Direito médico e da saúde

Responsabilidade em Procedimentos Odontológicos: Entenda Seus Direitos e os Riscos do Profissional

Introdução

A responsabilidade em procedimentos odontológicos tem ganhado cada vez mais relevância no Brasil porque o número de tratamentos estéticos e restauradores aumentou, as tecnologias se tornaram mais acessíveis e o paciente está mais informado sobre seus direitos. Ao mesmo tempo, não são raros os casos de resultados insatisfatórios, dores não explicadas, ausência de planejamento, implantação de próteses fora do padrão ou até danos permanentes na arcada e na face.

Do ponto de vista jurídico, a Odontologia é uma atividade de risco controlado: envolve intervenção direta no corpo do paciente, uso de anestésicos, instrumentos perfurocortantes, implantes, materiais e muitas vezes tratamentos prolongados. Por isso, o profissional precisa atuar dentro de parâmetros técnicos, éticos e contratuais. Quando há falha em um desses pontos (conduta, informação ou documentação), pode nascer o dever de indenizar.

Este texto apresenta, de forma prática, como funciona a responsabilidade do cirurgião-dentista, o que diferencia obrigação de meio e obrigação de resultado, quais são os principais erros que geram ações judiciais, como se comprova o dano e como o paciente deve proceder antes de acionar a Justiça. Ao final, há um guia rápido, um FAQ com 6 perguntas, base técnica e o comunicado de que o conteúdo não substitui o advogado.

Quadro-resumo – pontos-chave da responsabilidade odontológica

  • O dentista responde por falha técnica, falta de informação ou documentação insuficiente.
  • Procedimentos estéticos tendem a ser vistos como obrigação de resultado.
  • O paciente tem direito à informação clara (art. 6º, III, CDC).
  • Clínicas, franquias e planos podem responder solidariamente.
  • Provas: prontuário, radiografias, fotos, contratos e testemunhas.

1. Natureza da responsabilidade do cirurgião-dentista

A responsabilidade do dentista costuma ser analisada à luz do Código de Defesa do Consumidor (CDC), porque a relação entre paciente e profissional é considerada relação de consumo. Assim, o paciente é hipossuficiente na maior parte das vezes e o profissional tem dever de informação e dever de segurança. Em regra, o dentista responde de forma subjetiva (é preciso comprovar culpa), mas o CDC facilita a vida do paciente ao permitir a inversão do ônus da prova quando o caso é verossímil.

O ponto central é saber se o procedimento executado era de meio ou de resultado:

  • Obrigação de meio: o dentista se compromete a usar técnica adequada, materiais corretos e acompanhamento, mas não garante 100% de resultado (ex.: tratamentos clínicos complexos, controle de periodontite, reabilitação extensa em paciente com doença sistêmica).
  • Obrigação de resultado: o paciente procura um efeito específico e o profissional assume, de forma direta ou implícita, que o efeito será atingido (ex.: clareamento com promessa, facetas “sorriso perfeito”, correção estética em dente anterior).

Quanto mais publicitário e promocional for o procedimento, maior a chance de o Judiciário entender que se trata de obrigação de resultado, o que facilita a condenação em caso de insucesso.

Tabela comparativa – obrigação de meio x obrigação de resultado na Odontologia

Aspecto Obrigação de meio Obrigação de resultado
Exemplo Tratamento de canal em dente comprometido Facetas estéticas com promessa de formato
Ônus do paciente Mostrar que houve falha na técnica ou acompanhamento Mostrar que o resultado prometido não foi entregue
Risco para o dentista Médio Alto

2. Principais falhas que geram responsabilidade

Na prática forense, alguns erros aparecem com mais frequência. São eles:

  • Ausência de anamnese e de ficha clínica completa: o dentista não pergunta sobre doenças, alergias, uso de anticoagulantes, gestação, alterações ósseas ou histórico de câncer. Isso compromete a segurança do procedimento.
  • Falta de planejamento documentado: principalmente em reabilitações com implantes e ortodontia. O paciente não recebe plano de tratamento, prazos, valores e alternativas.
  • Materiais inadequados ou não comprovados: uso de próteses sem certificação, colas e resinas de baixa qualidade, ausência de nota fiscal ou comprovação de origem.
  • Promessa de resultado estético sem explicar limites biológicos: dentes muito brancos, formato de celebridade ou redução exagerada de dentes para facetas.
  • Falta de acompanhamento pós-operatório: o paciente volta com dores, sangramento ou mobilidade e não recebe suporte.

Qualquer uma dessas falhas pode resultar em dano estético, dano material (necessidade de refazer tratamento em outra clínica) e até dano moral, principalmente quando o rosto ou o sorriso do paciente é afetado.

Quadro – documentos que protegem o dentista e ajudam o paciente

• Ficha clínica completa
• Termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE)
• Contrato de prestação de serviços odontológicos
• Fotos de antes e depois
• Radiografias e tomografias
• Notas fiscais de materiais e próteses
• Evolução do tratamento

3. Responsabilidade da clínica, franquia ou plano odontológico

Nem sempre o paciente contrata o profissional diretamente. Muitas vezes ele fecha com uma clínica popular, franquia ou convênio. Nesses casos, costuma haver responsabilidade solidária: o paciente pode cobrar tanto da empresa quanto do profissional que executou o procedimento.

O motivo é simples: o CDC considera que quem oferece o serviço e lucra com ele deve responder pelos danos. Então, se a clínica fez propaganda de “sorriso perfeito em 7 dias” e o resultado foi ruim, a clínica responde. Internamente, ela pode cobrar do dentista, mas ao consumidor isso não importa.

4. Como o paciente comprova o erro?

A prova em Odontologia é muito visual. Por isso, o ideal é o paciente guardar tudo: orçamento, cartão, relatório, radiografias, conversas de WhatsApp, fotos enviadas pelo profissional e até gravação de áudio quando há promessa clara de resultado.

Em ações judiciais, quase sempre o juiz determina uma perícia odontológica. O perito vai analisar se a técnica utilizada condiz com a literatura, se o tempo de tratamento estava adequado, se houve culpa do paciente (ex.: não voltou às consultas) e se o dano apontado é realmente decorrente do procedimento.

A boa notícia é que, como se trata de relação de consumo, o juiz pode inverter o ônus da prova e exigir que o dentista mostre o prontuário completo. A ausência de prontuário costuma pesar contra o profissional.

5. Conclusão

A responsabilidade em procedimentos odontológicos é uma combinação de três pilares: técnica correta, informação adequada e documentação completa. Quando o profissional age dentro do protocolo, explica riscos e registra tudo, a chance de condenação cai muito. Por outro lado, quando há pressa, promessa demais e documentação de menos, o caso vira uma ação de consumo quase automática.

Para o paciente, o melhor caminho é sempre pedir documentos, acompanhar o tratamento e, diante de dor, perda funcional ou resultado muito diferente do prometido, procurar orientação jurídica cedo. Para o dentista, é essencial ter contrato, usar consentimento e evitar propagandas milagrosas.

Guia rápido

  • 1. Antes de iniciar o tratamento, peça plano escrito com etapas e valores.
  • 2. Assine o termo de consentimento e guarde sua via.
  • 3. Faça fotos do “antes”.
  • 4. Siga o pós-operatório exatamente como orientado.
  • 5. Sentiu dor, formigamento, sangramento ou mobilidade? Volte imediatamente.
  • 6. Se o resultado ficou muito diferente do prometido, registre e procure advogado.

FAQ

1) Todo erro odontológico gera indenização?

Não. É preciso demonstrar que houve falha na conduta (técnica, informação ou acompanhamento) e que essa falha gerou um dano concreto (dor, perda, custo extra, abalo estético ou moral).

2) Clareamento que não deu certo é responsabilidade?

Pode ser. Quando o profissional prometeu resultado e não explicou limitações (tonalidade do dente, hábitos do paciente, medicamentos), o caso pode ser tratado como obrigação de resultado.

3) A clínica e o dentista respondem juntos?

Sim. Em regra, há responsabilidade solidária entre quem ofereceu o serviço e quem o executou, conforme o CDC.

4) Posso pedir para ver meu prontuário?

Pode. O prontuário é documento do paciente. Se a clínica se recusar a entregar, isso pode ser usado como prova contra ela.

5) E se o próprio paciente não seguiu o pós-operatório?

Nesse caso pode haver culpa concorrente ou até exclusão de responsabilidade, mas o profissional precisa provar que orientou e que o paciente descumpriu.

6) Quanto tempo tenho para entrar com ação?

Em regra, tratando-se de relação de consumo, o prazo é de 5 anos a partir do conhecimento do dano (art. 27 do CDC). Em casos específicos, pode variar.

Base técnica (de outro nome)

Base técnica elaborada por: Centro de Estudos em Responsabilidade Profissional em Saúde – CERPS (referência doutrinária independente).

  • Código de Defesa do Consumidor – Lei nº 8.078/1990 (arts. 6º, 12, 14, 27 e 39).
  • Código Civil – arts. 186, 187 e 927 (atos ilícitos e dever de indenizar).
  • Código de Ética Odontológica – CFO (Resoluções vigentes): dever de informação, prontuário e sigilo.
  • Resoluções do Conselho Federal de Odontologia sobre publicidade e anúncio de tratamentos.
  • Jurisprudência do STJ sobre responsabilidade de profissionais liberais e clínicas odontológicas.

Importante: as normas dos Conselhos Regionais de Odontologia e dos planos odontológicos podem trazer requisitos adicionais de documentação.

Comunicado importante

Este conteúdo é informativo e não substitui um advogado. Cada caso de erro ou insatisfação em procedimento odontológico precisa ser avaliado com documentos, exames e histórico clínico. Em situações de urgência, procure atendimento de saúde imediatamente e, depois, oriente-se com profissional jurídico de sua confiança.

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