Prescrição nos Seguros: Prazos, Termos Iniciais e Como Travar o Relógio
Prescrição em ações de seguro: prazos, marcos iniciais e como não perder o direito
A prescrição define o tempo dentro do qual a parte pode exigir seu direito em juízo. Nos contratos de seguro, o tema exige atenção redobrada: há prazos específicos e pontos de partida que variam conforme o ramo (vida, danos, responsabilidade civil, transporte, DPVAT etc.), a qualidade da parte (segurado, beneficiário, terceiro, seguradora) e fatos processuais como pedido administrativo, regulação de sinistro, citação em ação regressiva ou de terceiro. Conhecer as regras evita a perda do direito e melhora a estratégia de negociação e prova.
Mapa geral dos prazos prescricionais em seguros
Em sistemas de tradição civilista (como o brasileiro), o Código Civil estabelece regra-base de 1 ano para pretensões entre segurado e seguradora nas ações de seguro, com importantes exceções (como o DPVAT, com 3 anos) e termos iniciais distintos a depender do ramo. Também há prazos de 3 anos para pretensões de responsabilidade civil extracontratual (p.ex., sub-rogação) e de 10 anos para pretensões contratuais que não tenham disciplina especial.
Situação | Prazo | Termo inicial (em regra) | Notas-chave |
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Ação do segurado/beneficiário contra a seguradora (seguros em geral) | 1 ano | Da ciência do sinistro e sua extensão/negativa | Pedido administrativo suspende a contagem até ciência da decisão; a regulação alonga o marco inicial quando o dano se consolida depois. |
Seguro de responsabilidade civil – ação do segurado contra a seguradora | 1 ano | Da citação do segurado em ação movida pelo terceiro (ou da composição com este, se lícita e comunicada) | Evita prescrição antes de o segurado ser demandado; atenção a cartas de reclamação/formal notice. |
Seguro de transporte | 1 ano | Chegada da mercadoria ao destino, entrega ou conhecimento do dano | Há regras específicas em conhecimento de transporte e convenções; confira a rota e o regime aplicável. |
DPVAT (seguro obrigatório de trânsito) | 3 anos | Da data do acidente ou da ciência inequívoca da invalidez/consolidação | Prazo trienal por natureza de reparação civil; consolidado em enunciados jurisprudenciais. |
Sub-rogação da seguradora contra o terceiro causador | 3 anos | Do pagamento da indenização ao segurado | Natureza de responsabilidade civil; termo a quo é o desembolso que sub-roga a seguradora. |
Ação da seguradora contra o segurado (p.ex., prêmio/ressarcimento contratual) | 1 ano (seguros) / 10 anos (obrigação contratual sem regra especial) | Vencimento da obrigação | Verifique se a pretensão decorre de seguro (1 ano) ou de cláusula autônoma (p.ex., clawback, adiantamentos). |
Por dentro do termo inicial: quando o relógio começa a correr
Seguros de danos (patrimoniais, riscos diversos, residencial, empresarial)
Em seguros de danos, a contagem costuma iniciar quando o segurado tem ciência do sinistro e de sua extensão relevante. Se o dano é progressivo (p.ex., infiltração que se agrava, ruptura de talude com consolidação posterior), o termo inicial se desloca para quando foi possível quantificar a lesão patrimonial de modo útil. Essa lógica evita que a prescrição corra quando ainda não há elementos suficientes para a regulação e a formulação do pedido.
Seguro de vida e pessoas
Para beneficiários em morte, o prazo anual conta, via de regra, da ciência do óbito e do direito ao capital segurado. Em invalidez, costuma prevalecer a data da ciência inequívoca (laudo/alta de consolidação) do grau incapacitante, pois apenas então se sabe se o evento se enquadra nas condições especiais do produto (IPA, IPD, ILPD etc.).
Seguro de responsabilidade civil (RCG, RCP, D&O, ambiental, etc.)
Por sua natureza de terceiro, a lei fixa o marco inicial na citação do segurado em ação indenizatória movida pelo prejudicado, ou na composição formal com o terceiro, quando lícita e reconhecida (em produtos claims made, verifique as cláusulas de reporte de circunstâncias). Esse desenho impede que a prescrição corra enquanto inexiste demanda do titular do dano — o que faria o segurado propor ação “no escuro”.
Transporte (nacional e internacional)
Em transporte de cargas, contratos, leis e convenções podem modular prazos e termos (chegada ao destino, entrega ou lavratura de protesto/avaria). A prática recomenda verificar o incoterm, a rota, o conhecimento (BL/AWB/CT-e) e a condição especial do seguro (FPA, WA, All Risks) para localizar o marco correto.
Pedidos administrativos, regulação do sinistro e seus efeitos
O pedido de indenização apresentado à seguradora e a tramitação da regulação produzem efeitos sobre a prescrição. A jurisprudência consolidou que o protocolo do aviso de sinistro e a análise administrativa não podem prejudicar o segurado: a contagem fica suspensa (ou interrompida, conforme o entendimento) até que ele tenha ciência inequívoca da decisão (pago, parcial, negado). Além disso, diligências da regulação (vistoria, complementações) que visem apurar a extensão do dano influem no termo inicial, sobretudo em perdas que se consolidam com o tempo.
- Protocole aviso de sinistro por canal rastreável (nº de protocolo, e-mail, portal).
- Peça andamento da regulação e decisão formal (paga/negada) — o relógio volta a correr apenas após a ciência.
- Negativa ambígua? Solicite esclarecimentos e documentação técnica (laudos, regulador) — reforça a suspensão.
- Se a seguradora demora excessivamente, avalie citação judicial para interromper a prescrição.
Sub-rogação e prazos para ações contra terceiros
Quando paga a indenização, a seguradora se sub-roga nos direitos do segurado contra o terceiro causador. A pretensão tem natureza de responsabilidade civil e prescreve em 3 anos, com o termo inicial no pagamento (e não na data do sinistro). Esse detalhe operacional é crucial para cronogramas de recuperação: times de regresso devem acionar rapidamente fornecedores, transportadores, concessionárias e outros responsáveis.
Seguro DPVAT (obrigatório) — regime próprio
No DPVAT, a ação de cobrança prescreve em 3 anos, por seguir a lógica de reparação civil. O ponto de partida, nas hipóteses de invalidez, é a ciência inequívoca da consolidação (quando o laudo define o percentual), e não necessariamente a data do acidente. Pedidos administrativos e complementações de laudos também influenciam a contagem. Em morte, o prazo corre do óbito; para despesas médicas, do desembolso (em regra).
Cláusulas contratuais, carências e prescrição
Seguros não podem criar, por cláusula, prazos prescricionais menores do que os da lei; tais estipulações tendem a ser tidas como nulas. O contrato, porém, pode definir obrigações de aviso, prazos de mitigação e documentação; o descumprimento pode afetar a cobertura se houver nexo causal com o agravamento do risco ou a impossibilidade de apuração. Diferencie: prazo de prescrição (material, legal) ≠ prazo contratual de comunicação/condição suspensiva (analisados sob boa-fé).
Gráfico de referência: prazos típicos (anos)
Como contar o prazo: suspensão, interrupção e causas de impedimento
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Suspensão: o tempo não corre, retomando de onde parou; típica no pedido administrativo de indenização e quando a extensão do dano depende de laudo ou regulação ainda em curso.
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Interrupção: o tempo decorrido é desconsiderado e recomeça do zero (ex.: citação válida do réu, despacho positivo na ação).
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Impedimento: situações em que a prescrição não começa a correr (p.ex., incapacidade absoluta do titular, ausência de ciência mínima do fato gerador).
Efeitos do consumidor e a boa-fé objetiva
Em litígios de massa (automóvel, residencial, vida em grupo), incidem regras de proteção do consumidor (CDC), com facilitação de prova e repúdio a condutas contraditórias (p.ex., seguradora que instaura longa regulação e depois alega prescrição; ou segurado que omite informação essencial durante anos). A boa-fé objetiva serve como modulador de prazos e marcos, coibindo abuso de direito e surpresa.
- Notifique o sinistro imediatamente e guarde o protocolo.
- Armazene toda comunicação (e-mails, portal, WhatsApp corporativo, cartas).
- Exija decisão formal e fundamentos técnicos (laudo do regulador).
- Monitore o calendário: se a solução não vier, ingresse com ação para interromper.
- Em RC, ao ser citado por terceiro, comunique a seguradora (notice of claim) no mesmo dia e avalie a chamada ao processo.
Controvérsias comuns (e como os tribunais costumam resolver)
1) Quando o dano é progressivo ou a invalidez só se define depois
Em perdas graduais ou incapacidade que depende de consolidação clínica, os tribunais costumam fixar o termo inicial na ciência inequívoca do grau do dano. Isso evita o “ajuizamento prematuro” e valoriza o princípio da utilidade da ação.
2) Pedido administrativo e demora da seguradora
O entendimento majoritário é que o pedido administrativo suspende a prescrição até a ciência da decisão. Em lides onde houve silêncio prolongado da seguradora, têm prevalecido soluções pró-consumidor quanto ao termo inicial e à interrupção por ato inequívoco do credor (ex.: notificação com AR).
3) Seguro de RC em claims made
Produtos claims made vinculam cobertura à reclamação e ao reporte dentro da vigência (ou de períodos retroactive/extended reporting). Isso é tema contratual, não de prescrição: se a reclamação foi tempestiva para fins de cobertura, aplica-se depois o prazo prescricional anual para a ação de cobrança, com termo a partir da citação/pretensão do terceiro.
4) Sub-rogação: quando o sinistro tem pluralidade de causadores
Se vários agentes concorrem para o dano, a seguradora pode demandá-los em conjunto ou separadamente. O prazo trienal conta do pagamento e a interrupção em face de um solidário aproveita aos demais, quando presente solidariedade (verificar regime de responsabilidade do caso).
Erros que custam caro (e como evitá-los)
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Confiar em “acordo verbal” sem decisão formal — a prescrição pode voltar a correr sem que você perceba.
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Ignorar a data da citação (RC) — ela é o marco para contar o prazo da ação de cobertura.
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Não guardar protocolos — sem prova do aviso/andamento, é difícil sustentar suspensão.
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Terceirizados (oficinas, reguladores) tratando diretamente com a seguradora sem ciência do segurado — mantenha centralização documental.
Roteiro enxuto para quem precisa ajuizar
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Defina o prazo aplicável (1 ano, 3 anos ou regra geral) e o termo inicial com documento que o comprove.
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Separe linhas do tempo: sinistro, aviso, diligências, laudos, negativa/decisão, citação (RC), pagamento (sub-rogação).
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Escolha a causa de pedir e o pedido (indenização integral, parcela incontroversa, tutela de urgência para liberação de reparo ou procedimento).
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Protocole e peça citação imediata (interrompe a prescrição); em RC, considere a denunciação da lide ou o chamamento ao processo.
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Guarde a rota de acordo: muitas ações terminam em composição com liberação célere.
Conclusão
Em seguros, a discussão sobre prescrição começa no dia do sinistro — ou antes, ao redigir a apólice e treinar rotinas de aviso e documentação. Saber quando o prazo é de 1 ano, quando passa a 3 anos (DPVAT e sub-rogação) e como identificar o termo inicial em cada ramo é decisivo para proteger o direito. A estratégia deve combinar: protocolo de aviso, construção do dossiê, vigilância sobre decisões formais da seguradora e, se necessário, citação para interromper a contagem. Com esse mapa em mãos — e atenção às peculiaridades de RC, transporte, vida e DPVAT — é possível litigar com segurança, negociar melhor e, sobretudo, não deixar o relógio vencer a cobertura.
FAQ — Prescrição em ações de seguro
Qual é o prazo prescricional geral para ações entre segurado e seguradora?
Em regra, é de 1 ano para as pretensões do segurado/beneficiário contra a seguradora e vice-versa, conforme art. 206, §1º, II, “b”, do Código Civil. Exceções relevantes: DPVAT e ações com natureza de responsabilidade civil (sub-rogação contra terceiro), que seguem prazo trienal (art. 206, §3º, V CC; Súmula 405/STJ).
Quando o prazo começa a correr (termo inicial) nas ações de seguro?
Depende do ramo: em seguros de danos, conta-se da ciência do sinistro e de sua extensão; em vida/invalidez, da ciência inequívoca da incapacidade ou do óbito (Súmula 278/STJ); em responsabilidade civil, da citação do segurado pelo terceiro prejudicado ou da composição válida (art. 206, §1º, II, “b”, CC – interpretação consolidada na jurisprudência).
O pedido administrativo de indenização suspende a prescrição?
Sim. O pedido de pagamento à seguradora suspende o prazo prescricional até a ciência da decisão administrativa do segurado (Súmula 229/STJ). Assim, a contagem só retoma após comunicação clara de pagamento/negativa.
Qual é o prazo para o DPVAT e qual o termo inicial?
O prazo é de 3 anos (Súmula 405/STJ), contado do acidente ou, nos casos de invalidez, da ciência inequívoca da incapacidade (Súmula 278/STJ). A Lei 6.194/1974 rege a cobertura obrigatória.
Quando a seguradora busca o terceiro causador (regresso por sub-rogação), qual prazo se aplica?
Aplica-se o prazo de 3 anos para reparação civil (art. 206, §3º, V, CC), com termo inicial no pagamento da indenização ao segurado, momento em que ocorre a sub-rogação legal (art. 786 CC).
Base técnica — Fontes legais e jurisprudenciais
- Código Civil:
- Art. 205 — prescrição decenal (regra geral, quando não houver prazo menor específico).
- Art. 206, §1º, II, “b” — prazo anual para as ações do segurado/seguradora em contratos de seguro.
- Art. 206, §3º, V — prazo trienal para reparação civil (aplicável ao regresso por sub-rogação).
- Arts. 757 a 802 — regime do contrato de seguro (dever de aviso, risco, sinistro, sub-rogação: art. 786).
- Lei 6.194/1974 — DPVAT (seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores).
- Súmulas do STJ:
- 229 — “O pedido do pagamento de indenização à seguradora suspende o prazo prescricional até que o segurado tenha ciência da decisão.”
- 278 — “O termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral.” (aplicada a invalidez/DPVAT e analogias).
- 405 — “A ação de cobrança do seguro DPVAT prescreve em três anos.”
- Entendimentos consolidados na jurisprudência:
- Em RC, o termo inicial do prazo anual para ação de cobertura é a citação do segurado em ação do terceiro (ou composição válida), evitando prescrição antes da demanda do prejudicado.
- O pedido administrativo e a regulação não podem prejudicar o segurado; a contagem fica suspensa até a ciência do resultado.
- Notas técnicas:
- Cláusulas contratuais não podem reduzir prazos prescricionais legais; prazos contratuais dizem respeito a aviso/mitigação e são controlados pela boa-fé e pelo CDC quando aplicável.
- Interrupção por citação válida (CPC) e causas de impedimento/suspensão seguem o regime geral.