Iluminação pública não é taxa: como funciona a CIP/COSIP e o que a Constituição permite
Panorama: por que a “taxa” de iluminação pública é controvérsia clássica
Durante anos, municípios brasileiros tentaram custear a iluminação de ruas por meio de taxas. Ocorre que a iluminação pública é serviço indivisível, prestado em regime de uti universi (beneficia a coletividade indistintamente), enquanto a taxa pressupõe especificidade e divisibilidade (ou o exercício do poder de polícia). Essa diferença estrutural levou o Supremo Tribunal Federal a firmar o entendimento de que não é possível remunerar a iluminação pública por taxa. A solução constitucional veio com a Emenda Constitucional 39/2002, que incluiu o art. 149-A na Constituição, permitindo a instituição da Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública (CIP ou COSIP) pelos Municípios e pelo Distrito Federal.
Mensagem-chave: Iluminação de vias não pode ser custeada por taxa (entendimento consolidado — Súmula Vinculante 41 do STF). O instrumento correto, após a EC 39/2002, é a CIP/COSIP, uma contribuição especial prevista no art. 149-A da CF.
Taxa x Contribuição x Tarifa: natureza e limites
Taxa (CF, art. 145, II; CTN, arts. 77–80)
- Decorre do exercício do poder de polícia ou da utilização de serviço público específico e divisível prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.
- Exige divisibilidade e mensurabilidade; base de cálculo não pode replicar a de impostos; não financia serviços gerais.
Contribuição para Iluminação Pública (CIP) (CF, art. 149-A)
- É contribuição especial municipal/distrital voltada exclusivamente ao custeio da iluminação pública (instalação, manutenção, expansão, eficiência energética e gestão).
- Permite critérios próprios de cálculo definidos em lei local (comum a adoção de faixas de consumo de energia elétrica, potência instalada, localização, uso do imóvel).
- Pode ser arrecadada juntamente com a fatura de energia elétrica, mediante convênio com a concessionária (o valor não se confunde com a tarifa de energia).
Tarifa/preço público
- Remunera serviço público utilizável sob demanda individual, prestado em regime contratual (concessão/perm.), como água e esgoto. Não se aplica à iluminação de vias.
Súmula Vinculante 41 (STF): “O serviço de iluminação pública não pode ser remunerado mediante taxa.” — reforça a inconstitucionalidade de leis municipais que tentem reviver taxas de iluminação.
Elementos centrais da CIP/COSIP
Fato gerador
Não é a utilização individual do serviço, mas a existência e manutenção do sistema de iluminação pública no território municipal (ruas, praças, logradouros). Como contribuição finalística, seu produto é vinculado às despesas do serviço.
Base de cálculo e alíquotas
- Leis municipais costumam adotar faixas progressivas por consumo de energia (kWh) do imóvel, potência do padrão, tipologia ou zona da cidade. A progressividade atende a critérios de capacidade contributiva e de equidade, desde que razoável e proporcional.
- É possível usar valores fixos por categoria (residencial, comercial, industrial, rural), desde que com justificativa técnica e transparência.
Sujeitos passivos
- Em regra, o titular da unidade consumidora de energia elétrica (proprietário, possuidor ou detentor do imóvel). A lei local define a responsabilidade.
- Imóveis sem ligação podem ter critérios próprios (p.ex., lançamento pelo cadastro imobiliário, quando previsto).
Arrecadação pela concessionária
É prática consolidada a cobrança da CIP na conta de luz, mediante convênio entre Município e distribuidora. A concessionária atua como agente arrecadador e repassa os valores ao ente municipal, observando regras de transparência e prestação de contas.
Checklist de legalidade da CIP
- Lei municipal específica instituindo a contribuição, com base no art. 149-A.
- Vinculação das receitas a iluminação pública (conta/fundo específico e transparência orçamentária).
- Critérios de cálculo claros, razoáveis e proporcionais (faixas, valores fixos ou híbridos).
- Previsão de isenções e reduções, quando adotadas, com impacto fiscal estimado.
- Convênio com a distribuidora (quando houver arrecadação em fatura), disciplinando repasses e glosas.
- Prestação de contas periódica e divulgação de metas de serviço (expansão, modernização, LED, telegestão).
Jurisprudência e entendimentos consolidados
- SV 41 (STF): reafirma a impossibilidade de taxa para iluminação pública.
- Constitucionalidade geral da CIP após a EC 39/2002, inclusive com cobrança na fatura de energia e bases de cálculo por consumo, desde que definidas em lei e com observância de razoabilidade.
- Inaplicabilidade a taxas: tentativas de “taxa de iluminação” ou “taxa de manutenção de posteamento” atreladas a serviço indivisível têm sido afastadas.
Governança do serviço: o que a CIP deve financiar
O serviço envolve planejamento, implantação, operação e manutenção de luminárias, reatores, cabos, postes em logradouros públicos; projetos de eficiência energética (LED, dimerização, telegestão), expansão para áreas sem cobertura, e gestão de ativos. A boa prática recomenda que o Município estabeleça indicadores (tempo médio de reparo, nível de iluminância por via, percentual de rede modernizada) e publique relatórios anuais financiados pela CIP.
Questões práticas e pontos de atenção
Isenções e justiça tarifária
- Leis locais podem prever isenções para baixa renda, consumidores de baixa tensão até certa faixa, templos e equipamentos públicos essenciais. É recomendável estimativa de impacto e compensação orçamentária.
- Municípios com áreas rurais extensas podem calibrar a CIP por zona (urbana/expansão/rural), desde que respeitada a isonomia e a capacidade contributiva.
Modernização e PPPs
Muitos entes têm utilizado a CIP para lastrear contratos de modernização com LED e telegestão, inclusive por meio de Parcerias Público-Privadas (PPPs). Boas práticas: matriz de riscos clara, indicadores de desempenho (SLA de reposição, nível de iluminância), auditoria independente e publicação de painéis de transparência.
Relação com a segurança pública e externalidades
Iluminação adequada reduz acidentes e criminalidade oportunista, melhora a mobilidade e estimula o uso noturno de espaços públicos. Embora a CIP custeie o serviço, a avaliação de retorno social é relevante para justificar investimentos.
Erros comuns
- Rotular como “taxa” um encargo de iluminação — inconstitucional após a SV 41.
- Usar a mesma base do IPTU sem justificativa técnica — pode violar razoabilidade e isonomia.
- Falta de vinculação orçamentária da receita da CIP às despesas do serviço.
- Ausência de transparência em metas, custos unitários e cronogramas de expansão/manutenção.
- Cobrança em fatura sem lei local clara e sem convênio com a distribuidora.
Base normativa essencial
- Constituição Federal: art. 149-A (CIP/COSIP); art. 145, II (taxas); art. 150 (limitações); art. 30 (competência municipal).
- Súmula Vinculante 41 (STF): vedação de taxa para iluminação pública.
- CTN: arts. 77–80 (natureza e limites das taxas); princípios gerais (legalidade, isonomia, vedação ao confisco).
- Lei local de cada Município: institui a CIP, define critérios de cálculo, isenções, forma de arrecadação e vinculação.
Conclusão
A chamada “taxa de iluminação pública” é, na verdade, imprópria: a Constituição não autoriza taxa para custear serviço geral e indivisível. O caminho correto é a Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública (CIP/COSIP), prevista no art. 149-A, cuja receita deve ser integralmente vinculada ao sistema de iluminação. Ao desenhar a CIP, Municípios devem calibrar base de cálculo e faixas com critérios de equidade, firmar convênios transparentes com distribuidoras, publicar metas e indicadores do serviço e prestar contas do gasto. Para contribuintes, é essencial conhecer a lei local, verificar eventuais isenções e fiscalizar a aplicação dos recursos. Quando bem estruturada, a CIP viabiliza cidades mais seguras e eficientes sem violar os limites constitucionais do sistema tributário.
FAQ — Iluminação pública: taxa x CIP/COSIP
1) O Município pode cobrar “taxa de iluminação pública”?
Não. O STF consolidou que iluminação pública é serviço indivisível e não pode ser remunerado por taxa. A forma constitucionalmente adequada é a Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública (CIP/COSIP), prevista no art. 149-A da CF e reafirmada pela Súmula Vinculante 41.
2) Qual a diferença entre taxa e CIP/COSIP?
Taxa (CF, art. 145, II; CTN, arts. 77–80) exige serviço específico e divisível ou poder de polícia. Já a CIP é contribuição especial municipal/distrital (CF, art. 149-A) com vinculação de receitas ao sistema de iluminação de vias, praças e logradouros.
3) Quem paga a CIP e como o valor é calculado?
O sujeito passivo é definido na lei municipal, normalmente o titular da unidade consumidora. O cálculo pode usar faixas por consumo (kWh), categoria (residencial/comercial/industrial), potência ou zona da cidade, respeitando razoabilidade e isonomia. A receita deve ser integralmente aplicada no serviço.
4) A CIP pode vir na conta de luz? E há isenções?
Sim. A lei local pode prever arrecadação pela distribuidora mediante convênio, com destaque na fatura e repasse ao Município. Isenções ou reduções (ex.: baixa renda, templos, órgãos públicos essenciais) dependem de previsão legal e devem vir acompanhadas de estimativa de impacto e transparência orçamentária.
5) Em que a CIP pode ser usada e quais os controles?
Apenas para implantação, manutenção, expansão e modernização do sistema (ex.: LED, telegestão, reparos). O Município deve prever fundo/conta vinculada, metas e prestação de contas. O cidadão pode fiscalizar via LDO/LOA, portais de transparência e órgãos de controle.
- Constituição Federal: art. 149-A (CIP/COSIP); art. 145, II (taxas); art. 150 (limitações); art. 30 (competência municipal).
- Súmula Vinculante 41/STF: “O serviço de iluminação pública não pode ser remunerado mediante taxa”.
- CTN (Lei 5.172/1966): arts. 77 a 80 (regras de taxas e suas bases), princípios de legalidade e vedação ao confisco.
- Lei 8.987/1995 (concessões): diferencia tarifa de preço público e regras contratuais — não aplicável para custear iluminação de vias, mas útil para convênios e responsabilidades.
- Leis municipais: instituem a CIP, definem base de cálculo, faixas, isenções e convênios com distribuidoras, além da vinculação orçamentária.
