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Restituição de Valores Bloqueados Indevidamente: Como Reaver seu Dinheiro pelo Sisbajud

Visão geral: quando há penhora indevida e qual é o caminho para restituição

Chama-se de penhora indevida a constrição de valores que não poderiam ser alcançados pela execução (por serem impenhoráveis ou de terceiro) ou a retenção/transferência para conta judicial acima do valor devido (excesso). A hipótese é comum em ordens via Sisbajud (antigo BacenJud), sobretudo quando há múltiplas contas, salários recebidos por Pix, carteiras digitais e contas conjuntas. Nessas situações, a regra é a restituição imediata com o desbloqueio e, quando houver transferência à conta judicial, com o estorno para a conta do titular, preservando-se o mínimo existencial e o limite legal da poupança.

O fundamento está no art. 833 do CPC (impenhorabilidades: salários, proventos, pensões, benefícios previdenciários/assistenciais, e poupança até 40 salários mínimos por devedor), no art. 854 (procedimento de indisponibilidade/penhora e desbloqueio do excedente) e no art. 805 (menor onerosidade). Em complemento, princípios como proporcionalidade, boa-fé processual e contraditório orientam o juiz a corrigir com rapidez os bloqueios irregulares.

Quadro — Situações típicas que exigem restituição imediata

  • Verba alimentar (salário, soldo, provento, pensão, benefício do INSS/LOAS) bloqueada em conta-corrente, conta-salário ou conta de pagamento — comprovada a origem.
  • Poupança até 40 salários mínimos por devedor, somadas todas as contas (inclusive digitais).
  • Excesso: bloqueio superior ao valor da execução (somatório de múltiplos bancos/contas).
  • Conta de terceiro por homonímia, erro cadastral ou conta conjunta com meação comprovada.
  • Transferência indevida para conta judicial de verba que deveria permanecer livre até decisão de mérito (ex.: bloqueio antes de intimação e análise da natureza alimentar).

Passo a passo prático: do bloqueio ao estorno

1) Identifique imediatamente a natureza e a origem dos valores

O sucesso do pedido de restituição depende de prova rápida e robusta da origem alimentar ou da impenhorabilidade. Organize:

  • Extratos detalhados do mês do bloqueio e dos três meses anteriores (mostram crédito do empregador, do INSS, do órgão pagador, ou código de benefício).
  • Holerites, contracheques, carta de concessão/consulta do CNIS (para proventos/previdência), declaração do empregador ou do órgão pagador.
  • Se poupança, extrato com saldo total na data do bloqueio para demonstrar o limite de 40 SM.
  • Se conta conjunta, contrato/termo de abertura e elementos que indiquem origem exclusiva dos créditos de um dos titulares (prova de meação).

2) Protocole pedido urgente de desbloqueio e restituição (art. 833 + 854 CPC)

Interponha petição nos autos com: (i) fundamento jurídico; (ii) provas da natureza impenhorável; (iii) pedido de tutela de urgência para desbloqueio imediato e, se já houve transferência, estorno para a conta de origem; (iv) requerimento de desativação da “teimosinha” para evitar novos bloqueios enquanto se decide; (v) eventual fixação de multa pelo descumprimento.

Se a ordem partiu de vara distinta (por exemplo, cumprimento de sentença em outro juízo) e você só soube pelo extrato, requeira certidão e cópia da decisão à instituição financeira e peça expedição de alvará inverso pelo juízo que determinou a constrição.

3) Excesso de bloqueio: peça a liberação parcial e mantenha o suficiente

O art. 854, §1º, é claro: o juiz deve desbloquear imediatamente o excesso. Junte planilha com o valor atualizado do débito, demonstrando o montante bloqueado por banco/conta (relatório do Sisbajud). Requeira que permaneça apenas o que cobre a execução, com liberação do resto.

4) Se o juízo demora: medidas recursais e mandado de segurança

Persistindo a paralisação diante de verba claramente impenhorável, avalie agravo de instrumento (decisão que mantém o bloqueio) ou mandado de segurança por ilegalidade manifesta, especialmente em salário e benefícios essenciais. Nos casos de bloqueio que compromete sobrevivência, peça liminar para liberação em 24–48 horas.

Impenhorabilidades na prática: o que o juiz costuma exigir de prova

Salário, aposentadoria, pensões, BPC/LOAS e soldo

Três elementos convencem com rapidez: (i) extrato com o crédito recorrente do empregador/INSS; (ii) documento oficial (holerite, carta de concessão, contracheque); (iii) proximidade temporal entre o crédito e o bloqueio. Em conta-salário convertida em conta-corrente, destaque o histórico de entradas idênticas e a descrição bancária do pagador. Em conta de pagamento (carteira digital), anexe comprovantes do repasse do empregador ou Pix identificado.

Poupança até 40 salários mínimos

A proteção se aplica ao conjunto de saldos do devedor na data do bloqueio, somadas todas as contas poupança e, por interpretação protetiva, subcontas e “poupanças digitais” que reproduzam a natureza da caderneta. Informe o valor do SM vigente e demonstre, com extratos, que o total não supera o limite. Se houver múltiplas contas, peça a consolidação e o desbloqueio do excedente erroneamente constrito.

Conta conjunta e meação

Nem todo bloqueio em conta conjunta é indevido. Mas, se os créditos são exclusivamente de um titular não devedor (por exemplo, salário do cônjuge), é possível pedir desvinculação com prova da origem exclusiva e a alocação do bloqueio apenas sobre a parte do devedor. Em regime de comunhão parcial, argumenta-se pela meação, liberando 50% quando o outro titular não integra o polo passivo e comprova origens alimentares.

Dinâmica do Sisbajud: bloqueio, retorno e estorno

Como o dinheiro “sai” e “volta”

O banco, ao receber a ordem, indisponibiliza e informa o valor ao sistema. Sem decisão de conversão, o valor permanece na instituição e pode ser desbloqueado imediatamente por ordem judicial. Se o juízo já mandou transferir à conta judicial, o estorno ocorre via alvará ou comando eletrônico, retornando à conta de origem (ou outra indicada pelo titular, quando necessário). Requeira explicitamente “estorno para a conta de origem, agência X, conta Y, em 24 horas” e, se for conta-salário, destaque que a manutenção do bloqueio impede pagamento de contas essenciais.

Gráfico (esquemático) — Fluxo de correção da constrição

1. Ordem Sisbajud → Indisponibilidade
2. Petição com provas → Análise judicial
3. Decisão de desbloqueio/estorno → Retorno à conta do titular

Representação didática. Os tempos são variáveis conforme a vara e o banco; peça prazo expresso.

Modelos de pedidos e itens que não podem faltar

Pedidos essenciais

  • Reconhecimento da impenhorabilidade (art. 833) e desbloqueio em 24–48h; se já convertida, estorno imediato à conta de origem.
  • Desativação da teimosinha até julgamento definitivo, para evitar novas constrições.
  • Desbloqueio do excedente (art. 854, §1º) com base em planilha do débito.
  • Intimação do exequente para se manifestar e, se reconhecer o excesso, arcar com custas e honorários do incidente.
  • Determinação ao banco para estorno e comprovação nos autos em X horas, sob pena de multa.

Documentos anexos

  • Extratos; holerites/contracheques; carta de concessão/benefício; declaração do empregador/órgão pagador; CNIS.
  • Prints de carteiras digitais com identificação do pagador e chave Pix.
  • Comprovantes de despesas essenciais (aluguel, energia, medicamentos) — úteis para demonstrar perigo de dano na tutela de urgência.

Riscos, responsabilidades e reparação de danos

Erro do juízo x erro do banco

Se o bloqueio decorre de ordem regular, mas incide sobre verba claramente impenhorável por falha de prova do devedor, a tendência é apenas o desbloqueio, sem indenização. Já se o banco descumpre ordem de desbloqueio, demora injustificadamente o estorno ou extrapola o comando judicial, pode responder por danos materiais e, em casos graves, morais. Há decisões que atribuem responsabilidade ao Estado por ato jurisdicional em casos excepcionais (error in procedendo que violou garantias), mas a via é restrita.

Dano moral por bloqueio abusivo

A jurisprudência reconhece dano moral quando a indisponibilidade paralisa por dias salário ou benefício sem razoabilidade, ou quando há insistência no bloqueio após farta prova da natureza alimentar. Documente a extensão do prejuízo (cheques devolvidos, tarifas, impossibilidade de comprar remédios) para quantificar.

Questões específicas e controvérsias frequentes

Empresas, MEIs e pequenas empresas: “mínimo de funcionamento”

Não há regra geral de impenhorabilidade de caixa empresarial. Ainda assim, a jurisprudência tem admitido, em caráter excepcional, a liberação parcial para garantir folha de pagamento, tributos essenciais e manutenção mínima, quando o bloqueio compromete a atividade de boa-fé (proporcionalidade e menor onerosidade). Prove folha, faturamento e tributos para pleitear desbloqueio calibrado.

Créditos alimentares do exequente

Para pensão alimentícia e créditos de natureza alimentar, é possível relativizar a impenhorabilidade de salário, desde que preservado o mínimo existencial. Mesmo assim, excessos devem ser corrigidos, e o devedor pode pedir percentual razoável (ex.: 20%–30%) com prova das despesas essenciais.

Criptoativos e contas no exterior

Não são alcançados diretamente pelo Sisbajud; a restituição, aqui, não se aplica por via bancária. Eventuais bloqueios decorrem de ofícios específicos a exchanges ou cooperação internacional. Se houve transferência equivocada por decisão, o retorno dependerá de ordens complementares às plataformas intermediárias.

Roteiro de actuação — credor e devedor

Para o devedor

  1. Reúna extratos e comprovantes da natureza dos créditos (salário/benefício).
  2. Peticiona com tutela de urgência para desbloqueio/estorno e desativação da teimosinha.
  3. Apresente planilha do débito para demonstrar eventual excesso.
  4. Se persistir, agravo de instrumento/mandado de segurança com pedido liminar.
  5. Eventual ação indenizatória por danos se houver descumprimento ou abuso.

Para o credor

  1. Limite a ordem ao valor exato do débito e solicite dados complementares quando necessário.
  2. Se reconhecer verba alimentar, concorde com o desbloqueio parcial/total — isso acelera o recebimento do saldo devido.
  3. Peça reiteração automática (teimosinha) apenas enquanto não houver decisão sobre impenhorabilidade.

Boas práticas de prova: como “amarrar” o pedido

  • Marcações nos extratos destacando nome do pagador, periodicidade e códigos bancários do benefício.
  • Planilha com a equação do caso: valor devido (atualizado) × valores bloqueados por conta/instituição (com datas).
  • Se poupança, cálculo do teto de 40 SM com base no salário mínimo vigente (indique a fonte oficial e a data).
  • Comprovantes de compromissos essenciais (aluguéis, água/luz, medicamentos) para justificar urgência.

Exemplo prático (hipotético) com cronograma

Dia 0: Sisbajud bloqueia R$ 6.200 na conta-corrente de A., cujo salário líquido de R$ 4.800 entrou dois dias antes. Dia 1: A. protocola pedido com extratos, holerite e comprovantes; requer desbloqueio/estorno e desativação da teimosinha. Dia 2: juízo concede liminar liberando R$ 4.800 (salário) e mantendo R$ 1.400; determina estorno em 24h. Dia 3: banco comprova estorno. Dia 5: após planilha, identifica-se excesso de R$ 200 (outras instituições também bloquearam); juiz libera o excedente e converte R$ 1.200 em penhora. Dia 10: acordo encerra a execução.

Conclusão

Em bloqueios bancários, a celeridade decide o jogo: identificar a natureza da verba, provar com documentos incontestáveis e peticionar com urgência sob os arts. 833 e 854 do CPC são os três passos críticos para a restituição. A modernização do Sisbajud trouxe eficiência à execução, mas também multiplicou os cenários de erro (carteiras digitais, múltiplos bancos, reiterações automáticas). Quando a constrição recai sobre salários, benefícios e poupança até 40 SM — ou quando ultrapassa o valor devido — o desbloqueio e o estorno devem ser imediatos, com eventual responsabilização por descumprimento. Para o credor, calibrar o pedido e reconhecer impenhorabilidades acelera o recebimento do que é devido; para o devedor, a defesa técnica, documentada e tempestiva preserva o mínimo existencial e evita prejuízos. Em síntese, a restituição de valores penhorados indevidamente é menos uma questão de sorte e mais de método jurídico, prova organizada e pressupostos claros aplicados com proporcionalidade.

Guia rápido — Restituição de valores em conta penhorada indevidamente

  • Quando a ordem via Sisbajud atinge verbas impenhoráveis (art. 833 CPC) ou há excesso (art. 854 §1º), cabe desbloqueio/estorno imediato.
  • Impenhoráveis típicas: salários, vencimentos, proventos, pensões, benefícios INSS/BPC e poupança até 40 salários mínimos por devedor.
  • Provas-chave: extratos recentes, holerites/contracheques, carta de concessão ou CNIS, declaração do empregador.
  • Peça tutela de urgência para liberar e estornar à conta de origem; requeira desativar a “teimosinha” enquanto se decide.
  • Conta conjunta: possível liberação da meação e das verbas do titular não devedor com prova de origem.
  • Fluxo ideal: ordem → indisponibilidade → petição com provas → decisãodesbloqueio/estorno → manutenção apenas do necessário.
  • Para empresas/MEI: excepcional liberação parcial para folha e tributos essenciais, se comprovado risco à atividade.
  • Em demora injustificada, use agravo de instrumento ou mandado de segurança com pedido liminar.
  • Se banco descumpre ordem de estorno, cabem multas e eventual responsabilização por danos.
  • Regra de ouro: organize documentos e planilha (débito x valores bloqueados por instituição) para mostrar excesso/ilegalidade.

FAQ — Perguntas frequentes

O que caracteriza penhora indevida de valores?

Quando a constrição atinge verbas protegidas (art. 833 do CPC), recai sobre conta de terceiro ou ultrapassa o valor devido (art. 854 §1º). Nesses casos, o juiz deve corrigir com desbloqueio/estorno.

Quais valores são impenhoráveis por lei?

Salários, vencimentos, soldos, proventos de aposentadoria, pensões, benefícios previdenciários/assistenciais e poupança até 40 salários mínimos por devedor, além de instrumentos de trabalho e outras hipóteses do art. 833 do CPC. Para alimentos, a proteção pode ser relativizada.

Como provo que o valor bloqueado é salário ou benefício?

Junte extratos com o crédito identificado do pagador, holerites/contracheques, carta de concessão/CNIS, e, se for conta de pagamento/carteira digital, prints com a identificação da origem.

O que fazer quando há excesso de bloqueio?

Apresente planilha do débito atualizado e o relatório Sisbajud por instituição, pedindo a liberação imediata do excedente (art. 854 §1º), mantendo apenas o montante necessário.

Se o valor já foi transferido para a conta judicial, ainda posso reaver?

Sim. Requeira estorno para a conta de origem, com base na impenhorabilidade ou no excesso; peça prazo ao banco para cumprir e multa por descumprimento.

Conta conjunta pode ser bloqueada? E a meação?

Pode haver bloqueio inicial. Comprovida a origem exclusiva dos créditos do cônjuge não devedor (salário, p.ex.), é possível liberar meação e verbas alimentares, mantendo a constrição apenas na parte do devedor.

Como impedir novas reiterações automáticas (teimosinha)?

Peça, na mesma petição, a desativação da teimosinha enquanto se decide sobre a impenhorabilidade e o excesso, para evitar novas constrições indevidas.

Qual recurso cabe se o juiz mantiver bloqueio ilegal?

Em regra, agravo de instrumento. Em casos de ilegalidade manifesta e urgência (salário, remédios), cabe mandado de segurança com pedido de liminar.

O banco pode ser responsabilizado por demora no estorno?

Se descumprir ordem judicial ou extrapolar o comando, pode responder por danos materiais e, em hipóteses graves, morais, além de multas processuais.

Empresas e MEIs conseguem liberar parte do caixa?

Não há imunidade automática. Em situações excepcionais, a jurisprudência libera parcela para folha e tributos essenciais, com base na proporcionalidade e no art. 805 (menor onerosidade), se houver prova robusta.

Referencial normativo e operacional

  • CPC: art. 833 (impenhorabilidades), art. 835 (ordem da penhora, prioridade do dinheiro), art. 854 (indisponibilidade, desbloqueio de excesso e conversão em penhora) e art. 805 (menor onerosidade).
  • Sisbajud (CNJ/BCB/PGFN): plataforma que substituiu o BacenJud; inclui instituições de pagamento, reiteração automática e requisição de extratos/endereços.
  • Constituição Federal: devido processo legal, razoabilidade e proteção ao mínimo existencial.
  • Precedentes dos Tribunais Superiores: proteção reforçada a verbas alimentares; relativização apenas para alimentos; validade da teimosinha com respeito às salvaguardas e ao contraditório; preservação da poupança até 40 SM por devedor.
  • Normas bancárias: prazos para cumprir desbloqueios/estornos e registros de auditoria das ordens.

Importante: cada vara pode adotar rotinas internas (fila de desbloqueio, alvará eletrônico). Sempre indique banco, agência, nº da conta e peça estorno à conta de origem.

Considerações finais

A restituição de valores penhorados indevidamente depende de prova documental imediata e de pedidos cirúrgicos: reconhecimento da impenhorabilidade, desbloqueio/estorno, desativação da teimosinha e liberação de excesso. A organização de extratos, holerites, CNIS e planilhas encurta o tempo de resposta e reduz prejuízos. Quando aplicada com técnica, a correção da constrição restabelece o mínimo existencial sem inviabilizar a execução, preservando o equilíbrio entre efetividade e garantias.

Nota de responsabilidade

As informações acima têm caráter educacional e não substituem a análise individual de profissionais habilitados (advocacia/defensoria). Cada caso varia conforme documentos, valores, decisão da vara e a composição dos depósitos. Procure orientação jurídica para definir a melhor estratégia.

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