Planos de saúde e terapias multidisciplinares: entenda seus direitos e o que a ANS determina
Visão geral: por que a cobertura de terapias multidisciplinares importa
As terapias multidisciplinares — como psicologia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, fisioterapia e métodos estruturados de intervenção comportamental — são fundamentais para reabilitação e desenvolvimento de pacientes com transtornos do neurodesenvolvimento (p.ex., TEA/TDAH), condições neurológicas, cardiorrespiratórias, musculoesqueléticas e psiquiátricas. Nos planos de saúde, o debate gira em torno de: (i) quando a cobertura é obrigatória; (ii) limites de quantidade/sessões; (iii) critérios técnicos do rol da ANS; e (iv) como reagir a negativas indevidas.
Base normativa essencial (panorama rápido)
- Lei 9.656/1998 (Lei dos Planos de Saúde): estabelece as coberturas mínimas e a submissão das operadoras à regulação da ANS.
- Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS (atualizações periódicas; RN e DUTs): define a cobertura mínima obrigatória, inclusive em saúde mental e reabilitação.
- Lei 14.454/2022: prevê que, mesmo fora do rol, o tratamento pode ser coberto se houver eficácia comprovada, recomendações de órgãos técnicos (p.ex., Conitec) ou alternativas equivalentes inexistentes.
- Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com TEA (Lei 12.764/2012) e normas da ANS/saúde suplementar sobre cobertura de terapias para TEA e outras condições, com ampliação de sessões e eliminação de limites numéricos quando prescritas por profissional habilitado.
- Jurisprudência do STJ (taxatividade mitigada do rol): reforço à possibilidade de cobertura fora do rol diante de critérios técnicos e evidências.
O que são terapias multidisciplinares e quando são indicadas
São intervenções planejadas por uma equipe multiprofissional com objetivo de reabilitação, integração social e funcionalidade. Exemplos:
- Psicologia/psicoterapia: manejo comportamental, ansiedade, depressão, TEA, TDAH, dor crônica.
- Fonoaudiologia: linguagem, deglutição, comunicação aumentativa/alternativa.
- Terapia Ocupacional: autonomia nas atividades de vida diária, integração sensorial.
- Fisioterapia: reabilitação motora, respiratória e neurológica.
- Intervenções estruturadas (p.ex., ABA como abordagem aplicada por profissionais habilitados, conforme indicação clínica e diretrizes).
A indicação deve constar em relatório clínico com CID, objetivos terapêuticos, frequência, tempo estimado e métricas de evolução (p.ex., escalas funcionais).
Cobertura obrigatória: o que os planos devem garantir
1) Saúde mental e reabilitação sem limite numérico previamente fixo
As atualizações do rol consolidaram a eliminação de tetos genéricos de sessões para psicologia, fono, TO e fisioterapia quando houver indicação assistencial e projeto terapêutico — especialmente em TEA e reabilitação. O número de sessões deve decorrer da necessidade clínica, não de cláusula padronizada de contrato.
2) Rede credenciada compatível e alternativa
A operadora deve ofertar prestadores habilitados na rede. Se não houver vaga/serviço compatível no município/região de abrangência contratual, cabe referenciamento/remoção em outro prestador ou reembolso integral quando a procura ocorrer por falha de rede.
3) Terapias em ambiente escolar/ domiciliar (quando indicado)
O atendimento pode ser ambulatorial ou domiciliar conforme a indicação e as DUTs. Quando o contrato não contempla home care, discute-se a cobertura caso a caso, com base na necessidade clínica e na equivalência terapêutica.
- Relatório médico atualizado (CID, plano terapêutico, metas e frequência).
- Solicitação formal ao plano (protocolo, e-mail ou aplicativo).
- Indicação de serviços da rede próximos; se inexistentes, peça rede alternativa ou reembolso.
- Guarde comprovantes de negativas, deslocamentos e gastos.
Limites contratuais, coparticipações e reembolso
Planos podem prever coparticipação, desde que não impeça o acesso (vedadas práticas de fator moderador excessivo). Tetos financeiros e carências devem respeitar o regime da ANS. Em reembolso, aplica-se a tabela contratual; porém, quando há inexistência/falha de rede, a jurisprudência admite reembolso integral para evitar descontinuidade do tratamento, mediante prova da necessidade e da recusa/insuficiência da operadora.
Negativas frequentes e como contestar
- “Não está no rol da ANS”: verifique a Lei 14.454/2022 e diretrizes técnicas. Havendo evidência, recomendação de órgão técnico ou inexistência de alternativa no rol com eficácia comprovada, cabe cobertura.
- “Excedeu o número de sessões”: desde as últimas mudanças, limites genéricos foram afastados para reabilitação/saúde mental conforme prescrição.
- “Profissional/metodologia não credenciada”: a operadora pode exigir profissional habilitado, mas deve ofertar rede suficiente. Sem rede, pleiteie reembolso integral ou referenciamento.
- “Local não coberto (escola/domicílio)”: junte justificativa clínica e demonstre que o ambiente é parte do projeto terapêutico.
Passos práticos: (i) protocole reclamação interna; (ii) abra NIP na ANS (Notificação de Intermediação Preliminar); (iii) busque Procon/Defensoria; (iv) se necessário, ação judicial com pedido de tutela de urgência, anexando laudos, negativas e evidências.
Critérios técnicos e qualidade assistencial
Projeto Terapêutico Singular (PTS)
Elabore PTS com metas mensuráveis, indicadores de progresso e revisões trimestrais. Isso alinha a equipe, reduz glosas e embasa pedidos de continuidade.
Integração de equipe
Promova reuniões clínicas e registro de condutas integradas (p.ex., fono + TO + psicologia). O foco é funcionalidade e participação, não apenas contagem de sessões.
Segurança e habilitação
Profissionais devem ter registro no conselho (CRP, CREFITO, CREFONO etc.) e capacitação em abordagens utilizadas. Planos podem checar habilitação; não podem impor metodologia exclusiva que contrarie a autonomia técnica do profissional, desde que haja evidência.
Gráfico/indicadores: monitorando efetividade (exemplo de painel)
Para gestão do cuidado, monitore indicadores simples: assiduidade (%), evolução funcional por escala padronizada, metas atingidas e eventos adversos. Esses dados fundamentam renovações de cobertura.
Boas práticas contratuais e de relacionamento com o plano
- Leia o Contrato/Condições Gerais (abrangência geográfica, coparticipação, reembolso, carências, segmentação).
- Mantenha documentação clínica atualizada e protocolos de solicitação formal (número de protocolo e prazos).
- Negocie com a regulação médica da operadora com linguagem técnica, anexando evidência e DUT aplicável.
Conclusão: linha do tempo para agir e garantir a cobertura
- Obter relatório médico completo com PTS e indicação multiprofissional.
- Solicitar via canal oficial do plano; guardar protocolo e resposta.
- Em negativa, argumentar com base em Lei 9.656/98, rol/DUTs da ANS e Lei 14.454/2022, apontando evidências.
- Acionar NIP/ANS e órgãos de defesa do consumidor; se necessário, judicializar com pedido de tutela de urgência.
Guia rápido
- O que é: cobertura obrigatória de terapias multiprofissionais (fono, TO, psicologia, fisioterapia etc.) indicadas em relatório clínico, especialmente para TEA e reabilitações neurológicas.
- Fundamento legal: Lei 9.656/1998 (planos de saúde), Lei 14.454/2022 (taxatividade mitigada do rol da ANS) e RN 539/2022 (ANS — cobertura integral).
- Quem tem direito: beneficiários com prescrição médica ou multiprofissional fundamentada, sem limitação numérica genérica de sessões.
- Quando há negativa: paciente pode acionar ANS, Procon ou ajuizar ação com pedido de tutela de urgência.
- Documentos necessários: relatório clínico com CID, plano terapêutico, justificativa técnica e protocolos de atendimento.
FAQ NORMAL
1. Planos de saúde são obrigados a cobrir terapias multidisciplinares?
Sim. Desde 2022, com a RN 539 e a Lei 14.454/2022, as operadoras são obrigadas a cobrir terapias multiprofissionais quando houver prescrição médica ou indicação técnica, especialmente para TEA e reabilitação.
2. Existe limite de sessões por mês ou ano?
Não. As últimas atualizações da ANS afastaram limites fixos de sessões. O número de atendimentos deve ser definido conforme o plano terapêutico e a necessidade clínica.
3. O plano pode negar cobertura alegando ausência de prestador credenciado?
Não. Caso a operadora não disponha de profissionais habilitados, deve oferecer alternativa dentro da rede ou autorizar reembolso integral ao segurado, conforme regras da ANS.
4. As terapias em domicílio ou escola são obrigatórias?
Dependem da indicação técnica. Quando o local é parte do projeto terapêutico, e há justificativa clínica, a jurisprudência reconhece a obrigatoriedade da cobertura.
5. O que fazer em caso de negativa injustificada?
Registrar reclamação na ANS (NIP), acionar Procon e buscar apoio jurídico. Com relatório médico e negativa documentada, é possível obter liminar judicial para garantir o tratamento.
6. O rol da ANS é taxativo ou exemplificativo?
O STJ reconheceu a taxatividade mitigada: o rol é referência mínima. O tratamento deve ser coberto se houver eficácia comprovada e respaldo técnico, mesmo fora do rol.
Referências técnicas (Fontes jurídicas e normativas)
- Lei nº 9.656/1998 — regula os planos e seguros privados de assistência à saúde.
- Lei nº 14.454/2022 — flexibiliza a aplicação do rol da ANS, permitindo tratamentos não listados com base em evidências.
- RN nº 539/2022 (ANS) — determina cobertura obrigatória para terapias multidisciplinares sem limitação de sessões.
- Resoluções e DUTs da ANS — diretrizes de utilização para terapias multiprofissionais.
- Jurisprudência do STJ — Tema 1.082 (rol taxativo mitigado).
Considerações finais
As terapias multiprofissionais representam um direito essencial à reabilitação e à inclusão social. Cabe ao paciente e à família conhecer seus direitos, manter relatórios técnicos atualizados e, em caso de negativa, buscar imediatamente os canais de defesa e regulação.
Essas informações têm caráter educativo e não substituem a consulta com advogado, profissional de saúde ou especialista habilitado.
