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Penhora de imóvel: quando ela pode acontecer e quais são as exceções à regra

Visão geral: quando a penhora de imóvel pode acontecer

A penhora de imóvel é medida executiva utilizada para satisfazer uma dívida reconhecida em título executivo judicial (sentença) ou extrajudicial (cheque, contrato, confissão de dívida, etc.). Embora a regra no processo civil seja a satisfação do crédito pelo patrimônio do devedor, a lei estabelece graus de proteção para a moradia familiar e outros bens. O ponto central é equilibrar o direito do credor ao recebimento com a dignidade do devedor e de sua família.

No Brasil, a impenhorabilidade do imóvel residencial do casal ou da entidade familiar — o chamado bem de família legal — decorre da Lei nº 8.009/1990. Essa proteção, porém, não é absoluta: existem exceções expressas na mesma lei e na jurisprudência consolidada, notadamente em dívidas com garantia real, obrigações propter rem (IPTU, condomínio), pensão alimentícia, e na fiança em contrato de locação, entre outras hipóteses que detalhamos a seguir.

QUADRO — Três perguntas para mapear risco de penhora

  1. O imóvel é residência da família (bem de família) ou é segundo imóvel/investimento?
  2. A dívida tem relação direta com o imóvel (ex.: IPTU/condomínio/financiamento/hipoteca) ou é genérica (cartão, empréstimo, fornecedor)?
  3. garantia contratual (ex.: alienação fiduciária) ou fiança locatícia prestada?

Impenhorabilidade do bem de família: conceito e limites

Bem de família legal (Lei 8.009/1990)

Como regra, é impenhorável o imóvel residencial da família, inclusive as benfeitorias e os móveis essenciais. A proteção se estende ao único imóvel locado para geração de renda usada na moradia. A lei não exige registro específico — basta a condição de residência.

Exceções clássicas à impenhorabilidade

  • Financiamento do próprio imóvel (ex.: alienação fiduciária ou hipoteca): o bem pode ser levado a leilão se houver inadimplência, pois a dívida está lastreada no imóvel.
  • Obrigações propter rem: IPTU e taxas condominiais permitem penhora do próprio imóvel, já que a dívida adere à coisa.
  • Pensão alimentícia: créditos alimentares têm prioridade elevada; admite-se penhora do imóvel residencial, diante da natureza alimentar e da proteção da subsistência.
  • Fiança em contrato de locação: o imóvel do fiador pode ser penhorado para garantir débito locatício, inclusive em locações comerciais, conforme entendimento consolidado.
  • Indenizações por crime ou dano causados pelo devedor, quando expressamente previstas.
  • Imóvel não usado para moradia, imóveis de alto padrão mantidos como investimento ou segundo imóvel sem função residencial: não se beneficiam da proteção legal do bem de família.

Bem de família voluntário (Código Civil)

É possível a instituição voluntária de bem de família por escritura pública e registro na matrícula, afetando patrimônio com fins de moradia e limitando sua penhorabilidade dentro dos limites legais (ex.: percentual do patrimônio ou valor).

QUADRO — Outras proteções constitucionais e legais

  • Pequena propriedade rural trabalhada pela família possui proteção especial.
  • Impenhorabilidade relativa de instrumentos de trabalho (quando essenciais), que pode dialogar com a residência ocupada e usada também como local de trabalho.
  • Direito de meação: em penhora sobre bem do casal, o cônjuge alheio à dívida deve ser intimado e resguardado quanto à sua parte.

Como a penhora de imóvel ocorre na prática

Ordem de preferência de penhora

O Código de Processo Civil estabelece uma ordem preferencial (dinheiro/depósito, títulos, veículos, imóveis, etc.). O juiz pode mitigar essa ordem se demonstrado que outra medida é menos onerosa ao devedor e efetiva ao credor. A penhora de imóvel tende a ocorrer quando numerários e bens móveis não são suficientes ou quando a própria dívida recai sobre o imóvel (propter rem/garantias).

Etapas usuais

  1. Citação/Intimação do devedor para pagamento, impugnação ou indicação de bens.
  2. Decisão de penhora e averbação na matrícula do imóvel (registro público), para dar publicidade e segurança a terceiros.
  3. Avaliação por perito/servidor, considerando estado, localização, ônus e mercado.
  4. Leilão eletrônico (1ª e 2ª praça): na primeira, lance mínimo costuma ser o valor da avaliação; na segunda, admite-se desconto, respeitados limites legais.
  5. Arrematação/adjudicação, com expedição de carta de arrematação, baixa de ônus (se aplicável) e imissão na posse.
Defesas e incidentes frequentes

  • Exceção de impenhorabilidade (bem de família, pequena propriedade rural, nulidades).
  • Excesso de penhora (valor muito acima do crédito) e substituição por bem menos gravoso.
  • Fraude à execução: alienações posteriores à averbação da penhora podem ser ineficazes.
  • Intimação do cônjuge/companheiro e proteção da meação.

Quem são os principais credores com chance real de alcançar o imóvel

Condomínio e Município

As dívidas de condomínio e IPTU se vinculam ao bem (propter rem), o que torna a penhora do próprio imóvel medida típica. Mesmo sendo residência da família, essas exceções à Lei 8.009/1990 têm largo reconhecimento.

Instituições financeiras e construtoras

Em financiamentos imobiliários (alienação fiduciária), a inadimplência leva à consolidação da propriedade e posterior leilão, observadas intimações pessoais e a purgação da mora nos prazos legais/contratuais.

Credores alimentares e locadores (via fiador)

Créditos de alimentos e fiadores de locação detêm precedência relevante. Para fiadores, o entendimento consolidado aceita a penhora do bem de família do fiador em caso de inadimplência do locatário.

Aspectos tributários, registrais e de avaliação

Ônus e averbações

A matrícula do imóvel pode conter hipoteca, alienação fiduciária, penhoras anteriores, usufruto e outras restrições. A ordem dos ônus reais influencia a preferência na satisfação do crédito. A averbação da penhora inibe novas alienações com eficácia perante terceiros.

Avaliação e liquidez

A avaliação considera padrão construtivo, localização, ocupação (locado/desocupado), benfeitorias e mercado. Em leilões, imóveis ocupados podem licitar por valores menores, exigindo, após a arrematação, medidas de desocupação e eventuais discussões sobre benfeitorias.

Boas práticas para evitar a penhora

  • Negociar acordos e parcelamentos (condomínio, IPTU, financiamento) antes da fase de expropriação.
  • Manter contato atualizado para receber intimações e exercer defesas em tempo hábil.
  • Organizar provas da residência familiar (contas, declaração de IR, matrícula) para invocar a proteção do bem de família quando cabível.

Gráfico ilustrativo — recorrência relativa por tipo de crédito que alcança o imóvel

Representação indicativa (não estatística) do peso relativo com que certos créditos costumam chegar à penhora do imóvel residencial.

Condomínio IPTU Financiamento (fiduciária/hipoteca) Pensão alimentícia

Tópicos essenciais para credores e devedores

  • Devedor: alegar impenhorabilidade com base na Lei 8.009/1990; comprovar residência; pleitear substituição por bem menos gravoso; fiscalizar avaliação e leilão; negociar.
  • Credor: demonstrar exceção legal (propter rem, garantia real, alimentos, fiador); requerer averbação na matrícula; buscar leilão eletrônico, com publicidade adequada.
  • Terceiros: compradores de boa-fé devem conferir a certidão atualizada da matrícula e verificar averbações antes de adquirir.
  • Cônjuge/companheiro: tem direito a intimação e resguardo da meação; pode apresentar defesa própria.

Checklist rápido — antes do leilão

  1. Conferir regularidade da penhora (decisão, intimações, matrícula).
  2. Revisar avaliação e, se necessário, pedir revisão com provas de mercado.
  3. Verificar ônus anteriores, débitos de IPTU/condomínio e posse (ocupado/desocupado).
  4. Examinar edital do leilão: lances mínimos, comissões, condições de pagamento e prazos.
  5. Considerar acordo de última hora com cronograma de pagamento e suspensão da expropriação.

Conclusão

A penhora de imóvel é medida extrema, mas viável em situações previstas em lei, sobretudo quando a dívida está ligada ao próprio imóvel (IPTU, condomínio, financiamento/garantia real), envolve crédito alimentar ou decorre de fiança locatícia. A proteção do bem de família permanece como regra, impondo ao credor o ônus de demonstrar exceção aplicável. Para o devedor, agir cedo — negociando, comprovando residência e questionando eventuais irregularidades — é o melhor caminho para evitar a perda do patrimônio. Já o credor deve priorizar medidas efetivas e proporcionais, com atenção à publicidade dos atos e à segurança jurídica de terceiros. Um plano bem estruturado de prevenção e resposta reduz custos e litígios, assegurando equilíbrio entre satisfação do crédito e proteção da moradia.

Guia rápido — quando a penhora de imóvel pode acontecer

  • Regra geral: o imóvel residencial da família é impenhorável (Lei 8.009/1990). A proteção alcança benfeitorias e móveis essenciais, e também o único imóvel locado quando a renda se destina à moradia do núcleo familiar.
  • Exceções clássicas: dívidas propter rem (IPTU e condomínio), financiamento do próprio imóvel (hipoteca/alienação fiduciária), pensão alimentícia e fiança em contrato de locação podem levar o bem a leilão.
  • Outras hipóteses: indenizações por dano/ilícito previsto em lei, penhora do bem do fiador (inclusive em locação comercial), e casos em que o imóvel não é residência da família (imóvel de investimento, casa vazia, segundo imóvel).
  • Ordem de penhora no CPC: primeiro busca-se dinheiro; se insuficiente, alcançam-se outros bens (títulos, veículos, imóveis etc.). O juiz pode ajustar a ordem para medida menos gravosa e efetiva.
  • Procedimento típico: decisão de penhora → averbação na matrícula → avaliação → leilão (1ª e 2ª praça) → arrematação/adjudicação e imissão na posse.
  • Defesas comuns: alegar bem de família, pequena propriedade rural, excesso de penhora, substituição por bem menos oneroso, nulidades e proteção da meação.
  • Boas práticas preventivas: negociar parcelamentos (condomínio/IPTU/financiamento), manter documentos que provem a residência, e responder intimações em prazo.
Dica expressa: a proteção do bem de família é regra, mas não é absoluta. Se a dívida estiver ligada ao próprio imóvel (propter rem/garantia real) ou for alimentícia, o risco de penhora é significativamente maior.

FAQ — Perguntas frequentes

1) Dívidas de cartão, empréstimo pessoal ou fornecedor podem penhorar minha casa?

Como regra, não, quando se trata do imóvel residencial da família. O credor deve buscar outros bens (outras casas/terrenos, veículos, contas, direitos). Contudo, se houver fraude, se o imóvel não for residência ou se o devedor tiver outros imóveis, a expropriação pode recair sobre eles.

2) Estou devendo condomínio e IPTU: o apartamento pode ir a leilão?

Sim. IPTU e taxas condominiais são obrigações propter rem: a dívida “gruda” na coisa. Mesmo sendo bem de família, a jurisprudência admite penhora e leilão para pagamento dessas obrigações.

3) Sou fiador de locação; meu único imóvel residencial pode ser penhorado?

Sim. O imóvel do fiador pode ser penhorado para quitar dívida locatícia, inclusive em locação comercial, entendimento já consolidado nos tribunais superiores. A recomendação é avaliar a fiança com cautela e exigir garantias alternativas quando possível.

4) Como funciona o leilão judicial do imóvel e o que posso fazer para evitar?

Após a averbação da penhora e a avaliação, realiza-se leilão eletrônico (1ª/2ª praça). Antes disso, é possível propor acordo, alegar impenhorabilidade, pedir substituição do bem e questionar excessos/irregularidades. A atuação tempestiva costuma ser decisiva para preservar o patrimônio.

Fundamentos legais e referências essenciais

  • Lei 8.009/1990 — estabelece a impenhorabilidade do bem de família e lista exceções (financiamento do próprio imóvel, IPTU, condomínio, alimentos, fiança locatícia, entre outras).
  • Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) — ordem de penhora (arts. 831–836), averbação na matrícula, avaliação, leilão eletrônico, adjudicação e imissão na posse; princípios da menor onerosidade e da efetividade.
  • Código Civil (arts. 1.711–1.722)bem de família voluntário (instituição por escritura e registro), limites e efeitos; regras sobre meação e ônus reais (hipoteca/alienação fiduciária).
  • Execução fiscal e tributos imobiliários — Lei 6.830/1980 (procedimento), com ênfase em IPTU como obrigação propter rem.
  • Constituição Federal — proteção da pequena propriedade rural trabalhada pela família (art. 5º, XXVI) e direito à moradia (art. 6º), compatibilizados com a tutela do crédito.
  • Jurisprudência consolidada — validade da penhora do bem de família do fiador em contrato de locação; prevalência das exceções propter rem; possibilidade de alcance do imóvel em execução de alimentos.
Como usar os fundamentos: identifique a natureza da dívida, verifique se há garantia real ou vínculo propter rem, comprove o uso residencial e, se for o caso, invoque a impenhorabilidade. Para credores, demonstre a exceção legal e observe a publicidade/regularidade de todos os atos.

Considerações finais

A penhora de imóvel é remédio excepcional, mas legítimo quando a dívida se enquadra nas exceções legais ou quando inexistem outros meios eficazes de satisfação do crédito. A regra do bem de família protege a moradia, porém IPTU, condomínio, financiamento com garantia real, alimentos e fiança locatícia figuram entre os cenários em que a casa pode ir a leilão. Para devedores, agir cedo — negociar, provar residência e alegar impenhorabilidade — costuma ser o caminho mais seguro. Para credores, seguir o rito com transparência e proporcionalidade assegura efetividade e segurança jurídica a todos os envolvidos.

Aviso importante

Este conteúdo é informativo e não substitui a análise individualizada por profissional habilitado. Cada caso depende do tipo de dívida, da existência de garantias, da situação registral do imóvel e dos atos processuais praticados. Consulte advogado(a) para avaliar riscos, defesas e alternativas de acordo antes de qualquer decisão.

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