Prontuário Médico sem Mistério: guarda, sigilo e acesso seguro em 7 passos
Guia prático e aprofundado para gestores, profissionais de saúde, compliance e advogados sobre prontuário médico: conceito, regras de guarda (física e eletrônica), sigilo, acesso por terceiros, interoperabilidade, LGPD e medidas de governança. Linguagem direta, com quadros, checklists e modelos operacionais.
O que é prontuário e por que é a “memória clínica” do paciente
O prontuário é o conjunto organizado de documentos, informações e registros gerados a partir do cuidado, em qualquer suporte (papel ou eletrônico), que descreve a linha do tempo do atendimento: anamnese, exame físico, hipóteses diagnósticas, exames, prescrições, evolução, intercorrências, relatórios, consentimentos, altas e orientações. Além de assistencial, tem funções ética, jurídica, administrativa, epidemiológica e de pesquisa. Por isso, sua guarda e confidencialidade são temas centrais de qualidade e responsabilidade civil.
Governança e papéis: quem responde pelo prontuário
- Controlador (em geral, o hospital/clínica): define finalidades do tratamento, política de guarda, segurança e acesso.
- Operadores (TI, terceirizadas, plataformas de saúde, empresas de digitalização): tratam dados conforme instruções do controlador, com contratos e SLAs claros.
- Equipe assistencial: registra, consulta e mantém a integridade do prontuário; responde eticamente pelo sigilo profissional e pela qualidade do registro.
- Paciente/titular e representantes legais: têm direito de acesso facilitado a cópias e de retificação de dados pessoais (quando cabível).
Princípios que regem o prontuário (ética, lei civil e proteção de dados)
- Finalidade e necessidade: registre o que é clinicamente relevante e juridicamente exigível, evitando excessos e opiniões desnecessárias.
- Qualidade e integridade: informação completa, datada, assinada e legível; no eletrônico, com autenticação e logs.
- Segurança e confidencialidade: controles de acesso, criptografia, trilha de auditoria e segregação de perfis.
- Transparência: canais para o paciente requerer cópias, prazos claros e comunicação empática.
- Responsabilização: políticas escritas, treinamentos, auditorias e planos de resposta a incidentes.
Sigilo médico: regra, exceções e tomada de decisão
O sigilo profissional é dever ético e jurídico. A divulgação de informações do prontuário sem base legal pode gerar sanções éticas, civis e até penais. Em termos práticos, o acesso é permitido quando houver:
- Autorização expressa e específica do paciente (ou representante legal), preferencialmente por escrito e com identificação.
- Dever legal ou ordem judicial (ex., notificações compulsórias, perícias, demandas judiciais). Entregar apenas o necessário ao cumprimento da ordem.
- Justo motivo para proteger o paciente ou terceiros (ex., risco iminente à vida/saúde) — registre a fundamentação no prontuário.
- Auditorias assistenciais/operadoras e comissões internas (ética, prontuários, CCIH), dentro de competência e com termo de confidencialidade.
Em caso de falecimento, o acesso pode ser concedido a herdeiros/representantes que demonstrem legítimo interesse (inventariante, procurador), resguardando dados sensíveis de terceiros. Dúvida? Regra de ouro: peça documentos, registre a solicitação, minimize o dado e, se necessário, exija ordem judicial.
- Identifique quem pede (paciente, representante, autoridade, perito, auditor).
- Verifique a base legal (consentimento, dever legal/ordem, legítimo interesse/justo motivo).
- Entregue o mínimo necessário (princípio da minimização).
- Registre a decisão no prontuário e no protocolo de atendimento à requisição.
- Utilize canal seguro de envio (criptografia, portal autenticado, AR digital).
Direito de acesso do paciente: forma, prazo e custos
- Forma: disponibilize cópia legível em PDF autenticado ou impressa; preferir via segura (portal, aplicativo, e-mail criptografado).
- Prazo: defina prazo padrão institucional (ex.: 72h úteis), informando ao solicitante no protocolo de recebimento.
- Custos: cópia digital preferencialmente gratuita; cópia física pode ter custo de reprodução razoável (transparência antecipada).
- Autenticação: no físico, rubrica e carimbo de autenticidade; no eletrônico, assinatura digital e carimbo do tempo (ICP-Brasil) quando necessário.
Guarda e temporalidade: quanto tempo conservar
Instituições devem adotar tabela de temporalidade com base em normas profissionais e arquivísticas. Em boa prática no Brasil, o prontuário deve ser guardado por no mínimo 20 anos contados a partir do último registro em atendimento. Alguns documentos têm guarda permanente (ex.: livros de registro, assentamentos essenciais, termos com valor histórico/epidemiológico). A contagem reinicia a cada novo atendimento relevante.
Prontuário em papel
- Ambiente controlado (temperatura/umidade), organização por identificadores e rastreamento de retirada/devolução.
- Digitalização deve seguir padrões técnicos (resolução, cor, OCR) e indexação por paciente/episódio; inclua política de descarte documentada quando permitida.
Prontuário eletrônico do paciente (PEP)
- Autenticidade por credenciais fortes, assinar digitalmente atos clínicos relevantes e manter logs imutáveis (quem acessou, o quê, quando).
- Disponibilidade com redundância, backup frequente testado, contingência (downtime form) e RTO/RPO definidos.
- Integridade com trilha de versões e bloqueio de edição retroativa; retificações por aditamento (sem apagar histórico).
- Segurança: criptografia em repouso e em trânsito, segregação de perfis (mínimo privilégio) e revisão periódica de acessos.
- Interoperabilidade com padrões de mercado (HL7/FHIR, LOINC, SNOMED) para troca segura de dados e envio à rede nacional quando aplicável.
Conteúdo mínimo e qualidade de registro
- Identificação do paciente e do profissional; data e hora automatizadas; local de atendimento.
- Anamnese, exame físico, hipóteses diagnósticas, plano terapêutico e riscos/benefícios.
- Prescrições, evolução clínica e intercorrências; critérios de alta e orientações (inclusive sinais de alarme).
- TCLE específico por procedimento; anexos (laudos, imagens, relatórios).
- Evite julgamentos de valor; use linguagem técnica, clara e objetiva.
Quem pode acessar o prontuário (mapa de acesso)
Solicitante | Base/condição | Alcance | Evidências exigidas |
---|---|---|---|
Paciente | Titular do dado | Cópia integral ou por período | Documento com foto; protocolo de solicitação |
Representante legal | Procuração; tutela/curatela; poder familiar | Nos limites do mandato | Procuração / decisão judicial + identificação |
Heredeiros/inventariante | Falecimento do titular e legítimo interesse | Cópia necessária ao fim solicitado | Certidão de óbito; documentos do inventário |
Perito/autoridade judicial | Ordem judicial | Na extensão da ordem | Ofício/mandado; protocolo de entrega |
Auditor/operadora | Contrato + consentimento/legítimo interesse | Dados necessários à auditoria | Termo de confidencialidade + registro de acesso |
Fluxo institucional para pedidos de cópia
- Recebimento via canal oficial (balcão, e-mail, portal) e emissão de protocolo.
- Validação da identidade e da base legal (autorização, representação, ordem).
- Extração do conteúdo mínimo necessário, com revisão por profissional designado (comissão de prontuários/assessoria jurídica quando sensível).
- Entrega segura (PDF autenticado; mídia criptografada; link com expiração).
- Registro do atendimento (quem solicitou, o quê, quando, por qual base) e guarda do dossiê.
Segurança da informação e LGPD aplicadas ao PEP
- Políticas escritas de acesso, perfis e segregação de funções (ex.: médico não valida própria auditoria, TI não acessa conteúdo assistencial).
- Autenticação forte (MFA), timeout de sessão e revisão periódica de usuários.
- Criptografia em repouso e trânsito, mascaramento de dados sensíveis e pseudonimização em pesquisa.
- Logs imutáveis com guarda em prazo compatível (≥ 20 anos ou conforme a tabela institucional), SIEM e alertas.
- Plano de resposta a incidentes: contenção, comunicação ao titular/autoridade quando aplicável, investigação e remediação.
Mini-gráfico — riscos jurídicos mais frequentes
Quadro prático — decisões rápidas em balcão
Situação | Pode entregar? | Como proceder |
---|---|---|
Paciente solicita cópia integral | Sim | Validar identidade; fornecer em PDF autenticado; registrar protocolo |
Advogado sem procuração | Não | Exigir autorização do paciente ou ordem judicial |
Plano de saúde pede prontuário completo | Depende | Limitar ao necessário para auditoria; termo de confidencialidade; preferir relatórios |
Solicitação por e-mail comum | Evite | Direcionar ao portal/canal seguro; se inevitável, usar criptografia/senha separada |
Digitalização, eliminação do papel e validade probatória
Para converter acervos em digital e eventualmente eliminar o papel, a instituição precisa de procedimento formal que assegure: qualidade de imagem, integridade (hash), indexação fiel, assinaturas digitais quando cabíveis, cadeia de custódia (log de quem digitalizou, quando e como), armazenamento redundante e auditoria periódica. Documentos classificados como permanentes não devem ser descartados. A política deve ser aprovada pela alta gestão e pela área jurídica/arquivística.
Interoperabilidade e compartilhamento responsável
- Antes de compartilhar com outro serviço/equipe, verifique finalidade assistencial, consentimento (quando exigido) e segurança do canal.
- Prefira padrões de troca FHIR/HL7, com token de acesso e escopos mínimos.
- Mantenha registro de compartilhamentos (quem, o quê, base legal, finalidade e tempo de retenção).
Treinamento e cultura — o prontuário como ferramenta de segurança do paciente
Registrar bem é cuidar bem. Equipes treinadas e feedback contínuo (auditoria de prontuário, peer review, simulações de downtime) reduzem eventos adversos, fortalecem defesas e melhoram desfechos. Inclua o tema em integração de novos colaboradores e reciclagens periódicas, com avaliação objetiva.
Roteiro de implementação (12 ações)
- Instituir Política de Prontuário e Acesso (papéis, prazos, fluxos, bases legais).
- Definir tabela de temporalidade com ≥ 20 anos e itens permanentes.
- Padronizar modelo de registro (campos obrigatórios) e checklists por área.
- Implantar assinatura digital para atos críticos e carimbo do tempo quando necessário.
- Estabelecer portal do paciente para cópias com autenticação forte.
- Executar censo de acessos (limpeza de usuários, MFA, revisão de perfis) trimestral.
- Formalizar procedimento de digitalização e, se aplicável, de descarte.
- Testar backup/recuperação (RTO/RPO) e fluxo de downtime assistencial.
- Consolidar contratos com operadores (TI, digitalização, nuvem
Guia rápido — Prontuário médico: guarda e sigilo
Este pré-FAQ resume o essencial para cumprir a lei, proteger o paciente e reduzir riscos. O prontuário é a memória clínica oficial do cuidado: tudo que sustenta decisões, comunicação e auditoria. Sem registro, a conduta fica indefensável; com registro ruim, a defesa fica frágil. A seguir, um mapa de bolso com o que precisa existir em qualquer serviço de saúde.
1) O que registrar e como
- Conteúdo mínimo: identificação completa, data/hora automáticas, anamnese, exame físico, hipóteses, plano terapêutico, prescrições, evolução, exames/laudos, intercorrências, TCLE e alta com sinais de alarme.
- Padrão de escrita: técnico, objetivo, legível, sem juízo de valor. Retificação apenas por aditamento (nunca apague).
- Assinatura: identificação do profissional; no eletrônico, use credencial individual e, quando cabível, assinatura digital.
2) Quem responde pelo prontuário
- Instituição (controladora): define política de guarda, acesso e segurança; mantém logs e auditorias.
- Equipe: registra e preserva sigilo; acessa somente o necessário para o cuidado.
- Operadores (TI, digitalização, nuvem): atuam por contrato, com cláusulas de confidencialidade e segurança.
3) Sigilo: regra e exceções
- Regra: confidencialidade absoluta; compartilhamento sempre com finalidade definida e mínimo necessário.
- Exceções típicas: autorização expressa do paciente/representante; ordem judicial ou dever legal (ex.: notificações); justo motivo para evitar risco grave ao paciente/terceiros. Sempre registre a fundamentação.
- Falecimento: acesso a herdeiros/representante que demonstre legítimo interesse (comprovação documental).
4) Direito de acesso do paciente
- Disponibilize cópia rápida (preferir PDF autenticado via portal seguro). No físico, pode haver custo de reprodução razoável.
- Valide identidade, protocole a solicitação e registre a entrega (quem, o quê, quando, por qual base legal).
5) Guarda e temporalidade
- Adote tabela de temporalidade: boa prática exige guarda mínima de 20 anos a partir do último registro; itens de valor histórico/epidemiológico são permanentes.
- Papel: ambiente controlado, rastreio de retirada, digitalização com qualidade/índice e cadeia de custódia.
- Eletrônico (PEP): disponibilidade (backup, contingência), integridade (logs imutáveis, trilha de versões) e segurança (MFA, criptografia, perfis mínimos).
6) LGPD aplicada
- Dados de saúde são sensíveis: defina papéis (controlador/operador), base legal, minimização e planos de resposta a incidentes.
- Compartilhamento externo: use canais seguros, registre finalidade e tempo de retenção; em pesquisa, pseudonimize dados.
7) Fluxo para pedidos de cópia (5 passos)
- Receber via canal oficial e emitir protocolo.
- Validar identidade/base (consentimento, representação, ordem).
- Extrair apenas o necessário e revisar por responsável.
- Entregar de modo seguro (PDF com senha/portal; prazo padrão definido).
- Registrar no livro/sistema de requisições e arquivar a documentação.
8) Erros que mais geram litígio
- Ausência de anotações críticas (riscos, alternativas, sinais de alarme, retorno).
- Prontuário ilegível ou com rasuras/alterações sem aditamento.
- Acesso indevido por falta de perfis/treinamento e envio por e-mail comum.
- PEP indisponível sem contingência (downtime form), causando atraso assistencial.
9) Kit de implementação em 7 passos
- Publicar Política de Prontuário, Acesso e Sigilo (papéis, prazos, fluxos).
- Implantar checklists de registro por área e auditoria mensal de qualidade.
- Habilitar MFA, revisão trimestral de acessos e logs imutáveis.
- Padronizar TCLE e comunicação pós-alta.
- Criar portal do paciente para cópias e histórico.
- Formalizar procedimento de digitalização e, se aplicável, descarte.
- Testar backup/recuperação e o plano de downtime assistencial.
Resumo executivo: registre com qualidade, guarde por ≥ 20 anos, entregue cópias com segurança e só quebre o sigilo com base clara. Documentação robusta + LGPD + governança = cuidado mais seguro e defesa jurídica consistente.FAQ — Prontuário médico: guarda e sigilo
1) O que exatamente entra no prontuário?
Todo o conteúdo que descreve a linha do tempo do cuidado: identificação do paciente e dos profissionais, anamnese, exame físico, hipóteses diagnósticas, planos e prescrições, evolução, exames e laudos, intercorrências, relatórios, TCLE, orientações de alta e sinais de alarme. Pode incluir mídias (imagens, vídeos, áudios) e anexos administrativos ligados ao ato assistencial.
2) Quem é dono do prontuário? Quem decide o acesso?
O paciente é o titular dos dados. A instituição de saúde é, em regra, a controladora do acervo: define políticas de guarda, segurança e perfis de acesso, assegura logs e atende solicitações com base legal. Profissionais e terceiros atuam como usuários/operadores dentro dessas regras.
3) Por quanto tempo devo guardar o prontuário?
Adote tabela de temporalidade com guarda mínima de 20 anos contados do último registro. Documentos de valor histórico/epidemiológico e livros essenciais podem ter guarda permanente. A cada novo atendimento relevante, o prazo reinicia.
4) Quem pode acessar e em quais condições?
Regra: apenas quem participa do cuidado direto. Terceiros acessam com base legal: autorização expressa do paciente/representante, ordem judicial, dever legal (ex.: notificação compulsória) ou justo motivo para evitar risco grave. Sempre entregue o mínimo necessário e registre a decisão.
5) Como entregar cópia ao paciente? Há prazo e custo?
Disponibilize cópia rápida e legível (preferencialmente em PDF autenticado via portal seguro). Valide identidade, protocole a solicitação, registre a entrega. Cópia digital tende a ser gratuita; impressa pode ter custo de reprodução razoável, informado previamente.
6) Paciente faleceu: quem pode solicitar o prontuário?
Herdeiros/representante (ex.: inventariante) com legítimo interesse e comprovação documental. A instituição deve proteger dados de terceiros e fornecer apenas o necessário ao fim declarado (seguro, inventário, ação judicial).
7) Quando o sigilo pode ser quebrado sem consentimento?
Em hipóteses excepcionais: ordem judicial, dever legal (notificações compulsórias, perícias oficiais) e justo motivo para prevenir dano relevante ao paciente/terceiros. Registre a fundamentação, entregue o mínimo necessário e use canais seguros.
8) Posso enviar prontuário por e-mail ou WhatsApp?
Evite meios inseguros. Prefira portal autenticado, e-mail criptografado ou compartilhamento com senha e expiração. Se o paciente insistir em canal comum, documente o consentimento, aplique proteção por senha separada e guarde o log da entrega.
9) Como corrigir um erro no registro?
Faça aditamento: nova entrada datada e assinada explicando a correção. Nunca apague ou altere retrospectivamente o texto original. No PEP, mantenha trilha de versões e logs imutáveis.
10) Digitalização e descarte do papel: quando é válido?
Somente com procedimento formal que garanta qualidade de imagem, integridade (hash), indexação fiel, assinaturas digitais quando cabíveis, cadeia de custódia e armazenamento redundante. Itens classificados como permanentes não devem ser descartados. Tudo deve constar na política institucional.
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