Responsabilidade penal de executivos e gestores: quando o comando vira dever jurídico
Responsabilidade penal de executivos e gestores: fundamentos, limites e estratégias de prevenção
A responsabilidade penal de executivos e gestores decorre da posição de direção e comando que ocupam nas organizações. No ordenamento brasileiro, a imputação exige fato típico, ilícito e culpável, com demonstração de conduta (ação ou omissão), nexo causal e dolo ou culpa. Não há “culpa penal por ser chefe”; contudo, a lei reconhece hipóteses em que a posição de comando gera deveres especiais de evitar o resultado, transformando a omissão relevante em conduta penalmente típica (art. 13, §2º, do Código Penal — crimes omissivos impróprios). Assim, diretores, administradores, gerentes de unidades, CFOs, COOs e compliance officers podem responder quando, tendo o dever e a possibilidade de agir, deixam de impedir crimes corporativos ou criam ambientes favoráveis à prática delituosa.
- Deveres de garante: surgem da lei, do contrato, da assunção de riscos ou do controle de fonte de perigo (art. 13, §2º, CP).
- Autoria e participação: executivos podem ser autores, coautores ou partícipes; a contribuição moral (ordens, incentivos) pode ser suficiente.
- Compliance: não é escudo absoluto; sua efetividade influencia a prova de diligência e a dosimetria.
- Crimes corporativos: ordem econômica e tributária (Lei 8.137/1990), mercado de capitais (Lei 6.385/1976), lavagem (Lei 9.613/1998), anticorrupção pública (tipos do CP), concorrencial (Lei 12.529/2011 – cartel), ambientais (Lei 9.605/1998), financeiros (Lei 7.492/1986), consumeristas e sanitários.
- Elementos de prova: atas, e-mails, metas e KPIs, políticas e controles, relatórios de auditoria, logs de sistemas, trilha de decisão.
Como nasce a imputação penal do gestor: ação, omissão e cultura organizacional
A imputação por ação é direta quando o executivo determina, autoriza, financia ou executa o crime (por exemplo, fraudar demonstrações contábeis ou ordenar pagamentos indevidos). Já a imputação por omissão imprópria exige: (i) posição de garantidor; (ii) capacidade de agir concreta; (iii) previsibilidade do resultado e (iv) nexo entre a omissão e a ocorrência do delito. A prova costuma revelar falhas graves de organização (ausência de segregação de funções, metas incompatíveis com a lei, incentivos perversos) e tolerância a desvios. Tais elementos, combinados, permitem concluir que a cultura organizacional foi dirigida ou mantida pelo gestor, tornando previsíveis e evitáveis os ilícitos.
Business judgment x responsabilidade criminal
Decisões de negócio arriscadas não equivalem a crime. A deferência típica à decisão empresarial (próxima à business judgment rule) cessa quando se verifica violação consciente de deveres legais ou cegueira deliberada quanto a riscos ilícitos. Ex.: aprovação de contrato sabidamente simulado; aceitar “caixa 2”; ignorar relatórios de auditoria que apontam fraudes continuadas. A linha divisória está na gestão diligente do risco versus a assunção dolosa/culposa de violações.
Principais matrizes legais que alcançam executivos
- Código Penal: corrupção ativa/passiva (quando há equiparação a funcionário público – art. 327, §1º, em estatais), peculato em empresas públicas/sociedades de economia mista, crimes contra a fé pública (falsidade documental e ideológica), concorrência desleal e crimes contra as relações de consumo (em concurso com leis especiais).
- Lei 8.137/1990: crimes contra a ordem tributária (art. 1º e 2º), ordem econômica e relações de consumo. Diretores respondem quando promovem/permitem a prática, com dolo ou culpa qualificada.
- Lei 6.385/1976 (mercado de capitais): insider trading (art. 27-D), manipulação de mercado (art. 27-C) e divulgação de informação falsa. CFOs/RI e administradores estão no foco probatório.
- Lei 9.613/1998 (lavagem): executivos respondem por integrar ou permitir estruturas para dissimular origem/destino de recursos; também por omissões em controles de prevenção quando caracterizam dolo eventual ou culpa consciente.
- Lei 9.605/1998 (crimes ambientais): autores diretos ou garantidores por descumprimento de condicionantes, emissões ilícitas, descarte irregular de resíduos; combina-se com sanções administrativas.
- Lei 12.529/2011 (defesa da concorrência): cartel é crime para pessoas físicas (art. 36 combinado com CP em alguns cenários e tipos do art. 4º, II, da Lei 8.137/1990); executivos podem responder por acordos anticompetitivos.
- Lei 7.492/1986 (crimes contra o sistema financeiro): administradores de instituições financeiras respondem por gestão fraudulenta/temerária, evasão de divisas, entre outros.
- Legislação sanitária/consumerista (Lei 6.437/1977; CDC): risco à saúde, rotulagem enganosa, comercialização de produto impróprio, com imputação por omissão relevante.
Papel do compliance e sua valoração penal
Programas de compliance eficazes não eliminam a possibilidade de crime, mas são prova de diligência e podem reduzir a pena (circunstâncias judiciais), influenciar acordos penais e até afastar imputações quando demonstram que o gestor adotou todas as medidas razoáveis. Elementos valorizados: mapa de riscos atualizado; segregação de funções; controles automatizados; canal de denúncia com proteção ao denunciante; investigações independentes; resposta tempestiva a achados; disciplina sancionatória consistente; treinamentos mensuráveis e governança com reporte ao conselho.
- Governança real: autonomia, orçamento e acesso ao alto escalão.
- Controles que funcionam: logs, evidências e testes periódicos.
- Resposta a incidentes: plano, prazos e documentação.
- Due diligence de terceiros, M&A e parceiros de alto risco.
- Indicadores (KPIs/KRIs) e auditorias com acompanhamento de planos de ação.
Funções com exposição típica e exemplos de risco
- CEO/COO: decisões estratégicas que ignoram condicionantes legais; tolerância a práticas ilícitas em busca de metas.
- CFO: insider trading, manipulação de demonstrativos, estruturação de “caixa 2”, omissão em controles de prevenção à lavagem.
- Diretor Comercial: acordos de preço/mercado (cartel), brindes e vantagens indevidas a agentes públicos.
- Diretor Industrial/Operações: emissões não licenciadas, descarte irregular de efluentes, segurança do trabalho negligenciada com risco concreto (art. 132, CP).
- Compliance/RI: omissão em reportar fatos relevantes, investigações internas ineficazes, retaliação a denunciantes.
Estratégico
Representação didática. A exposição real depende do setor, desenho de controles e histórico regulatório.
Prova, cadeia de custódia e defesa técnica
Investigações penais corporativas combinam provas digitais (e-mails, chats corporativos, logs), documentais (atas, contratos, políticas), contábeis (razão, diário, lançamentos), periciais (ambientais, TI, contábil), além de entrevistas. A cadeia de custódia dos meios eletrônicos deve ser preservada. Na defesa, é essencial reconstruir o processo decisório (pareceres, alternativas analisadas, controles existentes), evidenciando que o gestor não tinha ciência do ilícito ou que atuou para evitá-lo com medidas proporcionais. A documentação de follow-up a alertas e de planos de ação é frequentemente decisiva.
Justiça penal negocial e cooperação
Com o avanço da criminalidade econômica, instrumentos como acordo de não persecução penal (art. 28-A, CPP), colaboração premiada e acordos cíveis/administrativos vêm sendo utilizados quando há reparação do dano, cooperação efetiva e compromisso com mudanças estruturais. Para executivos, essas vias exigem avaliação estratégica de riscos (efeitos civis, regulatórios e reputacionais) e rigor na veracidade das informações prestadas.
Roteiro prático de prevenção para executivos e conselhos
- Mapear riscos penais por processo e geografia; casar com apetite de risco e metas.
- Fortalecer controles: segregação de funções, autorizações em duas camadas, logs e reconciliações.
- Treinar lideranças em antitruste, mercado de capitais, tributário penal, lavagem, ambiental e sanitário.
- Terceiros e M&A: due diligence ampliada, cláusulas resolutivas e direito de auditoria; integração pós-deal.
- Canal de denúncia com proteção; comitê independente para casos sensíveis.
- Resposta a incidentes: playbooks, simulações e registro de decisões; comunicação tempestiva a reguladores.
- Tone at the top: metas que não incentivem ilícitos; remuneração atrelada a métricas de integridade.
- Pagamentos sem lastro/objetos vagos; intermediários sem qualificação.
- Troca de informações sensíveis com concorrentes; reuniões “off-agenda”.
- Reincidência de desvios sem sanções internas; auditorias ignoradas.
- Manipulação de lançamentos contábeis para atingir metas; promessas de “ajustes depois”.
- Operação sem licenças ou com condicionantes vencidas; alarmes de processo desligados.
Conclusão
A responsabilização penal de executivos e gestores exige prova individualizada de ação ou omissão relevante, mas a posição de comando amplia deveres de prevenção e resposta. O caminho seguro combina cultura de integridade, controles testados, documentação robusta e liderança pelo exemplo. Com isso, reduz-se a probabilidade de ilícitos, melhora-se a capacidade de defesa e, sobretudo, protege-se o propósito mais amplo da empresa: gerar valor com conformidade, sustentabilidade e respeito à lei.
Guia rápido
- Responsabilidade penal de executivos e gestores ocorre quando há dolo ou culpa comprovada na prática de crimes corporativos.
- Omissão penalmente relevante: ocorre se o gestor tinha o dever de evitar o resultado (art. 13, §2º, do Código Penal).
- Setores de maior risco: ambiental, financeiro, concorrencial, tributário e trabalhista.
- Compliance eficaz pode reduzir a responsabilidade, desde que haja controle real e ações preventivas comprovadas.
- Documentação e governança são elementos decisivos na defesa penal e na mitigação de penalidades.
FAQ
Quais crimes mais atingem executivos e gestores?
Os principais são crimes tributários (Lei 8.137/1990), ambientais (Lei 9.605/1998), lavagem de dinheiro (Lei 9.613/1998), cartel (Lei 12.529/2011) e gestão fraudulenta (Lei 7.492/1986). Em empresas públicas, há ainda riscos ligados a corrupção e peculato.
Um gestor pode ser condenado por ato de subordinado?
Somente se houver prova de que o gestor tinha o dever e a capacidade de impedir o ilícito e, mesmo assim, foi omisso. É o chamado crime omissivo impróprio, previsto no art. 13, §2º, do Código Penal.
O compliance protege contra a responsabilidade penal?
O programa de compliance não isenta, mas pode comprovar diligência e reduzir penas. A efetividade é medida por autonomia, relatórios independentes e ações corretivas. Um programa “de papel” não tem valor jurídico.
Quais estratégias de prevenção penal executiva são mais eficazes?
Treinamentos periódicos, due diligence de terceiros, canais de denúncia protegidos e auditorias regulares reduzem a exposição. Também é essencial documentar todas as decisões de risco e respostas a alertas internos.
Base normativa e doutrinária
- Art. 13, §2º, do Código Penal – define o dever de agir e a responsabilidade por omissão.
- Lei 8.137/1990 – crimes contra a ordem tributária, econômica e relações de consumo.
- Lei 9.605/1998 – crimes ambientais aplicáveis a dirigentes e empresas.
- Lei 12.846/2013 – Lei Anticorrupção, que reforça a responsabilidade objetiva administrativa e civil.
- Jurisprudência: STJ, REsp 1.449.595/PR — exige prova de participação ou omissão relevante do gestor.
Considerações finais
A responsabilidade penal de executivos é uma realidade crescente no ambiente corporativo brasileiro. As autoridades têm ampliado a fiscalização e a exigência de accountability. Assim, a prevenção depende da adoção de mecanismos concretos de controle, governança ativa e comunicação interna transparente.
As informações contidas neste artigo são de caráter informativo e não substituem a orientação personalizada de um profissional qualificado.
