Direito digital

Plágio Acadêmico Online: Identificar Corretamente e Punir com Justiça

Panorama e conceitos fundamentais

O plágio acadêmico online é a apropriação, integral ou parcial, de ideias, dados, gráficos, códigos, imagens ou texto alheios sem o devido crédito autoral, com ou sem intenção de enganar. Embora o problema seja antigo, a internet e os repositórios digitais (pré-prints, bancos de TCC, repositórios institucionais, revistas em acesso aberto e mecanismos de busca) ampliaram drasticamente a velocidade, o alcance e a rastreabilidade das más práticas.

No Brasil, a proteção autoral é regida pela Lei 9.610/1998 (Direitos Autorais), pelo art. 184 do Código Penal (violação de direitos autorais), por normas educacionais (estatutos e códigos de ética de universidades, CAPES/CNPq) e por padrões técnicos como as normas ABNT (p.ex., NBR 10520 para citações e NBR 6023 para referências). Na esfera digital, o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) e a LGPD (Lei 13.709/2018) influenciam o tratamento de dados e logs durante apurações.

Quadro — Tipos de plágio mais comuns

  • Integral: cópia literal de trechos sem aspas ou referência.
  • Mosaico (ou patchwriting): colagem de fragmentos com poucas alterações lexicais.
  • Paráfrase sem citação: reescrita de ideias alheias sem crédito.
  • Auto-plágio: reciclagem de texto próprio já publicado sem indicação de reaproveitamento.
  • Plágio de dados/figuras/código: reutilização de tabelas, gráficos, scripts, imagens ou datasets sem autorização/atribuição.
  • Plágio de estrutura: reprodução do desenho metodológico, organização e redação de seções com substituição superficial de termos.
  • Contratação de terceiros (ghostwriting) e compra de trabalhos.
  • Uso acrítico de ferramentas de IA para produzir textos que reproduzem passagens de treinamento ou ideias alheias sem citação.

Normas e diretrizes aplicáveis

Direito Autoral e responsabilidades

  • A Lei 9.610/1998 protege obras intelectuais e exige indicação de autoria quando citadas ou reproduzidas. Mesmo trechos curtos estão sujeitos a citação adequada.
  • O art. 184 do Código Penal tipifica a violação de direitos autorais; em contexto acadêmico, costuma-se priorizar responsabilidade administrativa e civil, mas a via penal é possível em casos graves.

Comunidade científica e padrões de integridade

  • ABNT NBR 10520: estabelece formas de citação direta/indireta, sistema autor-data e notas de rodapé.
  • ABNT NBR 6023: padroniza referências; ausência de referência é indício típico em auditorias.
  • COPE (Committee on Publication Ethics): fluxos de decisão para editores (retração, expression of concern, correção).
  • Códigos internos de universidades preveem sanções disciplinares (advertência, reprovação, suspensão, desligamento) e medidas pedagógicas.

Como identificar plágio online: camadas técnicas e processuais

1) Triagem automatizada (similaridade)

  • Sistemas de detecção (Turnitin/iThenticate, Crossref Similarity Check, PlagScan, Copyleaks etc.) comparam o texto contra bases massivas (web, periódicos, repositórios). Entregam um índice de similaridade e um mapa de sobreposição.
  • Configurações críticas: excluir referências, citações entre aspas, pequenas correspondências (p.ex., < 8 palavras) e frases-padrão para reduzir falsos positivos.
  • Parámetros de triagem prudentes: muitos programas adotam faixas (ilustrativas): < 15% — baixo risco; 15–25% — revisar contexto; > 25% — forte indício. O valor não é prova isolada.

2) Análise qualitativa (contexto e intenção)

  • Classifique cada sobreposição: citação correta, paráfrase com referência, paráfrase sem referência, cópia literal, texto público/padrão.
  • Verifique coerência de estilo (estilometria): mudanças abruptas de vocabulário, complexidade sintática, variação incomum de erros/acentuação e inconsistências terminológicas.
  • Audite figuras e tabelas: faça reverse image search, analise metadados, recortes e marcas d’água; no código, compare hashes, nomes de variáveis, formatação e comentários.
  • Inspecione as fontes citadas: DOI inexistente, referências não acessadas, citações deturpadas e “cascatas de erro” indicam empréstimo indevido.

3) Evidências digitais e cadeia de custódia

  • Registre carimbo de data/hora (timestamp) dos achados, URLs, hashes (SHA-256) de versões do trabalho e das fontes detectadas, e capturas (screenshots) com metadados.
  • Guarde relatórios de similaridade, exportando PDF com highlights, além de logs de submissão (sistemas de LMS, repositórios).
  • Documente a metodologia de busca e os parâmetros utilizados (exclusões, limiares, filtros).

Como punir com proporcionalidade e devido processo

Princípios de condução

  • Devido processo e ampla defesa: ciência ao investigado, prazo de manifestação, acesso aos autos e possibilidade de recurso.
  • Proporcionalidade: pena deve refletir gravidade (extensão do plágio), dolo ou culpa, reincidência e impacto institucional.
  • Transparência: preservar dados pessoais de acordo com a LGPD e publicar decisões sem exposição desnecessária (p. ex., resumo de casos em comissões de integridade).

Sanções usuais

  • Pedagógicas: refazer atividade, correções obrigatórias, oficinas de escrita e normalização.
  • Acadêmicas: nota zero, reprovação, anulação de defesa, suspensão, desligamento, cassação de título em casos graves (observado o rito).
  • Editoriais: retratação, errata, expression of concern, banimento temporário de submissões.
  • Civis e criminais: indenização por danos materiais/morais; em situações extremas, notícia-crime por violação de direito autoral.

Plágio envolvendo IA generativa: riscos e tratamento

Ferramentas de IA podem parafrasear amplamente textos existentes, gerar alucinações de citações e, em raras situações, reproduzir trechos similares aos de treinamento. Boas práticas institucionais incluem:

  • Políticas claras sobre uso de IA, com exigência de declaração de uso e responsabilização do autor.
  • Exigência de fontes verificáveis (DOI/URL/ISBN), proibição de referências inventadas e auditoria de bancos de dados citados.
  • Foco na substância acadêmica (originalidade de ideias, método e dados), não apenas no “índice de IA” — detectores possuem limitações e taxas de erro não desprezíveis.

Fluxo institucional de prevenção, detecção e resposta

  1. Educação prévia: trilhas de integridade, oficinas de citação (ABNT/APA/Vancouver), repositórios de exemplos e rubricas claras de avaliação.
  2. Submissão com checagem: todos os trabalhos passam por software de similaridade com parâmetros padronizados.
  3. Revisão humana: leitura crítica, verificação de coerência metodológica e validade das fontes.
  4. Comissão de integridade: abre processo, notifica, coleta defesa, delibera e registra decisão.
  5. Remediação: sanções pedagógicas/administrativas, registros internos e comunicação a órgãos externos quando aplicável (p.ex., periódicos, agências de fomento).

Métricas e indicadores de risco

Além do índice bruto de similaridade, considere indicadores qualitativos:

  • Concentração de sobreposição em 1–3 fontes principais (suspeita mais alta).
  • Seções críticas com cópia (introdução metodológica, resultados, discussão) pesam mais que trechos introdutórios gerais.
  • Repetição de padrões de plágio entre trabalhos do mesmo autor (reincidência).

Visualização — distribuição hipotética de tipos de plágio

Tipos de plágio (amostra ilustrativa) Integral 30%

Mosaico 34%

Paráfrase 24%

Auto 12%

Fig/Dados 18%

Distribuição ilustrativa para fins didáticos (valores variam por área e instituição).

Casos especiais e zonas cinzentas

  • Texto padrão institucional (declarações éticas, descrição de software): pode ser desconsiderado em análises, se identificado como boilerplate.
  • Tradução sem atribuição: é plágio se reproduz ideias/estrutura alheias em outro idioma sem citação da fonte original.
  • Reaproveitamento legítimo: trechos metodológicos de artigos seriados podem ser reaproveitados com declaração de sobreposição e citação ao trabalho-base.
  • Dados abertos: uso é permitido pelo licenciamento, mas exige atribuição e citação da fonte e do DOI do dataset.

Como prevenir de forma efetiva

Para docentes e orientadores

  • Defina rubricas de avaliação que valorizem processo (diários de bordo, versionamento no Git, rascunhos) e não apenas produto final.
  • Solicite arquivos-fonte (dados, scripts, planilhas) e exija reprodutibilidade básica.
  • Instrua sobre citação correta (ABNT, APA, Vancouver) e uso de gerenciadores de referências (Zotero, Mendeley).
  • Implemente checagem por amostragem de trabalhos com entrevistas rápidas para confirmar autoria e compreensão.

Para discentes e pesquisadores

  • Planeje a escrita (fichamentos com citação de página desde a leitura) e evite “copiar e adaptar” fontes no texto final.
  • Registre fontes com DOI, URL, data de acesso e licenças (para imagens/dados).
  • Marque aspas em cópias literais e use paráfrase com referência.
  • Cheque seu texto em ferramenta de similaridade com filtros de referência e revise manualmente o relatório.

Roteiro de investigação (passo a passo replicável)

  1. Recepção da denúncia (ou gatilho por software) com protocolo numerado.
  2. Preservação de evidências: baixe versões, gere hash e capture fontes (com data/hora e URL).
  3. Relatório técnico de similaridade: descreva parâmetros, exclusões e resultados.
  4. Confronto com o autor: solicite rascunhos, fichamentos, planilhas de coleta, cadernos de laboratório.
  5. Comissão emite parecer (tipificação, gravidade, dolo/culpa, recomendação de sanção).
  6. Decisão formal com fundamentação e direito de recurso.
  7. Registro e aprendizado institucional (ajustes de rubricas e treinamentos).

Indicadores pedagógicos e metas de integridade

Quadro — Metas sugeridas

  • 100% dos TCCs e dissertações passam por checagem de similaridade com parâmetros padrão.
  • 0% de retratações por plágio nos periódicos institucionais (meta anual).
  • 80% de docentes capacitados em integridade acadêmica.
  • 100% dos cursos com plano de alfabetização informacional (citação, ética de dados, licenças).

Modelos de comunicação e registro

Comunicação ao discente (abertura)

Assunto: Abertura de apuração de integridade acadêmica — Trabalho [código]
Prezado(a) [Nome],
Informamos a abertura de apuração referente ao seu trabalho, motivada por indícios de sobreposição textual apurados por relatório de similaridade e análise preliminar. 
Anexos: Relatório (PDF), mapa de correspondências, fontes. 
Prazo para manifestação: [data]. 
Assinatura, Comissão de Integridade Acadêmica.
  

Relatório técnico (sumário mínimo)

  • Contexto da submissão (curso, disciplina, orientador, data).
  • Ferramenta e parâmetros (exclusões, limiar, data/hora); número de fontes coincidentes.
  • Seções afetadas e qualificação das ocorrências (cópia literal, paráfrase sem referência etc.).
  • Evidências anexas (capturas, hashes, URLs, DOIs).
  • Conclusão técnica com grau de gravidade e recomendação.

Conclusão

O combate ao plágio acadêmico online exige uma abordagem multicamadas: educação (prevenção), tecnologia (detecção), processo (apuração com devido processo legal) e proporcionalidade (sanção pedagógica/administrativa). É essencial que instituições adotem políticas explícitas de integridade, padronizem parâmetros de análise (com filtros adequados), promovam alfabetização informacional e garantam transparência compatível com a LGPD. Para estudantes e pesquisadores, a chave é dominar citação, referenciação e ética de dados desde a formação. Com rotinas bem desenhadas — triagem técnica, análise qualitativa, documentação forense e ritos decisórios — universidades e periódicos conseguem reduzir fraudes, fortalecer a confiança pública e elevar a qualidade científica da produção acadêmica.

FAQ — Plágio acadêmico online

O que caracteriza plágio acadêmico e quais são os tipos mais comuns?

É a apropriação de texto, ideias, dados, imagens, gráficos, tabelas ou código sem atribuição correta. Tipos recorrentes: integral, mosaico/patchwriting, paráfrase sem citação, auto-plágio, plágio de dados/figuras/código e o ghostwriting. A prática viola a Lei 9.610/1998 e os códigos acadêmicos de integridade.

Como é feita a detecção em ambiente online?

Instituições utilizam softwares (p.ex., Crossref Similarity Check/iThenticate, Turnitin, PlagScan) que geram índice de similaridade e mapa de sobreposição. O resultado exige análise humana para distinguir citações corretas, trechos padronizados e uso legítimo de material licenciado. A documentação deve preservar logs/versões segundo a LGPD e o Marco Civil da Internet.

Quais são as consequências acadêmicas e legais?

No âmbito acadêmico: nota zero, reprovação, suspensão, anulação de defesa e, em casos graves, desligamento ou cassação de título, conforme regulamentos internos e diretrizes da COPE. Na esfera legal, aplicam-se a Lei 9.610/1998 (direitos autorais), responsabilidade civil por danos e, em situações específicas, o art. 184 do Código Penal (violação de direito autoral).

Como citar corretamente para evitar plágio?

Use normas técnicas (ex.: ABNT NBR 10520 para citações diretas/indiretas e NBR 6023 para referências). Empregue aspas em citações literais com página, sinalize paráfrases com autor e ano, cite DOI/URL e respeite licenças de imagens/dados (CC BY etc.).

O uso de IA generativa pode configurar plágio?

Sim, quando o texto gerado reproduz ideias/estrutura de terceiros sem atribuição ou inventa referências. Políticas institucionais devem exigir declaração de uso de IA, verificação de fontes reais e responsabilização do autor. Detectores de “texto por IA” não substituem a revisão acadêmica.


Base técnica — Fontes legais e normativas

  • Lei nº 9.610/1998 (Direitos Autorais) — dever de atribuição; violação e sanções civis.
  • Código Penal, art. 184 — violação de direito autoral (esfera penal, quando aplicável).
  • Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) — registros, guarda de logs e cooperação em investigações.
  • Lei nº 13.709/2018 (LGPD) — tratamento de dados pessoais em processos de apuração.
  • ABNT NBR 10520 — citações em documentos; ABNT NBR 6023 — referências.
  • COPE — Committee on Publication Ethics — fluxos de retratação e boas práticas editoriais.
  • Regulamentos internos de IES, CAPES e CNPq — políticas de integridade acadêmica e sanções administrativas.

Mais sobre este tema

Mais sobre este tema

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *