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Entenda a lei com clareza – Understand the Law with Clarity

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Direito de família

Partilha de Bens no Divórcio: regras, exceções e exemplos práticos

Partilha de bens no divórcio é o momento em que o patrimônio do casal é dividido após o fim do vínculo conjugal. Para saber o que entra e o que fica de fora, o ponto de partida é sempre o regime de bens adotado e as provas sobre a origem de cada bem ou dívida.

Este guia prático explica, em linguagem simples, as regras centrais, as exceções mais comuns e situações que costumam gerar dúvida — como FGTS, verbas trabalhistas, imóvel financiado, heranças e doações, dívidas e o que mudou para quem tem mais de 70 anos. Use como referência rápida para organizar documentos, calcular meação e evitar erros na hora de negociar ou ajuizar a partilha.

1) O que determina a partilha

Três perguntas resolvem 80% dos casos:

  • Qual foi o regime de bens? Comunhão parcial (padrão), comunhão universal, separação (convencional ou obrigatória) ou participação final nos aquestos.
  • Quando o bem foi adquirido e com que dinheiro? Antes ou na constância do casamento/união; com recursos comuns, particulares ou sub-rogados (troca de um bem particular por outro).
  • Há documentos? Matrícula de imóvel, contratos, notas fiscais, extratos bancários, comprovantes de transferência, comprovantes de FGTS, recibos de parcelas, contratos sociais etc.

Quanto melhor a prova de data e origem, mais simples será chegar à divisão correta.

2) Comunhão parcial de bens (regra padrão)

É o regime que vale para quem não fez pacto por escrito. Em resumo:

  • Entra na partilha: bens adquiridos onerosamente durante o casamento/união, ainda que em nome de um só (imóveis, veículos, aplicações, direitos aquisitivos, quotas adquiridas, benfeitorias e frutos dos bens comuns e particulares percebidos na constância).
  • Fica de fora: bens que cada cônjuge já possuía ao casar; bens recebidos por doação ou herança (e os que os substituem por sub-rogação); dívidas anteriores; obrigações por ato ilícito (salvo se reverterem em proveito da família); bens de uso pessoal e instrumentos de profissão; proventos do trabalho de cada um; pensões e rendas semelhantes.

Traduzindo: se o bem foi comprado com esforço econômico durante a vida em comum, tende a ser comunicável. Se veio por herança/doação ou já era do cônjuge, tende a ser incomunicável (salvo os frutos, que costumam se comunicar).

2.1 Casos recorrentes dentro da comunhão parcial

Imóvel comprado durante o casamento. Regra geral: entra na partilha, mesmo que esteja apenas no nome de um. A lei presume esforço comum.

Imóvel financiado. Quando ainda não está quitado, o que se partilha são os direitos aquisitivos proporcionais às parcelas pagas durante a união. Em termos práticos: divide-se o que foi efetivamente desembolsado no período conjugal, e não, automaticamente, 100% do valor do bem. Quem permanecer com o imóvel normalmente indeniza o outro pela metade do que foi pago na constância, ajustando também quem seguirá responsável pelo saldo do financiamento.

Imóvel adquirido antes do casamento com parcelas pagas depois. Em regra, não se partilha a propriedade total; partilham-se as parcelas quitadas durante a união (ou a valorização resultante de investimento comum), mediante comprovação.

FGTS. Os saldos e depósitos gerados durante a constância costumam integrar o patrimônio comum e, portanto, entram na partilha. Depósitos anteriores ao casamento/união tendem a ser incomunicáveis. Se o FGTS foi usado para comprar um imóvel, analisa-se a origem: valores anteriores ao casamento em regra não geram meação, enquanto depósitos da constância sim.

Verbas trabalhistas (férias, 13º, horas extras, PLR, indenizações, diferenças salariais, ações trabalhistas): quando nascem e são pleiteadas na constância do casamento/união, a orientação majoritária é de que se comunicam, mesmo que o recebimento ocorra depois. Se se referirem a período anterior ao casamento, em regra, são particulares.

Herança e doações. O bem herdado/doado é, por regra, incomunicável. Porém, os frutos (aluguéis, rendimentos) percebidos na constância tendem a se comunicar, salvo se a liberalidade trouxe cláusula de incomunicabilidade que alcance também os frutos.

Sub-rogação. Se um bem particular (herdado/doado/antecedente ao casamento) é vendido e o valor é aplicado na compra de outro, o novo bem continua particular na proporção dos recursos particulares utilizados — sobretudo quando isso fica expressamente comprovado nos documentos e na matrícula.

Veículos e bens móveis. Presume-se que foram adquiridos na constância; se não houver prova de data anterior, entram na partilha.

Cotas/ações de empresa. Se adquiridas onerosamente durante a união, comunicam-se os direitos econômicos (valor, lucros), ainda que a administração permaneça com o titular. Se a empresa já existia antes, avaliam-se aportes e incrementos com dinheiro comum.

3) Dívidas: quando entram na partilha

Regra prática: dívidas feitas para o lar, manutenção, saúde, educação, moradia e despesas comuns são, em princípio, comunicáveis.

Também se comunicam as dívidas de administração do patrimônio comum. Já as dívidas particulares (anteriores ao casamento, derivadas de ato ilícito, ou assumidas em proveito exclusivo de um cônjuge) tendem a não integrar a divisão. O ponto-chave é a prova de que a dívida reverteu — ou não — em benefício da família.

4) Separação de bens: convencional x obrigatória

No regime de separação convencional (escolhido por pacto), cada cônjuge conserva patrimônio separado. Não há, em regra, comunicação dos bens adquiridos na constância, salvo prova de sociedade de fato, mistura de patrimônios ou outras hipóteses excepcionais.

No regime de separação obrigatória (casos previstos em lei), por muito tempo vigorou a leitura de que os aquestos (bens onerosos da constância) se comunicavam — a famosa Súmula 377. A jurisprudência recente, porém, pede prova do esforço comum e admite pacto mais restritivo para afastar essa comunicação. Em termos práticos: se o casal estava na separação obrigatória e não firmou pacto restringindo os aquestos, o cônjuge interessado precisa comprovar contribuição relevante para partilhar.

Atenção para quem tem 70 anos ou mais: hoje, é possível afastar a obrigatoriedade da separação de bens por escritura pública/pacto — isto é, escolher outro regime —, respeitando a autonomia das partes. Sem essa manifestação formal, aplica-se a separação legal.

5) Comunhão universal e participação final nos aquestos

Comunhão universal: comunicam-se, em regra, todos os bens, presentes e futuros, e todas as dívidas, com exceções pontuais (doações/heranças com cláusula de incomunicabilidade, por exemplo). É regime que exige pacto por escritura.

Participação final nos aquestos: durante o casamento, o patrimônio de cada um permanece separado. Na dissolução, cada cônjuge tem direito à metade dos bens adquiridos onerosamente pelo casal na constância. Na prática, apura-se o montante dos aquestos de cada lado, compensando-se as diferenças. É um regime mais técnico, que demanda contabilidade e boa documentação.

6) União estável: regra patrimonial

Na união estável, se não houver contrato escrito definindo regime, aplicam-se, no que couber, as regras da comunhão parcial. Logo, as mesmas lógicas de entrada/saída, frutos, sub-rogação, FGTS, trabalhista e dívidas se replicam.

7) Situações que geram dúvida

Bem adquirido no namoro. Se a compra (ou a contratação do financiamento) aconteceu antes do casamento/união, com recursos exclusivos de um, em regra não entra na partilha. O que pode entrar são parcelas/benfeitorias** pagas durante a união**, se houver prova.

Conta conjunta com saldo misto. Aplica-se a presunção de esforço comum para valores formados na constância. Entradas claramente particulares (herança/doação) devem ser segregadas e provadas para não comunicarem.

Previdência privada, seguros e planos. A análise muda conforme o tipo de plano e a fase (acumulação x recebimento). Muitos tribunais tratam VGBL/PGBL como investimento quando há resgate durante a união. Por prudência, avalie o regulamento e reforce a prova da origem dos aportes.

Empresas e valorização. Se a sociedade existia antes, e o outro cônjuge provou aportes/gestão com recursos comuns, é possível discutir meação sobre o incremento (lucros, dividendos, valorização por investimento comum). Exige perícia e contabilidade.

Bem “em nome de terceiro”. Se houver indícios de ocultação/simulação (pagamento com dinheiro comum, posse exclusiva do casal, ausência de causa), é possível pedir desconsideração ou reconhecimento de propriedade para integrar o bem à partilha.

8) Passo a passo para organizar a partilha

1. Liste todos os bens (imóveis, móveis, veículos, saldos bancários, cripto, investimentos, FGTS, aplicações, quotas, direitos aquisitivos, benfeitorias) com datas e valores.

2. Separe documentos de origem (matrículas, contratos, escrituras, notas, extratos, comprovantes de pagamento, guias de FGTS, guias de ITBI, contratos sociais, declarações de IR).

3. Classifique cada item como comunicável ou incomunicável conforme o regime, a origem e a prova.

4. Em financiamentos, calcule as parcelas pagas na constância e os encargos cobertos com recursos comuns. Defina quem fica com o bem e quem indeniza a diferença.

5. Inclua dívidas relacionadas a encargos da família e patrimônio comum. Exclua as pessoais, salvo prova de proveito da família.

6. Some frutos e rendimentos (aluguéis, juros, dividendos) percebidos na constância.

7. Monitore alterações patrimoniais após a separação de fato: a data em que cessa a convivência costuma ser o marco para fechar a conta dos aquestos.

9) Divórcio com ou sem partilha imediata

O divórcio pode ser decretado mesmo sem partilha. Isso dá agilidade para encerrar o vínculo e tratar do patrimônio depois. No divórcio consensual em cartório, sem filhos menores ou incapazes, a partilha pode ser feita na mesma escritura ou deixada para momento posterior (com as cautelas de estilo). No judicial, a sentença pode decretar o divórcio de imediato e o processo seguir apenas com a fase patrimonial.

Dica prática: quando a partilha ficar para depois, faça um protocolo de preservação (proibição de venda sem ciência do outro, registro de indisponibilidade quando couber, guarda de documentos), para evitar dissipação de bens.

10) Como calcular a meação — exemplos rápidos

Exemplo A — Imóvel quitado. Casa comprada durante o casamento por R$ 400 mil, escritura no nome de um só. Salvo exceção, é comum. Meação: R$ 200 mil para cada um (descontadas dívidas e ajustes).

Exemplo B — Imóvel financiado. Apartamento de R$ 300 mil financiado em 120 parcelas. Casamento durou 60 parcelas, pagas com recursos do casal. Partilha: divide-se o valor efetivamente pago (60 parcelas + acessórios), e quem ficar com o bem assume o saldo e indemniza o outro pela metade do desembolso comum.

Exemplo C — FGTS. Depósitos de FGTS realizados na constância: entram na conta da meação. Depósitos anteriores ao casamento: regra de incomunicabilidade, salvo se houver mistura inequívoca com patrimônio comum e ausência de prova de origem.

Exemplo D — Verbas trabalhistas. Ação ajuizada e créditos reconhecidos por período trabalhado na constância: tendem a ser partilháveis, ainda que o pagamento ocorra depois do divórcio.

11) Checklist final para não errar

  • Regime de bens bem identificado (certidão, pacto/contrato).
  • Data da separação de fato definida (provas).
  • Relação completa de bens e dívidas com origem e comprovantes.
  • Financiamentos: planilha de parcelas pagas na constância + saldo.
  • FGTS e trabalhista: extratos, decisões e períodos a que se referem.
  • Heranças/doações: instrumentos com cláusulas (incomunicabilidade/comunicabilidade) e controle de frutos.
  • Empresas: contratos sociais, balanços, distribuição de lucros.
  • Medidas de preservação quando a partilha ficar para depois.

12) Perguntas rápidas

Posso perder o direito se não partilhar agora? A tendência é reconhecer a partilha como direito potestativo (sem prazo decadencial/prescricional) — mas a demora aumenta o risco de dissipação e litígios. Evite protelar sem cautelas.

Quem tem mais de 70 anos é obrigado à separação? Hoje, a autonomia permite escolher outro regime por escritura/pacto. Sem manifestação, aplica-se a separação legal, e a comunicação dos aquestos depende de prova do esforço comum — podendo ser afastada por pacto mais restritivo.

Posso ficar com o imóvel e “pagar” a parte do outro? Sim. Normalmente, calcula-se a meação, descontam-se as dívidas e faz-se a equalização com dinheiro, cessão de outro bem ou ajuste no financiamento.

Tenho direito a metade de tudo? Nem sempre. Em comunhão parcial, a meação recai sobre bens onerosos da constância. Bens anteriores, heranças/doações e itens particulares ficam fora, salvo exceções específicas (frutos, sub-rogação, prova de esforço comum em separação obrigatória, etc.).

13) Conclusão

A partilha justa nasce da combinação entre regra legal, prova da origem e boa técnica de cálculo. Documente tudo, classifique bens e dívidas com calma e, quando necessário, busque acordo objetivo com planilha na mão. Assim você reduz conflito, evita nulidades e sai com uma divisão que respeita a lei e a história patrimonial do casal.

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