Princípio da Progressividade e Regressividade Tributária: Justiça Fiscal em Debate

Princípio da Progressividade e da Regressividade Tributária

1) Por que falar de progressividade e regressividade?

Todo sistema tributário escolhe como distribuir o peso dos impostos entre as pessoas.
Essa escolha não é só técnica; é profundamente ética e política. Há, basicamente, dois movimentos:
progressividade (quem ganha mais paga, proporcionalmente, mais) e regressividade
(quem ganha menos termina pagando, proporcionalmente, mais, sobretudo via tributos sobre consumo).

No Brasil, a Constituição aposta numa tributação justa, orientada pela capacidade contributiva
(art. 145, §1º) e pela isonomia, o que, em termos práticos, favorece a progressividade em impostos
pessoais (ex.: IR) e recomenda cautela com a regressividade típica dos tributos sobre o consumo (ex.: ICMS, IPI, PIS/Cofins).

2) Fundamentos constitucionais

  • Art. 145, §1º, CF/88: “Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”.
  • Art. 150, II: isonomia (vedação a tratamentos desiguais entre contribuintes em situação equivalente).
  • Art. 153, §2º, I: progressividade do Imposto de Renda.
  • Art. 156, I e §1º: IPTU com alíquotas progressivas (e, em certos contextos, IPTU progressivo no tempo, para fins urbanísticos, art. 182, §4º, II).
  • Art. 153, §4º, II e legislação: ITR com alíquotas maiores para grandes áreas improdutivas (extralficialidade).

Esses dispositivos mostram que a Carta não só permite, como estimula desenhos progressivos,
sobretudo em tributos pessoais e sobre patrimônio, respeitados os demais princípios (legalidade, anterioridade,
vedação ao confisco, etc.).

3) Conceitos-chave

3.1) Progressividade

Há progressividade quando a alíquota efetiva (effective tax rate, ETR) cresce conforme
aumenta a base (renda/patrimônio). Isso pode ocorrer por:

  • Escalonamento de faixas (tabela progressiva do IRPF);
  • Alíquotas crescentes por valor do bem (IPTU/IPVA);
  • Deduções e isenções que preservam o mínimo existencial.

3.2) Regressividade

Fala-se em regressividade quando os contribuintes de menor renda destinam
proporcionalmente parte maior de sua renda ao pagamento de tributos. Isso acontece especialmente em
tributos sobre consumo (ICMS, IPI, PIS/Cofins), pois todos pagam a mesma alíquota no preço,
independentemente do quanto ganham — e os mais pobres consomem quase toda a renda.

3.3) Alíquota nominal x alíquota efetiva

A alíquota que está escrita na lei (nominal) nem sempre é a que se paga (efetiva). A alíquota efetiva
considera deduções, créditos, cumulatividade e todos os efeitos da cadeia. É esse indicador que revela se um tributo
é progressivo/regressivo na prática.

3.4) Medidas e indicadores

  • ETR (effective tax rate): tributo pago ÷ renda (ou valor do bem).
  • Alíquota marginal: quanto a tributação aumenta ao passar para a faixa seguinte.
  • Índice de Kakwani e Índice de Suits: métricas acadêmicas para aferir progressividade/regressividade.

4) Instrumentos de progressividade

4.1) Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF)

É o principal tributo pessoal e progressivo brasileiro. O desenho típico combina:
faixas de renda, alíquotas crescentes, deduções (dependentes, saúde, educação, previdência)
e isenções (faixa inicial). Boas práticas incluem:

  • faixas curtas demais podem criar saltos (efeito “degrau”);
  • correção periódica da tabela para evitar “bracket creep” (inflação empurra contribuintes para faixas maiores sem ganho real);
  • deduções calibradas para evitar regressividade escondida (benefícios que só os mais ricos acessam).

4.2) Tributos sobre patrimônio

IPTU e IPVA podem ser progressivos por valor venal/do veículo ou por uso do imóvel (residencial x não residencial),
respeitando legalidade e coerência cadastral. O ITR combina progressividade e extrafiscalidade:
maior alíquota para grandes áreas improdutivas estimula a função social da terra.

4.3) Mecanismos compensatórios no consumo

Como o consumo tende à regressividade, a política pública usa compensações:

  • alíquotas reduzidas para bens essenciais (alimentos, remédios);
  • cestas básicas com redução/isenção;
  • devolução/cashback do imposto para famílias de baixa renda (modelo em expansão em diversos países e projetos no Brasil);
  • crédito presumido focalizado para pequenos produtores e microempresas.

5) Onde nasce a regressividade e como corrigi-la

A regressividade aflora quando a tributação incide de forma uniforme sobre bens de consumo
que ocupam parcela desproporcional da renda dos mais pobres (alimentos, transporte, energia, higiene).
Três linhas de ação reduzem esse efeito:

  1. Desoneração seletiva de bens essenciais;
  2. Devolução direcionada (cashback) do tributo indireto baseado em CadÚnico/renda;
  3. Transferências de renda que compensam a carga indireta.

A calibragem requer dados: matriz de consumo por faixa de renda, ETR por produto,
e simulações de impacto. Sem evidência, o remédio pode virar privilégio regressivo.

6) Progressividade, extrafiscalidade e justiça distributiva

A Constituição admite usar tributos para induzir comportamentos (extrafiscalidade).
Ex.: alíquotas maiores para bens de luxo ou poluentes; menores para itens socialmente desejáveis.
A linha divisória é a proporcionalidade: o objetivo público precisa justificar a medida.

A extrafiscalidade não substitui o núcleo da progressividade (IR, IPTU, ITR), mas o complementa,
ajudando a redesenhar incentivos sem descambar para confisco ou distorções setoriais.

7) Limites constitucionais

  • Legalidade: alíquotas/faixas/benefícios dependem de lei.
  • Anterioridade: regra do próximo exercício + noventena, quando aplicável.
  • Vedação ao confisco: progressividade não pode virar expropriação.
  • Isonomia: diferenciações devem ser razoáveis e proporcionais.
  • Transparência e motivação em medidas extrafiscais.

8) Estudos práticos (visão de sala de aula)

8.1) IRPF com “degrau” escondido

Faixas com saltos grandes de alíquota fazem a ETR explodir ao cruzar um limite. Correção: alíquotas marginais
suaves e deduções universais ou créditos reembolsáveis para baixa renda.

8.2) IPTU pós-atualização cadastral

Atualizar o valor venal é legítimo, mas sem transição pode gerar efeito confiscatório para
contribuintes vulneráveis. Solução: tetos de aumento, descontos por renda/idade e
escalonamento.

8.3) Regra de cashback no consumo

Devolver parte do imposto indireto para famílias de baixa renda reduz regressividade sem afetar a neutralidade do IVA.
Exige governança de dados e meios de pagamento acessíveis.

9) Conclusão do Bloco 1

A progressividade dá conteúdo à capacidade contributiva; a regressividade é um risco estrutural
dos tributos sobre consumo. Uma política fiscal justa combina IR e tributos patrimoniais bem desenhados,
compensações no consumo e respeito aos limites constitucionais. No Bloco 2, entramos em
jurisprudência, métricas aplicadas, comparações internacionais, desenho de políticas
e um checklist de conformidade para legisladores, gestores e contribuintes.

Deixe um comentário