Promessa de Compra e Venda: validade, riscos e como blindar seu negócio
O que é a promessa de compra e venda e para que serve
A promessa de compra e venda (ou compromisso) é o contrato em que o promitente vendedor se obriga a vender determinado imóvel, e o promissário comprador se compromete a comprar, em condições previamente ajustadas (preço, prazos, obrigações e documentos). Ela não transfere a propriedade por si só — a transmissão ocorre com escritura pública e registro na matrícula do imóvel —, mas garante o negócio até que os requisitos finais sejam cumpridos.
Validade: requisitos que não podem faltar
Capacidade, objeto e forma
- Partes capazes e com poderes para negociar (proprietário ou representante com procuração válida).
- Objeto lícito e determinado: identificação do imóvel pela matrícula, descrição, vagas, fração ideal, área privativa e comum.
- Forma escrita: instrumento particular é usual; quando o valor total ultrapassar o limite do art. 108 do CC para a escritura de compra e venda, a escritura será exigida na fase de transferência, não na promessa.
Preço e condições de pagamento
Defina preço, entrada, parcelas, correção, juros, datas de vencimento, e como se dará eventual financiamento (condição suspensiva de aprovação de crédito é prática segura).
Direito real mediante registro
Se o compromisso não for arrependível e for registrado na matrícula, ele confere direito real ao comprador (art. 1.417 do CC). Sem registro, o direito é obrigacional, mas ainda assim é possível buscar adjudicação compulsória quando satisfeitas as condições do contrato e o vendedor se recusa a outorgar a escritura (STJ, Súmula 239).
Cláusulas sensíveis (que evitam litígio)
- Arras: podem ser confirmatórias (garantem a execução; permitem perdas e danos e multa) ou penitenciais (admite arrependimento mediante perda/devolução em dobro — use com cautela).
- Multa e juros por mora: proporção, teto, e bilateralidade (aplica-se a ambas as partes).
- Condição suspensiva: compra válida somente com aprovação de crédito/financiamento.
- Prazo para escritura e entrega de chaves (em incorporação, cláusula de tolerância deve observar Lei 4.591/64 e CDC).
- Distribuição de despesas: IPTU, condomínio, ITBI, emolumentos, taxa de averbação e registro.
- Corretagem: valor e quem paga devem ser claramente destacados.
- Rescisão (distrato): regras de devolução e retenção conforme a Lei 13.786/2018 (Lei do Distrato) e CDC.
Principais riscos — e como reduzir
Mitigação: due diligence com matrícula ATUALIZADA, certidões forenses e fiscais; cláusula de evicção e de entrega “livre e desembaraçado”.
Mitigação: prazos realistas, multa bilateral, notificação e cláusula resolutiva expressa.
Mitigação: condição suspensiva; se negado, desfaz-se o negócio com devolução nos termos ajustados.
Mitigação: observar Lei do Distrato (percentuais e prazos variam por regime, p.ex. patrimônio de afetação), transparência e respeito ao CDC.
Checklist documental (antes de assinar)
- Matrícula atualizada (em 30 dias) + certidão de ônus/ações reais.
- Certidões pessoais do vendedor (federal, estadual, trabalhista, protestos, falência/recuperação).
- Condomínio: declaração de quitação e débitos inexistentes.
- IPTU e ITR (se rural) em dia; planta/averbações corretas.
- Habitese/AVCB (quando aplicável) e regularidade da incorporação (Lei 4.591/64).
- Procuração (se representante) com poderes específicos e validade.
Mini-painel visual de risco
Conclusão
O contrato de promessa de compra e venda é o esqueleto do negócio imobiliário. Ele é válido quando descreve corretamente o imóvel, reparte deveres e riscos, e observa a boa-fé objetiva. Para reduzir litígios, privilegie registro, condições suspensivas, multas proporcionais, e regras claras de distrato. A atuação de um profissional e a conferência rigorosa de documentos são as melhores “apólices” para fechar o negócio com segurança.
Guia rápido (pré-FAQ) — passo a passo seguro
- Levante a matrícula e analise a cadeia dominial, ônus, penhoras e averbações. Se houver hipoteca/alienação fiduciária, ajuste como se dará a baixa.
- Cheque o vendedor: pessoa física (certidões cíveis, fiscais, trabalhistas e protestos) ou jurídica (contrato social, poderes do signatário, certidões, regularidade fiscal).
- Confirme a situação condominial e fiscal (IPTU/ITR, taxas e rateios). Exija declaração de quitação.
- Defina preço, sinal (arras) e calendário de pagamentos. Use condição suspensiva para aprovação de financiamento.
- Distribua despesas: deixe expresso quem arca com ITBI, escritura, registro, certidões e taxas bancárias.
- Preveja penalidades e mora bilateral (multas e juros para ambas as partes) e prazo para outorga da escritura.
- Inclua regra de distrato conforme Lei 13.786/2018: percentuais de retenção e prazos de devolução, com transparência e destaque.
- Assine e, se possível, registre o compromisso na matrícula. O registro confere direito real (CC 1.417) e oponibilidade a terceiros.
- Programe a escritura ao cumprir as condições (quitação/sinistro do financiamento). Sem escritura e sem registro, não há transferência de propriedade.
- Guarde toda a prova (comprovantes, notificações, e-mails). Em caso de recusa do vendedor em escriturar, cogite adjudicação compulsória.
FAQ (acordeão)
Preciso registrar a promessa na matrícula?
O registro transforma a promessa irrevogável em direito real (CC 1.417), protegendo contra terceiros. Sem registro, persiste o direito obrigacional; ainda assim, é possível pleitear adjudicação compulsória conforme a Súmula 239/STJ.
O que são arras confirmatórias e penitenciais?
As confirmatórias reforçam o negócio; na quebra, permitem perdas e danos e retenção/devolução simples somadas a multa. As penitenciais admitem arrependimento (quem desiste perde as arras; quem recebeu devolve em dobro).
Financiamento negado: perco o sinal?
Se houver condição suspensiva de aprovação de crédito, o negócio não se aperfeiçoa e as partes retornam ao status quo conforme pactuado (normalmente com devolução do sinal). Sem essa cláusula, há risco de disputa.
Qual multa é razoável por atraso?
Multas proporcionais e bilaterais são as mais aceitas. Evite percentuais exorbitantes; o juiz pode reduzir penalidades excessivas (CC 413), especialmente em relações de consumo.
Comprei “na planta”. Posso rescindir e receber de volta?
Sim, porém a devolução observa a Lei 13.786/2018 (Lei do Distrato) e o CDC. Os percentuais de retenção e prazos variam (p.ex., patrimônio de afetação admite retenção maior). Abusos podem ser revistos judicialmente (STJ, Súmula 543 em hipóteses de resolução por culpa do vendedor).
Quem paga ITBI, escritura e registro?
É comum o comprador arcar com ITBI, escritura e registro; o vendedor responde por quitação de débitos, averbações necessárias e comissões que tiver contratado. O contrato deve explicitar a divisão.
Posso entrar no imóvel antes da escritura?
Só com posse provisória expressa e bem regulada (quem paga condomínio/IPTU, responsabilidade por danos, seguro). Entrar sem regramento aumenta os riscos.
O vendedor se recusa a assinar a escritura. O que faço?
Notifique, comprove a quitação e ajuíze adjudicação compulsória, se necessário, para obter a escritura por decisão judicial.
Fundamentação legal e encerramento
Código Civil: arts. 108 (forma para imóveis), 413 (redução de multa excessiva), 421 e 421-A (função social e liberdade contratual), 422 (boa-fé objetiva), 1.417 e 1.418 (direito real do promitente comprador e adjudicação).
Lei 4.591/1964 (incorporações), Lei 6.766/1979 (loteamentos), Lei 13.786/2018 (Lei do Distrato), CDC (arts. 6º, 30, 35, 51).
STJ: Súmula 239 (adjudicação compulsória independe do registro do compromisso) e Súmula 543 (parâmetros de devolução em resolução no âmbito consumerista).
Feche o contrato com clareza, documentação completa e, quando possível, registro do compromisso. Isso reduz custos futuros e viabiliza a escritura no prazo, com segurança para ambas as partes.
Pré-FAQ — Guia rápido para assinar a promessa de compra e venda com segurança
- Tire uma matrícula ATUALIZADA do imóvel e leia com atenção toda a cadeia dominial. Verifique titularidade, confrontações, área, benfeitorias e averbações. Procure ônus reais (hipoteca, alienação fiduciária, usufruto, penhoras) e registre qualquer inconsistência para ser sanada antes da assinatura.
- Confirme quem é o verdadeiro vendedor. Se for pessoa física, exija documentos pessoais e procuração com poderes específicos (se houver representante). Se for pessoa jurídica, valide contrato social, alterações, QSA e poderes do signatário. Sem legitimação, o contrato nasce frágil.
- Faça due diligence de certidões. Colete certidões cíveis, fiscais, trabalhistas e de protestos das partes; para PJ, inclua falência/recuperação. No imóvel, obtenha certidão de ônus reais e de ações reipersecutórias. O objetivo é medir risco de evicção e constrição futura.
- Cheque condomínio e tributos. Solicite declaração de quitação condominial, atas relevantes e indicação de reformas. Verifique IPTU/ITR, taxas municipais e eventuais dívidas. Defina no contrato de quem será a responsabilidade por débitos anteriores e a partir de quando correm as despesas ordinárias.
- Defina preço e calendário de pagamentos com clareza. Detalhe entrada, número de parcelas, vencimentos, índice de correção, juros e forma de quitação. Se houver financiamento, amarre a operação à condição suspensiva de aprovação do crédito e liberação dos recursos.
- Escolha o tipo de arras. As arras confirmatórias reforçam o negócio e convivem com multa e perdas e danos. As arras penitenciais permitem arrependimento (perda/devolução em dobro) e devem ser usadas com moderação para não esvaziar a segurança do compromisso.
- Preveja multas e juros bilaterais por mora de qualquer parte, com percentuais razoáveis. A simetria reduz litígios e evita revisão judicial (CC 413). Indique prazo de graça, forma de notificação e possibilidade de purgação da mora.
- Inclua cláusula resolutiva expressa e regras de distrato. Em relações de consumo e incorporações, respeite a Lei 13.786/2018 (Lei do Distrato): percentuais de retenção, prazos de devolução e destaque das condições. Transparência aqui evita demandas futuras.
- Distribua as despesas de forma objetiva. Normalmente o comprador paga ITBI, escritura e registro; o vendedor responde por regularizações necessárias e débitos pretéritos. Escreva isso de forma explícita para não haver surpresas na fase cartorária.
- Estabeleça prazo para escritura e entrega de chaves. Se houver imóvel na planta, observe a Lei 4.591/64 e o CDC; a cláusula de tolerância deve ter limites e consequências. Para imóvel pronto, condicione a posse à quitação e a regras claras de conservação e seguros.
- Considere registrar o compromisso na matrícula quando irrevogável. O registro confere direito real ao promissário comprador (CC 1.417) e protege contra venda a terceiros. Sem registro, o direito é obrigacional; ainda assim, cabe adjudicação compulsória quando cumpridas as condições.
- Documente tudo. Guarde propostas, e-mails, recibos, conversas e notificações. Em eventual conflito, essa prova encurta o caminho para uma solução, administrativa ou judicial, e respalda pedidos de perdas e danos ou de cumprimento forçado.
- Planeje a etapa cartorária. Agende escritura pública (quando exigida), confira minutas, estime emolumentos e prepare os comprovantes para o registro imobiliário. Lembre-se: a propriedade só se transfere com o registro da escritura na matrícula.
Resumo executivo: valide titularidade e ônus, organize certidões, detalhe preço e financiamento com condição suspensiva, defina arras e multas bilaterais, trate distrato conforme a lei, distribua despesas, fixe prazos e, se possível, registre o compromisso. Esses passos reduzem o risco jurídico e aceleram a escritura.
FAQ — Contrato de Promessa de Compra e Venda
1) O que é a promessa de compra e venda e para que serve?
2) O contrato é válido sem escritura pública?
3) Por que registrar a promessa na matrícula do imóvel?
4) Quais os principais riscos e como reduzi-los?
5) O que são arras e qual escolher?
6) Como tratar financiamento no compromisso?
7) Como funcionam multas, juros e distrato?
8) E se o imóvel tiver hipoteca ou alienação fiduciária?
9) Quem paga ITBI, escritura e registro?
10) E se o vendedor não outorgar a escritura?
Base normativa e encerramento
1) Fundamentos do direito civil e registral
- Código Civil (Lei 10.406/2002) — art. 104 (requisitos de validade), art. 108 (necessidade de escritura pública quando a lei exigir), art. 1.245 (a propriedade só se transfere com o registro no CRI), arts. 1.417 e 1.418 (registro do compromisso confere direito real aquisitivo e admite adjudicação compulsória).
- Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1973) — disciplina matrícula, atos registráveis e prioridade; permite o registro do compromisso de compra e venda na matrícula do imóvel.
- Lei 9.514/1997 — alienação fiduciária de imóveis: exige atenção a anuência do credor, quitação e baixa do ônus antes da escritura/entrega definitiva.
2) Relações de consumo, incorporação e distrato
- CDC (Lei 8.078/1990) — aplica-se a vendas por incorporadoras/construtoras, impondo informação, equilíbrio contratual e controle de cláusulas abusivas.
- Lei 4.591/1964 (Condomínios e Incorporações) — regras para memorial de incorporação, entrega e publicidade do empreendimento.
- Lei 13.786/2018 (Lei do Distrato) — parâmetros de retenção, prazos de devolução e exigência de quadro-resumo com informações essenciais.
3) Jurisprudência sumulada relevante (STJ)
- Súmula 239/STJ — o direito à adjudicação compulsória não depende do registro prévio do compromisso (o registro continua recomendável para oponibilidade a terceiros).
- Súmula 308/STJ — hipoteca entre construtora e banco não é oponível ao adquirente do imóvel do empreendimento.
- Súmula 543/STJ — na resolução do compromisso submetido ao CDC, devolução imediata das parcelas: integral se a culpa é do vendedor; parcial se a culpa é do comprador (vedada retenção abusiva).
4) Boas práticas contratuais (cláusulas recomendadas)
- Due diligence: matrícula atualizada, certidões pessoais e fiscais das partes, ônus (penhora/hipoteca/fidúcia), débitos de IPTU e condomínio.
- Condições suspensivas: aprovação de financiamento, quitação e baixa de ônus como requisito para escritura/entrega.
- Arras: preferencialmente confirmatórias (reforço do vínculo). Se penitenciais, destacar o direito de arrependimento e a perda/devolução em dobro.
- Multa e juros bilaterais: percentuais moderados e simétricos para reduzir risco de revisão judicial.
- Alocação de despesas: ITBI/escritura/registro normalmente do comprador; regularizações e débitos pretéritos do vendedor, com previsão expressa.
- Registro do compromisso no CRI para oponibilidade e prioridade.
5) Encerramento (síntese executiva)
Para reduzir riscos na promessa de compra e venda, formalize todas as condições, condicione a escritura à quitação/baixa de ônus e, sempre que possível, registre o compromisso na matrícula. Em cenários de consumo, observe estritamente o CDC e a Lei do Distrato, garantindo transparência (quadro-resumo) e retenções não abusivas. Em caso de recusa imotivada do vendedor, avalie a adjudicação compulsória, amparada pelo Código Civil e pela Súmula 239/STJ.
Aviso: este material é informativo e não substitui análise jurídica específica do caso concreto.