Terceirização de Serviços: Responsabilidades do Empregador e Decisões do STF
Por que a terceirização virou tema central
Terceirizar é delegar a outra empresa a execução de atividades que sustentam o negócio — da segurança e limpeza ao atendimento e à tecnologia. Para quem contrata, a promessa é foco no core e ganho de eficiência; para quem presta, oportunidade de escalar especialização. Na vida real, porém, o arranjo só funciona quando os papéis e as responsabilidades trabalhistas estão claros, e quando as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e a legislação recente são observadas sem atalhos. Do contrário, a economia que parecia certa vira passivo: horas extras não pagas, FGTS em atraso, acidentes sem cobertura, ações coletivas, multas administrativas e reputação em xeque.
O que exatamente é terceirização (e o que não é)
Terceirização x trabalho temporário x “pejotização”
Terceirização é a contratação de empresa especializada (prestadora) para executar serviços em favor da tomadora, com empregados próprios da prestadora. Trabalho temporário é outro instituto: contratação por agência para atender necessidade transitória (substituição ou pico sazonal) por prazo legal. Já a pejotização é o uso de pessoa jurídica “de fachada” para mascarar vínculo de emprego. Na terceirização legítima há contrato empresarial entre duas pessoas jurídicas, com pessoal, gestão e riscos a cargo da prestadora; na pejotização há subordinação e pessoalidade disfarçadas.
Atividade-meio e atividade-fim: o que mudou
Durante anos, prevaleceu a leitura de que só se podia terceirizar atividade-meio (apoio). Em 2017 e 2018, o marco mudou: a lei autorizou a terceirização ampla e o STF fixou a constitucionalidade de terceirizar inclusive a atividade-fim, desde que respeitados direitos trabalhistas e a ausência de fraude. Resultado prático: é possível terceirizar o atendimento, o desenvolvimento de software ou a operação logística, mas não é possível reproduzir dentro da tomadora uma relação de emprego de fato (ordens diretas, controle de horários como se fosse empregado da tomadora, estrutura de pessoal integrada), ignorando a prestadora.
Mapa legal e decisões do STF que balizam o tema
- Lei 13.429/2017 (altera a Lei 6.019/1974): disciplina terceirização e trabalho temporário; exige capital mínimo da prestadora conforme número de empregados; reforça saúde e segurança e a obrigação de a tomadora garantir condições adequadas quando o serviço se dá em suas dependências.
- Lei 13.467/2017 (reforma trabalhista): ajusta diversos pontos da CLT e convive com a terceirização ampla.
- STF — ADPF 324 e RE 958.252 (Tema 725): reconhecem a constitucionalidade da terceirização em qualquer etapa do processo produtivo, desde que não haja fraude e se resguardem direitos trabalhistas.
- TST — Súmula 331 (ainda referência prática): prevê, no setor privado, responsabilidade subsidiária do tomador pelo inadimplemento do empregador direto; e, para Administração Pública, condiciona a responsabilidade à comprovação de culpa na fiscalização, harmonizada com o STF.
- STF — RE 760.931 (Tema 246): Administração Pública só responde de forma subsidiária se demonstrada culpa in vigilando (fiscalização deficiente) — não basta o mero inadimplemento da prestadora.
Em síntese: terceirizar é lícito, mas o tomador não “lava as mãos”. Em regra, no setor privado, responde subsidiariamente se a prestadora não pagar; na Administração, a responsabilidade depende de prova de falha na fiscalização.
Quem responde pelo quê: empregador direto x tomador dos serviços
Prestadora (empregador direto)
- Admissão e registro; folha, FGTS e contribuições; férias, 13º, adicionais e horas extras.
- Saúde e segurança: EPIs, treinamentos, PPRA/PCMSO (ou seus equivalentes atuais), CIPA quando aplicável.
- Gestão disciplinar e técnica do time; cumprimento de convenções coletivas da categoria preponderante da prestadora.
Tomadora
- Fiscalização do contrato (documentos mensais, cumprimento de NR’s, acesso às áreas, jornada, trocas de uniforme/EPI).
- Garantir condições de trabalho seguras quando o serviço acontece em suas instalações (ordem, limpeza, proteção coletiva, integração de segurança).
- Não dirigir a equipe como se fosse sua (evitar subordinação direta e pessoalidade). Dar “o quê” e “o quando”; a prestadora define “quem” e “como”.
- Responsabilidade subsidiária por créditos trabalhistas na esfera privada se a prestadora não cumprir (e solidária apenas em hipóteses específicas como grupo econômico, fraude, conluio).
| Obrigação | Responsável principal | Alcance da tomadora |
|---|---|---|
| Salários, FGTS, férias, 13º | Prestadora | Subsidiária (setor privado) se prestadora não pagar; Administração só com culpa fiscalizatória |
| EPI, treinamentos, exames | Prestadora | Deve garantir condições seguras no local e exigir comprovações |
| Acidente em área da tomadora | Prestadora (CAT, benefícios, estabilidade) | Pode responder por culpa in eligendo/in vigilando ou por risco do ambiente sob seu controle |
| Multas administrativas | Quem infringiu a norma | Pode ser coautuada quando a infração decorre de condições do seu estabelecimento |
Limites práticos para evitar vínculo com a tomadora
- Subordinação direta (ordens diárias por gestores da tomadora) e pessoalidade (exigir sempre a mesma pessoa) aproximam a relação de emprego; evite. Direcione tarefas via gestor da prestadora.
- Integração orgânica (mesma hierarquia, mesmas metas e controles) gera risco. Prefira SLA/escopo contratual, não avaliação individual do trabalhador.
- Uniformes e crachás devem sinalizar a empresa empregadora; políticas internas da tomadora aplicam-se ao acesso e à segurança, não à gestão de RH.
Passo a passo de compliance para a tomadora
Antes de contratar
- Due diligence da prestadora: capital, certidões, histórico sindical, taxa de rotatividade, acidentes, referências.
- Contrato com SLA mensurável, cláusulas de cumprimento trabalhista e previdenciário, penalidades e possibilidade de retenção/garantia.
Durante a execução
- Checklist mensal: GFIP/FGTS, folhas, comprovantes de salários, ASO, treinamentos, adicional de periculosidade/insalubridade quando devido.
- Integração de segurança (NRs), análise de riscos e Plano de Resposta para incidentes.
- Registro de presença e acesso auditável; rotinas de troca de EPI e DDS.
No encerramento ou troca de fornecedor
- Conferir quitação das verbas rescisórias, guias de FGTS e seguro-desemprego. Prever retenção contratual até apresentação dos comprovantes.
- Resguardar a continuidade do serviço com transição assistida, sem absorver a equipe como “empregada” da tomadora.
Riscos típicos (e como mitigá-los)
- Subcontratação em cadeia sem controle de idoneidade: limite o nível de subcontratação ou exija autorização prévia com mesma diligência documental.
- Turnover elevado e jornadas elásticas: ajuste dimensionamento e mecanismos de substituição; SLAs realistas evitam horas extras crônicas.
- Fraudes (pejotização, “cooperativas” de fachada): auditoria periódica de vínculos e cruzamento de dados de acesso/escala com folhas.
Terceirização no setor público
Órgãos e empresas estatais terceirizam com frequência serviços de apoio e, após a virada jurisprudencial, também atividades finalísticas, desde que previstas em normas e compatíveis com o interesse público. A diferença crucial é a responsabilidade: à luz do STF (Tema 246), a Administração só responde subsidiariamente por débitos trabalhistas se ficar provada culpa na fiscalização — por exemplo, liberar faturas com FGTS atrasado, ignorar notificações do fiscal do contrato ou não exigir documentação mínima. Sem prova de culpa, o mero inadimplemento da prestadora não transfere a conta para o erário.
Exemplos práticos
- Call center terceirizado que recebe ordens diretas do gerente da tomadora, usa o mesmo sistema de ponto e tem metas idênticas aos empregados internos — risco alto de reconhecimento de vínculo com a tomadora.
- Manutenção predial com contrato de SLA, fiscal da tomadora, reuniões mensais e retenção de faturas até comprovação de FGTS — risco baixo, fiscalização adequada.
- Aplicação de multa de trânsito por terceirizada sem respaldo normativo específico — no setor público, a falta de base legal pode invalidar o arranjo, ainda que a execução material seja delegável.
Checklist de contratação responsável (resumo executivo)
- Defina escopo e resultado esperado (SLA), não pessoas nominalmente.
- Exija comprovação prévia de capacidade técnica e capital mínimo compatível com a equipe.
- Preveja garantias contratuais e retenção até prova de quitação.
- Institua fiscal do contrato com poderes e deveres claros, atas e relatórios mensais.
- Controle acesso, EPI, treinamentos e indicadores de saúde e segurança.
- Mapeie e mitigue conflitos de interesse e subcontratações em cascata.
Perguntas frequentes
A terceirização da atividade-fim é sempre permitida?
Sim, após a mudança legal e as decisões do STF (ADPF 324 e RE 958.252 – Tema 725), a terceirização pode alcançar qualquer etapa do processo produtivo. Porém, continuam vedadas a fraude (pejotização, subordinação direta disfarçada) e a supressão de direitos. O contrato deve garantir autonomia da prestadora, respeito às normas trabalhistas e fiscalização da tomadora.
O tomador responde por verbas trabalhistas não pagas pela prestadora?
No setor privado, em regra, sim, de forma subsidiária, se a prestadora não pagar. Para a Administração Pública, é preciso provar culpa na fiscalização (STF, Tema 246). Em ambos os casos, cláusulas contratuais e controles mensais ajudam a reduzir o risco e a demonstrar diligência.
Quando pode haver responsabilidade solidária da tomadora?
Em hipóteses excepcionais: fraude, grupo econômico com confusão patrimonial/gestão, conluio ou quando a tomadora age como verdadeira empregadora (subordinação direta e pessoalidade). Fora disso, prevalece a lógica da responsabilidade subsidiária.
Quais documentos a tomadora deve exigir mensalmente?
Comprovantes de salários, FGTS e contribuições; relação nominal da equipe alocada; ASO e treinamentos; evidências de entrega de EPI; ocorrências de jornada; estatísticas de incidentes e plano de ação. Essas evidências formam a “prova de vigilância” da tomadora.
Como evitar o reconhecimento de vínculo com a tomadora?
Conduza a gestão via prestadora; não dê ordens diretas a empregados terceirizados; não personalize metas individuais; mantenha crachás e uniformes da prestadora; use SLAs e indicadores de serviço para cobrar performance, e não rotinas internas da tomadora.
Há diferenças relevantes na terceirização no setor público?
Sim. Além das regras gerais, valem normas de licitações e contratos, e a responsabilidade trabalhista do ente público só surge com prova de falha na fiscalização. Por isso, o papel do fiscal do contrato e a documentação do acompanhamento são decisivos.
Explicação técnica com fontes legais
O regime jurídico da terceirização combina legislação infraconstitucional e precedentes de controle concentrado. Pilares técnicos:
- Lei 13.429/2017 (altera a Lei 6.019/1974): autoriza terceirização ampla, define capital mínimo da prestadora conforme número de empregados e disciplina obrigações de SST e garantias contratuais.
- Lei 13.467/2017 (reforma trabalhista): atualiza a CLT e convive com a terceirização, reforçando segurança jurídica em contratos de prestação de serviços.
- STF — ADPF 324 e RE 958.252 (Tema 725): fixam a constitucionalidade da terceirização em qualquer atividade, vedando fraude e preservando direitos trabalhistas.
- TST — Súmula 331: referência de responsabilidade subsidiária do tomador no setor privado e baliza de fiscalização na Administração, harmonizada com o STF.
- STF — RE 760.931 (Tema 246): Administração Pública somente responde subsidiariamente se demonstrada culpa in vigilando na fiscalização do contrato.
- Normas de SST (NRs) e regras de convenções coletivas aplicáveis à categoria da prestadora; responsabilidade do ambiente de trabalho quando o serviço ocorre nas dependências da tomadora.
Do ponto de vista técnico, a repartição de riscos fica assim: a prestadora assume risco empresarial e trabalhista direto; a tomadora assume dever de vigilância e responde subsidiariamente (com a ressalva do setor público). O vínculo com a tomadora só emerge quando se materializam os elementos clássicos do emprego (pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação direta).
Síntese final
Terceirizar com segurança não é escolher o menor preço: é contratar especialização, preservar a autonomia da prestadora e documentar a fiscalização. O STF deu previsibilidade ao afirmar que a terceirização é constitucional — e, ao mesmo tempo, lembrou que a confiança social depende de responsabilidade. Na prática: defina escopo e SLA, selecione parceiro idôneo, vigie com método e trate gente como gente. Assim, o que era risco vira eficiência compartilhada.
