Penhora de imóvel: quando ela pode acontecer e quais são as exceções à regra
Visão geral: quando a penhora de imóvel pode acontecer
A penhora de imóvel é medida executiva utilizada para satisfazer uma dívida reconhecida em título executivo judicial (sentença) ou extrajudicial (cheque, contrato, confissão de dívida, etc.). Embora a regra no processo civil seja a satisfação do crédito pelo patrimônio do devedor, a lei estabelece graus de proteção para a moradia familiar e outros bens. O ponto central é equilibrar o direito do credor ao recebimento com a dignidade do devedor e de sua família.
No Brasil, a impenhorabilidade do imóvel residencial do casal ou da entidade familiar — o chamado bem de família legal — decorre da Lei nº 8.009/1990. Essa proteção, porém, não é absoluta: existem exceções expressas na mesma lei e na jurisprudência consolidada, notadamente em dívidas com garantia real, obrigações propter rem (IPTU, condomínio), pensão alimentícia, e na fiança em contrato de locação, entre outras hipóteses que detalhamos a seguir.
- O imóvel é residência da família (bem de família) ou é segundo imóvel/investimento?
- A dívida tem relação direta com o imóvel (ex.: IPTU/condomínio/financiamento/hipoteca) ou é genérica (cartão, empréstimo, fornecedor)?
- Há garantia contratual (ex.: alienação fiduciária) ou fiança locatícia prestada?
Impenhorabilidade do bem de família: conceito e limites
Bem de família legal (Lei 8.009/1990)
Como regra, é impenhorável o imóvel residencial da família, inclusive as benfeitorias e os móveis essenciais. A proteção se estende ao único imóvel locado para geração de renda usada na moradia. A lei não exige registro específico — basta a condição de residência.
Exceções clássicas à impenhorabilidade
- Financiamento do próprio imóvel (ex.: alienação fiduciária ou hipoteca): o bem pode ser levado a leilão se houver inadimplência, pois a dívida está lastreada no imóvel.
- Obrigações propter rem: IPTU e taxas condominiais permitem penhora do próprio imóvel, já que a dívida adere à coisa.
- Pensão alimentícia: créditos alimentares têm prioridade elevada; admite-se penhora do imóvel residencial, diante da natureza alimentar e da proteção da subsistência.
- Fiança em contrato de locação: o imóvel do fiador pode ser penhorado para garantir débito locatício, inclusive em locações comerciais, conforme entendimento consolidado.
- Indenizações por crime ou dano causados pelo devedor, quando expressamente previstas.
- Imóvel não usado para moradia, imóveis de alto padrão mantidos como investimento ou segundo imóvel sem função residencial: não se beneficiam da proteção legal do bem de família.
Bem de família voluntário (Código Civil)
É possível a instituição voluntária de bem de família por escritura pública e registro na matrícula, afetando patrimônio com fins de moradia e limitando sua penhorabilidade dentro dos limites legais (ex.: percentual do patrimônio ou valor).
- Pequena propriedade rural trabalhada pela família possui proteção especial.
- Impenhorabilidade relativa de instrumentos de trabalho (quando essenciais), que pode dialogar com a residência ocupada e usada também como local de trabalho.
- Direito de meação: em penhora sobre bem do casal, o cônjuge alheio à dívida deve ser intimado e resguardado quanto à sua parte.
Como a penhora de imóvel ocorre na prática
Ordem de preferência de penhora
O Código de Processo Civil estabelece uma ordem preferencial (dinheiro/depósito, títulos, veículos, imóveis, etc.). O juiz pode mitigar essa ordem se demonstrado que outra medida é menos onerosa ao devedor e efetiva ao credor. A penhora de imóvel tende a ocorrer quando numerários e bens móveis não são suficientes ou quando a própria dívida recai sobre o imóvel (propter rem/garantias).
Etapas usuais
- Citação/Intimação do devedor para pagamento, impugnação ou indicação de bens.
- Decisão de penhora e averbação na matrícula do imóvel (registro público), para dar publicidade e segurança a terceiros.
- Avaliação por perito/servidor, considerando estado, localização, ônus e mercado.
- Leilão eletrônico (1ª e 2ª praça): na primeira, lance mínimo costuma ser o valor da avaliação; na segunda, admite-se desconto, respeitados limites legais.
- Arrematação/adjudicação, com expedição de carta de arrematação, baixa de ônus (se aplicável) e imissão na posse.
- Exceção de impenhorabilidade (bem de família, pequena propriedade rural, nulidades).
- Excesso de penhora (valor muito acima do crédito) e substituição por bem menos gravoso.
- Fraude à execução: alienações posteriores à averbação da penhora podem ser ineficazes.
- Intimação do cônjuge/companheiro e proteção da meação.
Quem são os principais credores com chance real de alcançar o imóvel
Condomínio e Município
As dívidas de condomínio e IPTU se vinculam ao bem (propter rem), o que torna a penhora do próprio imóvel medida típica. Mesmo sendo residência da família, essas exceções à Lei 8.009/1990 têm largo reconhecimento.
Instituições financeiras e construtoras
Em financiamentos imobiliários (alienação fiduciária), a inadimplência leva à consolidação da propriedade e posterior leilão, observadas intimações pessoais e a purgação da mora nos prazos legais/contratuais.
Credores alimentares e locadores (via fiador)
Créditos de alimentos e fiadores de locação detêm precedência relevante. Para fiadores, o entendimento consolidado aceita a penhora do bem de família do fiador em caso de inadimplência do locatário.
Aspectos tributários, registrais e de avaliação
Ônus e averbações
A matrícula do imóvel pode conter hipoteca, alienação fiduciária, penhoras anteriores, usufruto e outras restrições. A ordem dos ônus reais influencia a preferência na satisfação do crédito. A averbação da penhora inibe novas alienações com eficácia perante terceiros.
Avaliação e liquidez
A avaliação considera padrão construtivo, localização, ocupação (locado/desocupado), benfeitorias e mercado. Em leilões, imóveis ocupados podem licitar por valores menores, exigindo, após a arrematação, medidas de desocupação e eventuais discussões sobre benfeitorias.
- Negociar acordos e parcelamentos (condomínio, IPTU, financiamento) antes da fase de expropriação.
- Manter contato atualizado para receber intimações e exercer defesas em tempo hábil.
- Organizar provas da residência familiar (contas, declaração de IR, matrícula) para invocar a proteção do bem de família quando cabível.
Gráfico ilustrativo — recorrência relativa por tipo de crédito que alcança o imóvel
Representação indicativa (não estatística) do peso relativo com que certos créditos costumam chegar à penhora do imóvel residencial.
Tópicos essenciais para credores e devedores
- Devedor: alegar impenhorabilidade com base na Lei 8.009/1990; comprovar residência; pleitear substituição por bem menos gravoso; fiscalizar avaliação e leilão; negociar.
- Credor: demonstrar exceção legal (propter rem, garantia real, alimentos, fiador); requerer averbação na matrícula; buscar leilão eletrônico, com publicidade adequada.
- Terceiros: compradores de boa-fé devem conferir a certidão atualizada da matrícula e verificar averbações antes de adquirir.
- Cônjuge/companheiro: tem direito a intimação e resguardo da meação; pode apresentar defesa própria.
Checklist rápido — antes do leilão
- Conferir regularidade da penhora (decisão, intimações, matrícula).
- Revisar avaliação e, se necessário, pedir revisão com provas de mercado.
- Verificar ônus anteriores, débitos de IPTU/condomínio e posse (ocupado/desocupado).
- Examinar edital do leilão: lances mínimos, comissões, condições de pagamento e prazos.
- Considerar acordo de última hora com cronograma de pagamento e suspensão da expropriação.
Conclusão
A penhora de imóvel é medida extrema, mas viável em situações previstas em lei, sobretudo quando a dívida está ligada ao próprio imóvel (IPTU, condomínio, financiamento/garantia real), envolve crédito alimentar ou decorre de fiança locatícia. A proteção do bem de família permanece como regra, impondo ao credor o ônus de demonstrar exceção aplicável. Para o devedor, agir cedo — negociando, comprovando residência e questionando eventuais irregularidades — é o melhor caminho para evitar a perda do patrimônio. Já o credor deve priorizar medidas efetivas e proporcionais, com atenção à publicidade dos atos e à segurança jurídica de terceiros. Um plano bem estruturado de prevenção e resposta reduz custos e litígios, assegurando equilíbrio entre satisfação do crédito e proteção da moradia.
Guia rápido — quando a penhora de imóvel pode acontecer
- Regra geral: o imóvel residencial da família é impenhorável (Lei 8.009/1990). A proteção alcança benfeitorias e móveis essenciais, e também o único imóvel locado quando a renda se destina à moradia do núcleo familiar.
- Exceções clássicas: dívidas propter rem (IPTU e condomínio), financiamento do próprio imóvel (hipoteca/alienação fiduciária), pensão alimentícia e fiança em contrato de locação podem levar o bem a leilão.
- Outras hipóteses: indenizações por dano/ilícito previsto em lei, penhora do bem do fiador (inclusive em locação comercial), e casos em que o imóvel não é residência da família (imóvel de investimento, casa vazia, segundo imóvel).
- Ordem de penhora no CPC: primeiro busca-se dinheiro; se insuficiente, alcançam-se outros bens (títulos, veículos, imóveis etc.). O juiz pode ajustar a ordem para medida menos gravosa e efetiva.
- Procedimento típico: decisão de penhora → averbação na matrícula → avaliação → leilão (1ª e 2ª praça) → arrematação/adjudicação e imissão na posse.
- Defesas comuns: alegar bem de família, pequena propriedade rural, excesso de penhora, substituição por bem menos oneroso, nulidades e proteção da meação.
- Boas práticas preventivas: negociar parcelamentos (condomínio/IPTU/financiamento), manter documentos que provem a residência, e responder intimações em prazo.
FAQ — Perguntas frequentes
1) Dívidas de cartão, empréstimo pessoal ou fornecedor podem penhorar minha casa?
Como regra, não, quando se trata do imóvel residencial da família. O credor deve buscar outros bens (outras casas/terrenos, veículos, contas, direitos). Contudo, se houver fraude, se o imóvel não for residência ou se o devedor tiver outros imóveis, a expropriação pode recair sobre eles.
2) Estou devendo condomínio e IPTU: o apartamento pode ir a leilão?
Sim. IPTU e taxas condominiais são obrigações propter rem: a dívida “gruda” na coisa. Mesmo sendo bem de família, a jurisprudência admite penhora e leilão para pagamento dessas obrigações.
3) Sou fiador de locação; meu único imóvel residencial pode ser penhorado?
Sim. O imóvel do fiador pode ser penhorado para quitar dívida locatícia, inclusive em locação comercial, entendimento já consolidado nos tribunais superiores. A recomendação é avaliar a fiança com cautela e exigir garantias alternativas quando possível.
4) Como funciona o leilão judicial do imóvel e o que posso fazer para evitar?
Após a averbação da penhora e a avaliação, realiza-se leilão eletrônico (1ª/2ª praça). Antes disso, é possível propor acordo, alegar impenhorabilidade, pedir substituição do bem e questionar excessos/irregularidades. A atuação tempestiva costuma ser decisiva para preservar o patrimônio.
Fundamentos legais e referências essenciais
- Lei 8.009/1990 — estabelece a impenhorabilidade do bem de família e lista exceções (financiamento do próprio imóvel, IPTU, condomínio, alimentos, fiança locatícia, entre outras).
- Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) — ordem de penhora (arts. 831–836), averbação na matrícula, avaliação, leilão eletrônico, adjudicação e imissão na posse; princípios da menor onerosidade e da efetividade.
- Código Civil (arts. 1.711–1.722) — bem de família voluntário (instituição por escritura e registro), limites e efeitos; regras sobre meação e ônus reais (hipoteca/alienação fiduciária).
- Execução fiscal e tributos imobiliários — Lei 6.830/1980 (procedimento), com ênfase em IPTU como obrigação propter rem.
- Constituição Federal — proteção da pequena propriedade rural trabalhada pela família (art. 5º, XXVI) e direito à moradia (art. 6º), compatibilizados com a tutela do crédito.
- Jurisprudência consolidada — validade da penhora do bem de família do fiador em contrato de locação; prevalência das exceções propter rem; possibilidade de alcance do imóvel em execução de alimentos.
Considerações finais
A penhora de imóvel é remédio excepcional, mas legítimo quando a dívida se enquadra nas exceções legais ou quando inexistem outros meios eficazes de satisfação do crédito. A regra do bem de família protege a moradia, porém IPTU, condomínio, financiamento com garantia real, alimentos e fiança locatícia figuram entre os cenários em que a casa pode ir a leilão. Para devedores, agir cedo — negociar, provar residência e alegar impenhorabilidade — costuma ser o caminho mais seguro. Para credores, seguir o rito com transparência e proporcionalidade assegura efetividade e segurança jurídica a todos os envolvidos.
Aviso importante
Este conteúdo é informativo e não substitui a análise individualizada por profissional habilitado. Cada caso depende do tipo de dívida, da existência de garantias, da situação registral do imóvel e dos atos processuais praticados. Consulte advogado(a) para avaliar riscos, defesas e alternativas de acordo antes de qualquer decisão.

