Direito civil

Obrigações Facultativas x Alternativas: Como Diferenciar e Evitar Erros Contratuais

Conceito geral e por que a distinção importa

No Direito das Obrigações, confundir obrigações facultativas com obrigações alternativas traz efeitos práticos relevantes sobre risco, inadimplemento, perdas e danos, mora e provas. Embora ambas envolvam mais de uma prestação descrita no instrumento, sua estrutura jurídica é profunda e tecnicamente distinta. A alternativa está positivada no Código Civil brasileiro (arts. 252 a 256 do CC/2002); a facultativa é construção doutrinária e jurisprudencial: nela, apenas uma prestação é devida, havendo outra(s) apenas como faculdade de substituição do devedor. A seguir, mapeamos diferenças, consequências e aplicações contratuais, com quadros, exemplos e fluxos de decisão.

Obrigação alternativa: múltiplas prestações são devidas, mas basta executar uma

Estrutura e regra de escolha

  • duas ou mais prestações igualmente devidas (pagar X ou entregar Y ou fazer Z).
  • O devedor se libera com o cumprimento de uma delas (princípio da unidade de cumprimento), salvo estipulação diversa.
  • Em regra, a escolha compete ao devedor (art. 252, caput), podendo as partes convencionar que seja do credor ou de terceiro.
  • A partir do momento em que a escolha é declarada e comunicada (ou definida por sentença), opera-se a concentração (concentratio): a obrigação se converte em simples, com a prestação eleita.

Perecimento e alocação de risco

  • Se todas as prestações se tornam impossíveis sem culpa do devedor, extingue-se a obrigação (art. 256, caput).
  • Se o perecimento de todas ocorre com culpa do devedor, há perdas e danos (art. 256, parágrafo único).
  • Se uma das prestações perece sem culpa, subsistem as demais; com culpa do devedor, o credor pode exigir qualquer das remanescentes ou perdas e danos referentes à que pereceu, complementados, se necessário, pela prestação devida (interpretação sistemática dos arts. 252-256 combinados com regras gerais de responsabilidade).

Mora e exigibilidade

  • Enquanto não houver concentração, não se pode exigir uma prestação específica; exige-se o cumprimento de qualquer delas. A mora se configura quando, convocado a escolher, o devedor não o faz ou, tendo escolhido, não cumpre a eleita.
  • Se a escolha for do credor e ele se omite, o devedor pode constituí-lo em mora (arts. 400 e 395, por analogia), ou ajuizar ação de arbitramento de escolha.
Quadro 1 — Radiografia da obrigação alternativa

  • Natureza: várias prestações devidas; cumpre-se uma.
  • Escolha: devedor (regra), salvo convenção.
  • Concentração: após a eleição, vira obrigação simples.
  • Risco: perecimento sem culpa → extingue; com culpa → perdas e danos.
  • Execução: até a concentração, não cabe exigir entrega de item específico, mas sim “cumprir uma das prestações”.

Obrigação facultativa: apenas uma prestação é devida; outra é faculdade do devedor

Estrutura e regra de substituição

  • Apenas uma prestação é objeto da obrigação (ex.: pagar R$ 50.000,00).
  • O contrato confere ao devedor a faculdade de cumprir por prestações diversas (ex.: entregar o veículo em substituição ao pagamento), a seu exclusivo critério.
  • O credor não pode exigir a prestação facultativa; somente a principal.
  • Se o devedor opta pela substituição, opera-se uma conversão liberatória pelo adimplemento do equivalente.

Risco e consequências do perecimento

  • Se a prestação principal perece sem culpa do devedor, extingue-se a obrigação (caso fortuito/força maior), pois era a única devida.
  • Se a prestação principal perece com culpa do devedor, ele responde por perdas e danos (arts. 389 e 393 CC).
  • Se perece a prestação facultativa (a de substituição), nada se altera: o devedor segue obrigado à principal; não há perdas e danos pelo perecimento da facultativa, ainda que com culpa, porque ela não era devida.

Mora e exigibilidade

  • O credor pode exigir imediatamente a prestação principal no vencimento.
  • O devedor entra em mora se não adimplir a principal; a oferta da facultativa, feita após a mora, depende da anuência do credor (boa-fé e vedação ao comportamento contraditório podem modular a resposta).
Quadro 2 — Radiografia da obrigação facultativa

  • Natureza: somente uma prestação é devida; outra é substitutiva e opcional ao devedor.
  • Direito do credor: exigir apenas a principal.
  • Risco: perecimento da facultativa não gera perdas e danos; o do objeto principal, sim (se houver culpa).
  • Exemplo típico: “Devo R$ 50 mil; poderei entregar o automóvel X em substituição”.

Comparação direta ponto a ponto

Aspecto Alternativa Facultativa
Objeto Várias prestações devidas; cumpre-se uma. Uma prestação devida; outra(s) apenas substitutiva(s).
Escolha Devedor (regra), salvo convenção; pode ser do credor/terceiro. Somente o devedor decide usar a facultativa; credor não pode exigir.
Concentração Após a eleição, converte-se em obrigação simples. Não há “concentração”; há substituição se o devedor optar.
Risco (perecimento sem culpa) Se todas perecem: extingue. Se uma perece: subsistem as outras. Se perece a principal: extingue. Se perece a facultativa: nada muda.
Risco (culpa do devedor) Perdas e danos se todas perecem com culpa; ou opção do credor. Perdas e danos apenas se perece a principal com culpa.
Execução específica Antes da escolha, exige-se “cumprir uma”; depois, exige-se a eleita. Exige-se apenas a principal; a substituição depende do devedor.

Exemplos comentados (contratos e casos práticos)

1) Compra e venda com obrigação alternativa

Cláusula: “O vendedor entregará o lote A ou o lote B, à escolha do vendedor, no prazo de 60 dias”. Aqui, ambos os lotes são devidos, mas a execução de um libera a obrigação. Se o lote B for desapropriado sem culpa do vendedor, ainda subsiste a prestação do lote A; se ambos forem tornados impossíveis sem culpa, a obrigação se extingue. Com culpa do vendedor no perecimento de ambos, responde por perdas e danos.

2) Confissão de dívida com obrigação facultativa

Cláusula: “O devedor pagará R$ 120.000,00 em 10 parcelas; poderá, a seu exclusivo critério, dação do veículo X em substituição, até a data do vencimento da última parcela”. A utilidade prática: dar ao devedor uma válvula de liquidez. Se o veículo acidentar-se e perecer por culpa do devedor, o credor não pode pleitear perdas e danos pelo carro; mantém-se o direito ao dinheiro e às sanções por atraso (multa, juros). Se o dinheiro (prestação principal) torna-se inexigível por caso fortuito que extinga a obrigação (hipótese rara), o credor nada mais pode exigir.

3) Empreitada com alternativa técnica

Cláusula: “O empreiteiro executará a contenção por estacas hélice ou por parede diafragma, a seu critério técnico”. Trata-se de obrigação alternativa, pois ambas as prestações de fazer são devidas, sendo a escolha técnica do devedor. Uma vez eleito o método, há concentração.

4) Seguro com faculdade de reposição in natura

Em algumas apólices, a seguradora pode (faculdade) repor o bem in natura em lugar de indenizar em dinheiro. No plano obrigacional com o segurado, isso se assemelha a facultativa para o devedor (seguradora): a prestação principal é a indenização; a entrega de bem equivalente é opção dela, não direito do segurado, salvo estipulação contrária.

Como redigir cláusulas sem ambiguidade

  • Use verbos claros: alternativa (“ou”, “à escolha de”) x facultativa (“poderá cumprir em substituição por…”).
  • Defina o titular da escolha e se há prazo para exercer a faculdade (data-limite para eleição).
  • Alinhe riscos: prever como se trata o perecimento de bens antes da concentração (alternativa) e antes do exercício da faculdade (facultativa).
  • Trate de mora: notificação de escolha; efeitos de atraso; possibilidade de execução específica da eleita.
  • Preveja equivalência econômica quando a substituição envolver bens; isso evita discussões de enriquecimento sem causa.
Quadro 3 — Cláusulas-modelo (sugestões de redação)

Alternativa (escolha do devedor): “As partes ajustam que a obrigação do Devedor poderá ser cumprida mediante a entrega do Bem A ou do Bem B, à escolha do Devedor, a ser comunicada ao Credor por escrito até __/__/____; realizada a escolha, a obrigação se concentrará na prestação eleita.”

Facultativa: “O Devedor se obriga ao pagamento de R$ ___ até __/__/____, podendo, a seu exclusivo critério e até a data do vencimento, cumprir em substituição pela entrega do Bem X, livre de ônus.”

Fluxo visual para identificar o tipo de obrigação

Há várias prestações devidas? Sim Não

Alternativa

Facultativa

Pergunta-chave: o credor pode exigir qualquer das prestações? Se sim → Alternativa (antes da escolha). Se não → Facultativa. Risco: perecimento da facultativa não gera perdas e danos; na alternativa, risco redistribuído conforme culpa e número de prestações.

Pergunta de ouro: o credor pode exigir qualquer prestação? Se não, há boa chance de ser obrigação facultativa.

Efeitos em garantias, execução e provas

  • Garantias reais e fidejussórias: descreva o objeto da garantia em termos compatíveis com a estrutura. Ex.: em confissão com obrigação facultativa, a garantia normalmente incide sobre a prestação principal (dinheiro); se a substituição ocorrer, pactue sub-rogação automática da garantia para o objeto entregue.
  • Execução: na alternativa sem escolha, peticione para que o devedor cumpra “uma das prestações” ou, não o fazendo, para que o juiz concentre em uma delas (quando a escolha couber ao devedor e ele se omite). Na facultativa, execute apenas a principal.
  • Provas: preserve notificações de escolha, comunicações de perecimento e laudos de avaliação, pois elas definem marcos de concentração e a culpa em eventuais perdas e danos.

Erros frequentes (e como evitá-los)

  • Redação ambígua (“poderá entregar A ou B”) — mistura verbos de faculdade com estrutura de alternativa. Solução: escolha uma técnica e mantenha coerência.
  • Exigir a facultativa como se fosse direito do credor — não é. O credor só pode exigir a principal.
  • Esquecer da concentração: em alternativa, depois da eleição não é mais possível “voltar atrás” sem concordância.
  • Ignorar o risco: perecimento da facultativa com culpa do devedor não gera perdas e danos; planeje isso economicamente.

Aplicações setoriais onde a distinção faz diferença

Mercado imobiliário

Distratos e remanejamentos de unidades costumam enunciar múltiplos apartamentos como opções de entrega (alternativa). Já em renegociações, a dação do imóvel em substituição a saldo devedor é técnica facultativa do devedor.

Contratos de tecnologia e SaaS

Planos que permitem upgrade ou downgrade como substituição de pagamento em dinheiro (credits) são casos típicos de facultativa, se a contraprestação principal é o dinheiro. Se a obrigação é entregar “módulo X ou módulo Y”, temos alternativa.

Construção e EPC

Alternativas técnicas na especificação de materiais ou métodos (com desempenho equivalente) são alternativas. Já a possibilidade de quitar saldo com equipamentos usados, a critério do empreiteiro, é facultativa.

Conclusão

A distinção entre obrigação facultativa e obrigação alternativa não é meramente acadêmica: define quem escolhe, o que se pode exigir em juízo, como se alocam riscos de perecimento e qual o regime de perdas e danos. Em resumo: na alternativa, várias prestações são devidas e a escolha (em regra do devedor) leva à concentração; na facultativa, só uma prestação é devida, havendo opção substitutiva exclusiva do devedor, que o credor não pode impor. Redações claras, coerentes com os efeitos desejados, evitam litígios e tornam contratos mais eficientes. Com esses critérios e os quadros acima, é possível qualificar corretamente a obrigação e tomar decisões seguras sobre mora, execução e responsabilidade.

FAQ — Obrigações facultativas e alternativas

O que distingue a obrigação alternativa da facultativa?

Na alternativa, duas ou mais prestações são devidas, e o devedor se libera cumprindo uma (CC, arts. 252–256). Na facultativa, apenas uma prestação é devida; o devedor tem a faculdade de substituí-la por outra, que o credor não pode exigir (construção doutrinária com aplicação pelos arts. 389 e 393 sobre responsabilidade e caso fortuito).

Quem faz a escolha na obrigação alternativa e quando ocorre a concentração?

Regra geral, a escolha é do devedor (art. 252), podendo as partes transferi-la ao credor ou a terceiro. Uma vez declarada e comunicada, opera-se a concentração, convertendo-se a obrigação em simples com a prestação eleita (interpretação conjunta dos arts. 252 e 255 CC).

Como fica o risco de perecimento em cada tipo?

Na alternativa, se todas as prestações se tornam impossíveis sem culpa do devedor, a obrigação se extingue; se com culpa, há perdas e danos (art. 256). Na facultativa, o perecimento da prestação substitutiva não altera nada (não era devida); o perecimento culposo da principal gera perdas e danos (arts. 389, 393 CC).

O credor pode exigir a prestação facultativa?

Não. O credor só pode exigir a prestação principal. A entrega da facultativa é opção do devedor até o limite contratual. Exigir a substituta só é possível se houver conversão pactuada ou se o devedor já tiver exercido a faculdade e comunicado a eleição (aplicação da boa-fé objetiva e vedação ao comportamento contraditório).

Como proceder em execução e mora?

Na alternativa, antes da escolha, pede-se que o devedor cumpra uma das prestações ou que o juiz concentre quando o devedor se omite. Na facultativa, executa-se apenas a principal; oferta tardia da substituta depende de anuência do credor (arts. 395, 400 CC por analogia à mora).


Base técnica — Fontes legais

  • Código Civil (Lei 10.406/2002):
    • Arts. 252 a 256 — disciplina das obrigações alternativas (escolha, concentração, perecimento e perdas e danos).
    • Art. 389 — perdas e danos, juros, atualização e honorários no inadimplemento.
    • Art. 393 — caso fortuito e força maior (excludente de responsabilidade).
    • Arts. 395 e 400 — mora do devedor e do credor (aplicáveis por analogia para constituição em mora/omissão na escolha).
  • Doutrina clássica (conceituação da obrigação facultativa e distinção da alternativa), com acolhimento jurisprudencial na prática contratual e executiva.

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