Tortura é Inadmissível: Tratados, Deveres do Estado e Direitos das Vítimas
Proibição absoluta: o núcleo comum do Direito Internacional
A vedação à tortura e a tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes é uma norma de caráter absoluto no Direito Internacional contemporâneo. Ela integra o estatuto de jus cogens, o que significa que não admite derrogações por acordos, leis de emergência, estado de sítio, guerra, terrorismo ou qualquer outra alegação de necessidade. A proibição se aplica em todas as esferas estatais — policial, prisional, militar, migratória e de saúde mental — e alcança pessoas sob custódia, no contexto de conflitos armados e em situações de privação de liberdade de fato, inclusive em centros informais.
Esse núcleo protetivo deriva de múltiplos instrumentos: a Declaração Universal de 1948, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (artigo 7), a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura (definição, criminalização, prevenção, não devolução a risco, exclusão de provas e reparação), o Estatuto de Roma (tortura como crime contra a humanidade e crime de guerra), bem como convenções regionais europeias, interamericanas e africanas. Em paralelo, regras técnicas atualizam a prática estatal, como o Protocolo de Istambul (investigação e documentação), as Regras de Mandela (tratamento de pessoas presas), as Regras de Bangkok (mulheres), as Regras de Havana (adolescentes) e os Princípios de Méndez para entrevistas não coercitivas.
Tortura envolve dor ou sofrimento intenso, físico ou mental, causados por agente público (ou com seu consentimento/aquiescência) com finalidade determinada, como obter confissão, castigar, intimidar, discriminar ou coagir. Já os tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes carecem de algum desses elementos (geralmente a intensidade ou o propósito), mas também são proibidos de forma absoluta.
Marcos universais: obrigações que vinculam todos os Estados
Convenção da ONU contra a Tortura e normas correlatas
A Convenção da ONU contra a Tortura (CAT) consolida um regime de obrigações positivas. Ela exige que os Estados:
- Criminalizem a tortura em suas legislações, com penas proporcionais à gravidade do delito e responsabilidade penal de autores, cúmplices e superiores hierárquicos quando cabível.
- Implementem medidas de prevenção como salvaguardas de custódia (acesso imediato a advogado e família, assistência médica independente, registro de detenção, informação de direitos, apresentação rápida a autoridade judicial e ambiente de interrogatório com controle externo).
- Adotem treinamento contínuo para policiais, agentes penitenciários, militares, profissionais de saúde e peritos, com ênfase em técnicas de entrevista não coercitiva e proibição de castigos corporais ou humilhação.
- Assegurem jurisdição sobre crimes de tortura cometidos no território, por nacionais no exterior ou contra nacionais, aplicando o princípio aut dedere aut judicare (julgar ou extraditar).
- Respeitem a regra de não devolução de pessoas a países onde haja risco fundado de tortura (não refoulement), inclusive em processos migratórios e de expulsão sumária.
- Excluam de forma absoluta provas obtidas mediante tortura em qualquer procedimento, ressalvada sua utilização contra o torturador.
- Garantam investigação pronta, imparcial e eficaz diante de indícios razoáveis, com proteção a vítimas e testemunhas, acesso a peritos independentes e preservação da cadeia de custódia.
- Proporcionem reparação integral, abrangendo restituição, indenização, reabilitação, satisfação e garantias de não repetição.
OPCAT e prevenção por visitas independentes
O Protocolo Facultativo à Convenção (OPCAT) cria uma arquitetura preventiva baseada em visitas regulares e não anunciadas. Em nível internacional atua o Subcomitê de Prevenção da Tortura, enquanto no plano interno cada país designa um Mecanismo Nacional de Prevenção (NPM) com autonomia funcional e acesso irrestrito a todos os locais de privação de liberdade, registros e pessoas. O poder de dialogar com autoridades, emitir recomendações públicas e exigir respostas fundamentadas transforma a lógica de fiscalização reativa em prevenção sistêmica.
Protocolo de Istambul – padrão ouro para documentação médico-legal de alegações de tortura, incluindo entrevistas clínicas, avaliação psicológica, descrição fotográfica de lesões e correlação entre achados e narrativas. Regras de Mandela – diretrizes para gestão prisional: proibição de isolamento prolongado, assistência de saúde equivalente à comunidade, registro disciplinar transparente e separação por perfil e necessidades. Princípios de Méndez – roteiro para entrevistas investigativas não coercitivas, privilegiando rapport, planejamento e coleta confiável de informação sem violência.
Sistemas regionais: jurisprudência que concretiza a proibição
Europa: artigo 3 da Convenção Europeia e o Comitê para a Prevenção da Tortura
O artigo 3 da Convenção Europeia de Direitos Humanos veda tortura e tratamentos degradantes. A Corte Europeia consolidou parâmetros sobre imediatidade da investigação, proibição de devolução a risco e agravamento de deveres em custódia. Decisões paradigmáticas evoluíram o padrão probatório e a noção de sofrimento intenso, reconhecendo que maus-tratos psicológicos e detenção em condições desumanas também violam a norma. Paralelamente, o CPT realiza visitas e publica relatórios técnicos que impulsionam reformas legislativas e de gestão carcerária.
Américas: artigo 5 da Convenção Americana e a Convenção Interamericana
No continente, o artigo 5 da Convenção Americana garante a integridade pessoal e a dignidade. A Corte Interamericana exige que Estados adotem salvaguardas de custódia, preservem registros de detenção e investiguem com diligência reforçada. A Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura amplia a definição de tortura, enfatiza a responsabilidade por omissão e veda justificativas baseadas em ordem superior, segurança nacional ou disciplina.
África: artigo 5 da Carta Africana e diretrizes de Robben Island
A Carta Africana consagra a proibição de tortura e de penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. As Diretrizes de Robben Island oferecem roteiro de reformas: tipificação penal, salvaguardas de detenção, registro padronizado, controles externos e formação contínua de agentes. A Comissão Africana e o Tribunal Africano têm fortalecido remédios e medidas cautelares nos casos de risco iminente.
Elementos típicos e zonas cinzentas
Para caracterização de tortura em ambiente de segurança pública ou prisão, destacam-se quatro pilares: a qualidade do autor (funcionário público, agente no exercício de funções ou particular com anuência estatal); o propósito (confessar, punir, intimidar, discriminar); a intensidade do sofrimento; e o contexto de controle, que dificulta resistência ou denúncia. Em conflitos armados, a proibição decorre do Direito Internacional Humanitário: o artigo comum das Convenções de Genebra, os Protocolos Adicionais e o Estatuto de Roma qualificam tortura como crime de guerra. Em centros psiquiátricos e instituições de longa permanência, práticas como confinamento prolongado, contenção química sem base clínica e esterilização forçada podem configurar tratamento desumano ou tortura, exigindo salvaguardas de consentimento livre e supervisão judicial.
Ausência de registro de entrada e saída, interrogatórios sem advogado, detenção incomunicável, acesso negado a familiares, “salas cinzentas” fora de delegacias, transferências noturnas sem documentação, lesões compatíveis com objetos de coerção, ameaças sexuais ou contra familiares, relatos de asfixia seca, posições estressantes, exposição a temperaturas extremas e privação prolongada de sono são marcadores operacionais que exigem atuação imediata de defensores, Ministério Público e mecanismos de prevenção.
Dever de prevenir: políticas e salvaguardas que funcionam
A prevenção eficaz combina arquitetura institucional e rotinas micro de custódia. No topo, transparência orçamentária, controle externo das polícias, independência médico-legal e visitas não anunciadas reduzem incentivos ao abuso. Na base, procedimentos padronizados geram rastro verificável de legalidade: cadastro biométrico da pessoa detida, registro cronológico de contatos, ficha clínica inicial por profissional independente, informação de direitos em linguagem simples e local de entrevista com gravação audiovisual contínua.
Medida preventiva | Nível de implementação típico | Observações práticas |
---|---|---|
Registro de custódia unificado | Integra delegacias, prisões e hospitais. Permite auditoria e localização imediata. | |
Entrevista não coercitiva | Em expansão com base nos Princípios de Méndez; requer formação continuada. | |
Visitas independentes (NPM) | Resultados robustos quando relatórios são públicos e as respostas são vinculadas a prazos. | |
Exclusão de provas ilícitas | Jurisprudência consolidada; impacto depende de cadeia de custódia e perícias céleres. |
Investigação, responsabilização e reparação
Frente a uma denúncia plausível, o Estado tem o dever de conduzir investigação independente, célere e minuciosa, com participação das vítimas. O Protocolo de Istambul orienta entrevistas clínicas confidenciais, registro fotográfico adequado e correlação pericial entre achados e alegações. A análise deve incluir contexto institucional: padrões de denúncias por unidade, rotinas de interrogatório, práticas de disciplina e eventuais ordens informais. A responsabilização alcança autores diretos e superiores que sabiam ou deveriam saber e nada fizeram, por meio de responsabilidade de comando e dever de prevenir.
No plano processual, medidas de proteção evitam revitimização: coleta única de depoimento, proibição de contato com agentes acusados, acesso a apoio psicológico e acompanhamento jurídico. A reparação integral inclui indenização pecuniária, reabilitação física e mental, pedido público de desculpas, preservação da memória e reformas institucionais como desmilitarização de práticas de interrogatório, câmeras corporais com governança de dados e revisão de regulamentos disciplinares.
Provas e confissões obtidas por tortura ou maus-tratos são inadmissíveis. A regra protege a integridade do processo, desencoraja o abuso e fortalece investigações baseadas em ciência forense e entrevistas éticas. Caso a confissão ilícita tenha desencadeado outras provas, deve-se avaliar a contaminação derivada e a necessidade de desentranhamento para preservar a equidade do julgamento.
Desafios contemporâneos
Contraterrorismo e detenção secreta
Operações contra o terrorismo e o crime organizado amplificam zonas de risco, sobretudo quando há centros de detenção informais ou cooperação internacional sem salvaguardas de direitos. A proibição de tortura impõe controle judicial efetivo sobre prisões, transparência de protocolos de interrogatório e proibição rigorosa de rendition a países com histórico de abusos.
Gestão penitenciária e saúde
Superlotação, isolamento prolongado, falta de ventilação, alimentação insuficiente e barreiras a cuidados de saúde equivalentes à comunidade convertem prisões em ambientes degradantes. Reformas estruturais exigem políticas de desencarceramento, alternativas penais e cultura organizacional orientada a segurança baseada em direitos, na qual a disciplina é proporcional, motivada e registrada.
Migração e fronteiras
Em fluxos migratórios, práticas de devolução sumária, detenções prolongadas e ausência de avaliação individualizada de risco conflitam com a regra de não devolução. Centros de recepção devem garantir triagem médica, informação de direitos em múltiplos idiomas, acesso a abrigo digno e mecanismos de queixa funcionais.
Novas tecnologias e integridade pessoal
Ferramentas digitais, reconhecimento facial e dispositivos de controle podem facilitar investigações, mas também abrir portas a abusos silenciosos, como vigilância invasiva e pressão psicológica. A governança tecnológica precisa de avaliação de impacto em direitos, logs auditáveis e proibição de usos que comprometam a dignidade ou induzam sofrimento.
Boas práticas operacionais
- Salvaguardas desde a primeira hora: notificação a familiar, acesso a defensor e a médico independente, leitura de direitos e apresentação rápida ao juiz.
- Entrevistas investigativas éticas: preparação, escuta ativa e perguntas abertas; rejeição a promessas indevidas, ameaças, fadiga induzida ou manipulação.
- Auditoria de ambientes: câmeras com retenção e acesso controlado por órgão externo; arquitetura de celas que reduza pontos cegos e favoreça iluminação natural.
- Dados abertos: relatórios periódicos sobre denúncias, inspeções, medidas disciplinares e reformas implementadas; participação da sociedade civil.
- Proteções reforçadas para grupos vulneráveis: mulheres, adolescentes, pessoas LGBTI+, migrantes e pessoas com deficiência exigem ajustes razoáveis e avaliações de risco específicas.
Existe tipificação autônoma de tortura e CIDT? O registro de custódia é unificado e auditável? Há protocolo de primeira hora que garanta advogado, família e médico? O NPM tem acesso pleno e responde com recomendações públicas? As provas ilícitas são automaticamente excluídas? O treinamento operacional aplica Princípios de Méndez e Regras de Mandela? O sistema de queixas é confidencial, com proteção efetiva contra retaliação?
Como litigar e monitorar casos
Em litígios estratégicos, a estrutura probatória deve combinar testemunhos coerentes, documentação médico-legal segundo o Protocolo de Istambul, análise de registros de custódia, metadados de vídeo, perícia de ambiente e contextualização institucional. Medidas cautelares buscam transferências de unidade, atendimento médico imediato e proibição de contato com suspeitos. Em âmbito internacional, petições aos sistemas regional e universal funcionam como última trincheira quando remédios internos são ineficazes ou demorados, além de gerar recomendações estruturais que beneficiam grupos amplos.
Conclusão
A proibição de tortura e de tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes é uma cláusula pétrea mundial. Sua efetividade depende menos de textos e mais de rotinas verificáveis, instituições independentes e uma cultura de segurança compatível com direitos. A convergência entre normas universais, jurisprudência regional e protocolos técnicos oferece o mapa. Cabe aos Estados — e à sociedade — garantir que nenhuma pessoa, em nenhuma circunstância, seja submetida a sofrimento intencional como instrumento de poder.
O que é considerado tortura segundo o Direito Internacional?
A tortura é qualquer ato que cause dor ou sofrimento intenso, físico ou mental, praticado por agente público ou com seu consentimento, com fins de obter informação, confissão, castigar, intimidar ou discriminar. Essa definição é consagrada na Convenção da ONU contra a Tortura.
A proibição da tortura admite exceções em tempos de guerra ou emergência?
Não. Trata-se de uma norma de jus cogens, ou seja, inderrogável. Nenhuma circunstância — guerra, instabilidade ou estado de sítio — pode justificar a tortura ou tratamento degradante.
Quais são as principais convenções que proíbem a tortura?
Entre os principais instrumentos estão: a Convenção da ONU contra a Tortura (1984), o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (art. 7), a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura e o Estatuto de Roma do TPI.
Como os Estados devem prevenir a tortura?
Devem criar salvaguardas de custódia, garantir acesso imediato a advogado e médico, permitir visitas independentes, tipificar a tortura e treinar agentes de segurança em entrevistas não coercitivas.
Qual a diferença entre tortura e tratamento cruel, desumano ou degradante?
A tortura exige dor intensa e propósito específico (como confissão ou castigo). Já os tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes não precisam atingir esse nível de intensidade ou finalidade, mas também são proibidos.
O que é o Protocolo de Istambul e qual sua função?
É o manual internacional de investigação e documentação da tortura, estabelecendo padrões para exames médicos, psicológicos e periciais que comprovem maus-tratos e violência institucional.
Quais órgãos internacionais fiscalizam o cumprimento dessas normas?
O Comitê da ONU contra a Tortura, o Subcomitê de Prevenção da Tortura (OPCAT) e mecanismos regionais, como a Corte Interamericana e o Comitê Europeu para Prevenção da Tortura, monitoram e investigam violações.
A tortura pode ser julgada como crime internacional?
Sim. O Estatuto de Roma reconhece a tortura como crime contra a humanidade e crime de guerra, o que permite sua investigação e julgamento pelo Tribunal Penal Internacional.
Que medidas de reparação a vítima de tortura tem direito?
A vítima tem direito a reparação integral, incluindo indenização, reabilitação médica e psicológica, garantia de não repetição e reconhecimento público da responsabilidade estatal.
Quais práticas atuais ainda configuram tortura ou tratamento degradante?
Maus-tratos em presídios, isolamento prolongado, asfixia, choques elétricos, privação de sono, violência sexual, coação psicológica e tortura digital são exemplos ainda recorrentes em vários países.
Base técnica: proibição absoluta de tortura e tratamentos desumanos
Natureza jurídica: a vedação à tortura e a tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes é norma de jus cogens, inderrogável em qualquer circunstância (paz, guerra, estado de exceção). Obriga todos os Estados e prevalece sobre atos normativos internos conflitantes.
Fontes internacionais nucleares
- Declaração Universal dos Direitos Humanos, art. 5: ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.
- Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP), art. 7: proibição absoluta; art. 10: pessoas privadas de liberdade devem ser tratadas com humanidade e respeito à dignidade.
- Convenção das Nações Unidas contra a Tortura (CAT, 1984):
Art. 1 define tortura (dor/sofrimento intenso, intencional, por agente público ou com seu consentimento, com finalidade como obter informação/confissão, castigo, intimidação ou discriminação).
Art. 2 impõe medidas legislativas, administrativas e judiciais para prevenir a tortura; nenhuma circunstância excepcional a justifica.
Art. 3 estabelece o princípio do non-refoulement (vedação de expulsão/extradição para país onde haja risco de tortura).
Arts. 4 a 9: obrigação de criminalizar a tortura, estabelecer jurisdição, cooperar, extraditar ou processar (aut dedere aut judicare).
Art. 10: treinamento de agentes; Art. 11: revisão de regras, instruções e práticas de interrogatório e custódia.
Arts. 12–13: investigação pronta e imparcial; direito de queixa e proteção ao denunciante.
Art. 14: direito à reparação integral e reabilitação da vítima.
Art. 15: regra de exclusão probatória – confissões obtidas por tortura são inadmissíveis, salvo para provar o próprio ato de tortura contra o autor.
- Protocolo Facultativo à CAT (OPCAT): cria o Subcomitê de Prevenção e obriga mecanismos nacionais preventivos com acesso a locais de privação de liberdade.
- Sistema Interamericano:
Convenção Americana sobre Direitos Humanos, art. 5: direito à integridade pessoal; proibição de tortura e penas/tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.
Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura: detalha deveres de tipificação, investigação e sanção; reconhecimento da tortura física e psicológica.
- Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional:
Art. 7: tortura como crime contra a humanidade quando praticada de forma generalizada ou sistemática contra população civil.
Art. 8: tortura como crime de guerra em conflitos armados.
- Protocolo de Istambul (ONU): padrões periciais internacionais para documentação médico-legal de tortura e maus-tratos (exames clínicos, psicológicos, cadeia de custódia e relato técnico).
Direito brasileiro (constitucional e infraconstitucional)
- Constituição Federal, art. 5º, III: ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; art. 5º, XLIII: tortura é crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia, sujeito à extradição do estrangeiro em caso de crime comum.
- Lei nº 9.455/1997 (Lei de Tortura):
Tipifica a tortura nas modalidades probatória, punitiva, discriminatória e por submissão a intenso sofrimento físico ou mental; pune também quem se omite tendo o dever de evitar ou apurar; prevê agravantes (morte, vítima menor ou com deficiência, agente público, concurso de pessoas) e perda do cargo com interdição para exercício por prazo determinado.
- Lei nº 12.847/2013 e regulamentos: institui o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e o Mecanismo Nacional com prerrogativa de inspeções e recomendações.
- Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984): assegura integridade física e moral das pessoas presas; veda sanções cruéis; prevê controle judicial e do Ministério Público sobre estabelecimentos penais.
- Código de Processo Penal, art. 155 e princípios correlatos: proíbe condenação fundada exclusivamente em elementos informativos; combinado com a CAT, impõe exclusão de prova ilícita por tortura.
- Estatuto da Criança e do Adolescente e Estatuto do Idoso: proteção reforçada contra violência institucional e tratamentos degradantes em unidades de internação e acolhimento.
- Decretos de ratificação da CAT e do OPCAT: incorporam os tratados ao direito interno e reconhecem competência dos órgãos internacionais (menção técnica à existência, sem numeração específica).
Obrigações estatais derivadas
- Prevenir: legislar, treinar agentes, criar salvaguardas de custódia (acesso a advogado e médico, notificação da família, registros de detenção, videomonitoramento proporcional, entrevistas não coercitivas).
- Investigar pronta e imparcialmente todos os indícios; adotar protocolos do Protocolo de Istambul; proteção a denunciantes e peritos.
- Responsabilizar: processar e punir autores, inclusive superiores que sabiam e não impediram (responsabilidade por comando), sem anistias autoindulgentes para crimes de tortura.
- Reparar: indenização, reabilitação médica e psicológica, satisfação (reconhecimento público, desculpas), e garantias de não repetição (reformas institucionais).
- Cooperar internacionalmente: extradição, assistência jurídica mútua e jurisdição baseada em presença do acusado quando apropriado.
Parâmetros probatórios e processuais
- Inadmissibilidade de prova obtida por tortura (CAT, art. 15; CF/88, art. 5º, LVI por derivação da ilicitude).
- Ônus estatal de explicar lesões e sinais em custodiados; inversão prática em benefício da vítima quando fatos ocorrem sob controle exclusivo do Estado.
- Documentação pericial independente, com avaliações médico-psicológicas e relato circunstanciado conforme Protocolo de Istambul.
Responsabilidade internacional e individual
- Estatal: perante Comitês e Cortes regionais/ONU por violação de obrigações de prevenir, investigar e reparar.
- Penal individual: autores e superiores podem responder em âmbito interno e, em casos graves, perante o TPI.
Referências legais essenciais (catálogo técnico)
- DUDH, art. 5.
- PIDCP, arts. 7 e 10.
- Convenção da ONU contra a Tortura (CAT), arts. 1–16; OPCAT.
- Convenção Americana sobre Direitos Humanos, art. 5; Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura.
- Estatuto de Roma, arts. 7 e 8.
- Constituição Federal, art. 5º, III e XLIII; art. 5º, LVI (provas ilícitas).
- Lei nº 9.455/1997 (Lei de Tortura).
- Lei nº 12.847/2013 (Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura).
- Lei nº 7.210/1984 (LEP) – integridade do preso.
- Código de Processo Penal, art. 155 (valoração da prova) e regras de exclusão da prova ilícita por derivação constitucional.
- Protocolo de Istambul (Manual para investigação e documentação eficazes da tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes).