Brasileiros no exterior: seus direitosDireito internacional

Proteção do Trabalho Doméstico de Brasileiras no Exterior: Direitos, Riscos e Ações Consulares

Trabalho doméstico de brasileiras no exterior: por que é tema sensível

O trabalho doméstico feito por brasileiras no exterior – cuidar de crianças, limpar casa, cozinhar, acompanhar idosos ou atuar como “au pair” informal – é um dos segmentos mais vulneráveis do trabalho migrante. Em muitos países, essa atividade ainda é vista como trabalho de confiança dentro do lar e, por isso, fica parcialmente fora da fiscalização trabalhista. Quando a trabalhadora é estrangeira, mulher, muitas vezes negra e com visto frágil ou inexistente, a vulnerabilidade triplica: depende do empregador para moradia, documentação e renda. É nesse cenário que surgem jornadas exaustivas, retenção de passaporte, salários menores que os prometidos e até situações de servidão doméstica e de tráfico de pessoas.

O Brasil, por meio da sua rede consular e de acordos internacionais de direitos humanos e de combate ao tráfico, tem buscado fortalecer a proteção de brasileiras que trabalham em casas de família fora do país. Mas é importante entender: a lei trabalhista do país onde o serviço é prestado continua sendo a principal referência. O que o Brasil faz é abrir portas de atendimento, emitir documentos, intermediar retorno e, em situações graves, acionar a polícia local. Por isso, a melhor proteção começa antes da viagem, com informação, contrato e canal direto com o consulado.

Riscos mais comuns

  • Trabalhar sem contrato escrito e sem descrição de funções.
  • Retenção de passaporte ou de celular pelo empregador.
  • Jornada excessiva (dormir no emprego, sem descanso semanal).
  • Pagamentos abaixo do combinado ou em atraso.
  • Deslocamento para outro país/cidade sem autorização.
  • Impossibilidade de sair de casa — indício de trabalho forçado.

1. Qual lei vale para o trabalho doméstico no exterior?

Como regra do direito internacional privado, o trabalho executado em determinado país é regulado pela lei desse país (princípio da territorialidade / lex loci executionis). Assim, se a brasileira trabalha em Portugal, vale a lei portuguesa; se trabalha na Irlanda, vale a lei irlandesa; se trabalha em país árabe, vale a legislação local – que pode ser bem diferente da CLT.

Isso não significa que o Brasil “abandona” a trabalhadora. Significa apenas que, para cobrar salário, horas extras ou indenização, quase sempre será preciso ajuizar ou negociar no país onde o trabalho ocorreu. É aí que o consulado brasileiro pode orientar e, em alguns lugares, indicar serviços gratuitos ou de baixo custo.

Quando a brasileira foi contratada no Brasil por empresa brasileira para trabalhar em residência de executivo, diplomata ou família que vive fora, há uma brecha para aplicação da CLT brasileira mais favorável, conforme precedentes do TST. Mas essa não é a regra do trabalho doméstico comum, que costuma ser direto com a família estrangeira.

2. Convenções e normas internacionais que ajudam

Mesmo quando o país de destino é pouco protetivo, a trabalhadora brasileira pode se apoiar em normas internacionais de direitos humanos e de trabalho decente, que o Brasil ratificou e defende no cenário externo:

  • Convenção 189 da OIT – sobre trabalho decente para trabalhadoras e trabalhadores domésticos (2011);
  • Convenção 29 da OIT – sobre trabalho forçado (1930) e seu Protocolo de 2014;
  • Convenção 105 da OIT – abolição do trabalho forçado;
  • Protocolo de Palermo – Decreto nº 5.017/2004, que define tráfico de pessoas para fins de exploração laboral e sexual;
  • Lei brasileira nº 13.344/2016 – que prevê atenção e acolhimento à vítima brasileira de tráfico, inclusive no exterior.

Esses instrumentos reforçam que trabalho doméstico é trabalho e deve ter jornada razoável, remuneração e ambiente livre de violência. Em casos de escravidão doméstica, o consulado ou embaixada pode invocar essas normas para pressionar autoridades locais.

Documentos que a brasileira deve ter

  • Passaporte válido (não entregar ao empregador).
  • Visto de trabalho, quando exigido.
  • Contrato ou mensagens que comprovem oferta de emprego.
  • Endereço e telefone do consulado brasileiro mais próximo.
  • Contato da família no Brasil.

Guardar cópias digitais em nuvem ou e-mail próprio.

3. Formas de exploração mais frequentes

Relatos recebidos por consulados e por organizações de apoio a migrantes apontam para um padrão:

  • “Live-in” obrigatório: a trabalhadora mora na casa e o empregador entende que ela está disponível 24h.
  • Acúmulo de funções: foi contratada para cuidar de uma criança e acaba limpando toda a casa e cozinhando.
  • Apropriação salarial: o empregador diz que “descontou da passagem” ou “descontou da comida” e quase nada sobra.
  • Bloqueio de comunicação: proibição de ter celular ou de sair sozinha.
  • Ameaça com status migratório: “se reclamar, te deporto”.

Nesses casos, podem coexistir violação trabalhista e violação penal (sequestro, cárcere privado, tráfico de pessoas, servidão). Isso abre a porta para uma atuação mais forte da autoridade local e do Brasil.

4. Como o Brasil pode ajudar a trabalhadora no exterior

A atuação consular brasileira segue o princípio da não extraterritorialidade das leis trabalhistas, mas isso não impede o apoio humanitário. Em geral, o que o Brasil pode fazer é:

  • Atender a vítima no consulado e registrar o relato;
  • Emitir novo passaporte quando o empregador o reteve;
  • Acionar polícia/local quando há risco à integridade física ou evidência de crime;
  • Intermediar o retorno ao Brasil (repatriação humanitária), quando a pessoa não tem recursos;
  • Encaminhar a trabalhadora para a rede de proteção no Brasil (CREAS, Defensoria Pública da União, Ministério Público do Trabalho);
  • Orientar sobre direitos locais e indicar entidades de apoio a migrantes.

É importante frisar que o consulado não é advogado e não pode, sozinho, obrigar o empregador estrangeiro a pagar todos os direitos. Mas pode ser a porta de entrada para que isso ocorra.

5. Fatores de vulnerabilidade (exemplo ilustrativo)

Para fins de política pública, costuma-se mapear fatores que aumentam o risco de exploração. Exemplo:

Fator Risco
Visto irregular Alto – empregador usa ameaça de deportação
Morar no emprego Alto – confusão entre tempo de trabalho e descanso
Não falar o idioma local Médio/alto – dificuldade de pedir ajuda
Ser mulher sozinha Médio – risco de violência e assédio
Não conhecer o consulado Alto – sem rede de apoio

Quanto mais fatores presentes, maior deve ser a atenção à integridade física e à saúde mental da trabalhadora.

Passo a passo se houver abuso

  1. Tentar sair do local e ir ao consulado/embaixada ou à polícia.
  2. Levar tudo o que comprova o trabalho (fotos, mensagens, comprovantes).
  3. Registrar relato completo e pedir medidas de proteção.
  4. Se retornar ao Brasil, procurar o CREAS e a DPU para eventual ação.
  5. Se houver suspeita de tráfico, acionar também o Disque 100.

Conclusão

A proteção do trabalho doméstico de brasileiras no exterior depende da combinação de três frentes: informação prévia (para evitar aliciamento), presença consular ativa (para resgates e emissão de documentos) e punição a redes de exploração e tráfico. Embora o Brasil não possa impor a CLT a outros países, pode – e deve – atuar para que suas cidadãs não fiquem sem identidade, sem salário e sem saída.

Por isso, nunca viaje para trabalhar em casa de família fora do país sem contrato, sem visto e sem saber onde fica o consulado. E, se já está em situação de exploração, denuncie.

Guia rápido

  • Trabalho doméstico feito por brasileiras no exterior é, em regra, regido pela lei do país onde o serviço é prestado.
  • O Brasil pode proteger e atender a trabalhadora por meio de consulados e embaixadas, mas não pode impor a CLT fora do país.
  • Retenção de passaporte, impedir a saída da casa, jornadas exaustivas e ameaças de deportação são indícios de trabalho forçado/tráfico.
  • Há normas internacionais (OIT, Protocolo de Palermo) que reforçam o direito a trabalho decente e a viver sem violência.
  • Antes de viajar, é essencial ter contrato, visto adequado e contato do consulado brasileiro.
  • Em casos de risco, procurar imediatamente a autoridade local ou o consulado.
  • É possível pedir repatriação ao Brasil e atendimento psicossocial.
  • Exploração pode ser denunciada no Disque 100 e no Ligue 180 (se a vítima for mulher).
  • Documentos e mensagens que provem o vínculo são fundamentais.
  • Ao retornar ao Brasil, a trabalhadora pode acionar DPU, MPT e rede SUAS para responsabilização e apoio.

FAQ NORMAL

1. A CLT vale para quem faz faxina ou cuida de crianças fora do Brasil?

Não automaticamente. O que vale é, em regra, a lei do país de destino. A CLT pode ser usada apenas em situações muito específicas (contratação no Brasil por empregador brasileiro).

2. O empregador pode ficar com meu passaporte?

Não. Reter documento da trabalhadora é prática típica de exploração e tráfico de pessoas e deve ser denunciada ao consulado ou à polícia local.

3. Moro no trabalho e não tenho folga. Isso é normal?

Não. Mesmo no regime “live-in”, deve haver descanso semanal e jornada razoável. Jornada ilimitada caracteriza abuso.

4. Posso pedir ajuda ao consulado mesmo sem visto?

Sim. A função consular é proteger o cidadão brasileiro, independentemente da situação migratória.

5. Quem paga minha passagem de volta se eu quiser sair?

Em situações de violência, tráfico ou vulnerabilidade extrema, o consulado pode intermediar repatriação e buscar apoio local para o retorno.

6. O que fazer se sofri assédio ou violência na casa onde trabalho?

Buscar proteção imediata (polícia/local seguro) e comunicar o consulado brasileiro. Violência não faz parte do contrato de trabalho.

7. Posso entrar na Justiça do Brasil contra o empregador estrangeiro?

Em geral é difícil, porque o fato ocorreu fora do território. O mais efetivo costuma ser ajuizar no país onde o trabalho ocorreu, com orientação do consulado.

8. Tenho direito a seguro, férias e 13º?

Depende da lei do país. Alguns garantem salário mínimo e férias, outros não. Por isso, é importante pedir contrato por escrito antes de ir.

9. E se eu fui enganada com promessa de emprego e acabei presa na casa?

Isso pode ser tráfico de pessoas (Lei 13.344/2016). O consulado pode acionar autoridades e garantir proteção.

10. Posso denunciar mesmo estando ainda na casa?

Sim. Use telefone de emergência, e-mail do consulado, sites de órgãos de direitos humanos ou peça ajuda a terceiros. O sigilo é preservado.

Base técnica e referências legais

  • Convenção 189 da OIT – Trabalho decente para trabalhadoras e trabalhadores domésticos.
  • Protocolo de Palermo (Decreto nº 5.017/2004) – prevenção, repressão e punição do tráfico de pessoas.
  • Lei brasileira nº 13.344/2016 – medidas de atenção a vítimas de tráfico, inclusive no exterior.
  • Constituição Federal – art. 4º, II e X; art. 5º, caput; proteção ao brasileiro no exterior.
  • Normas de direito internacional privado – aplicação da lei do local da prestação do serviço.
  • Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas – diretrizes para acolhimento e retorno.

Considerações finais

O trabalho doméstico de brasileiras no exterior é trabalho e deve ser protegido. A ausência de contrato, o medo de deportação e o isolamento dentro do lar deixam a trabalhadora mais frágil, mas não retiram seus direitos humanos básicos. Buscar o consulado, guardar documentos e denunciar abusos são atitudes que salvam vidas.

Essas informações têm caráter educativo e não substituem a análise individual feita por advogado, Defensoria Pública ou serviço consular especializado.

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