolo de democracia e participação popular, mas precisa se modernizar. Reformas legislativas, maior preparação de jurados e o uso de tecnologia podem garantir julgamentos mais rápidos, justos e transparentes.
Conclusão
O Tribunal do Júri é um espaço de exercício da cidadania e da democracia direta, mas também enfrenta críticas e desafios que exigem constante aprimoramento. Compreender sua história, funcionamento e impacto é essencial para qualquer cidadão e, em especial, para operadores do Direito.