Salário-Maternidade: STF Confirma a Não Incidência de Contribuição Previdenciária e Muda Regras da Folha
Não incidência de contribuição previdenciária sobre o salário-maternidade: o que já está decidido, o que ainda está em disputa e como parametrizar a folha com segurança
O salário-maternidade é um benefício previdenciário pago à segurada (e, em hipóteses legais, ao segurado) durante o afastamento por nascimento, adoção ou guarda para fins de adoção. Apesar de sua ampla aplicação prática, por anos houve controvérsia sobre a incidência de contribuição previdenciária. Hoje, após o Tema 72 do STF, há uma linha mestra: é inconstitucional a contribuição previdenciária patronal (da empresa) sobre o salário-maternidade. Continua, porém, em debate a contribuição a cargo da segurada, objeto do Tema 1.274 do STF. Este guia consolida fundamentos, jurisprudência, efeitos práticos e um roteiro de compliance para departamentos de pessoal e jurídico trabalhista/fiscal. 0
- Patronal (empresa): não incide sobre o salário-maternidade — tese vinculante do STF (Tema 72/RE 576.967). Sistemas oficiais (eSocial) foram adaptados. 1
- Cota da segurada: discussão pendente de julgamento final no STF (Tema 1.274). Há decisões nos tribunais que afastam, por simetria com a patronal, mas o desfecho ainda depende do Supremo. 2
- Natureza jurídica: o salário-maternidade é benefício previdenciário substitutivo, não remuneração por trabalho prestado durante o período de afastamento. 3
O que é o salário-maternidade e por que sua natureza importa para o tributo
Previsão legal e finalidade protetiva
O benefício está previsto na Lei 8.213/1991 (Lei de Benefícios), arts. 71 a 73, e garante renda à segurada afastada em razão de parto, adoção ou guarda para fins de adoção. A função é protetiva: assegurar manutenção do sustento sem exigir prestação de trabalho no período. 4
Substituição salarial ≠ contraprestação por trabalho
Durante a licença, não há serviço, logo não há contraprestação laboral. O pagamento tem natureza previdenciária, distinta do salário “trabalho-por-pagamento”. Essa distinção foi central para o STF afastar a incidência patronal: benefício não se confunde com remuneração, e o art. 195, I, “a”, da CF (folha de salários) não alcança a verba. 5
O julgamento do STF (Tema 72): o que exatamente foi decidido
Tese fixada e fundamentos
No RE 576.967 (Tema 72), o Supremo Tribunal Federal firmou a tese: “É inconstitucional a incidência da contribuição previdenciária a cargo do empregador sobre o salário-maternidade.” O fundamento foi duplo: (i) a verba não é contraprestação por trabalho; (ii) tributar o empregador nessa hipótese tensiona o princípio da isonomia e pode desestimular a contratação de mulheres, criando viés por motivo biológico. A decisão tem repercussão geral (efeito vinculante). 6
Repercussão operacional: adequações no eSocial
Após o julgamento, o governo atualizou o eSocial para refletir a não incidência patronal, ajustando cálculos e incidências nas rubricas. Departamentos de folha devem conferir eventos e históricos para mitigar inconsistências em períodos de transição. 7
- Antes: muitas empresas incluíam salário-maternidade na base da contribuição patronal.
- Depois: exclusão do salário-maternidade da base patronal; revisar parametrização; avaliar restituição/compensação de valores recolhidos nos últimos 5 anos, se aplicável.
- Ponto de atenção: documentar fundamento (acórdão do STF) e logs de sistema para auditorias. 8
Contribuição da segurada (empregada/avulsa): qual é a controvérsia atual
Tema 1.274 do STF: o que está em discussão
O STF reconheceu repercussão geral para examinar a constitucionalidade da incidência da contribuição previdenciária a cargo da empregada sobre o salário-maternidade pago pela Previdência Social. Ou seja, a pergunta é: a cota da trabalhadora pode ser exigida sobre essa verba? O mérito ainda não foi definitivamente concluído (acompanhar andamento). 9
Argumentos simétricos e práticas atuais
Há decisões em instâncias inferiores afastando o desconto da segurada, por simetria com a tese patronal: se não é salário para a empresa, também não deveria integrar o salário-de-contribuição da segurada. Contudo, há julgados em sentido diverso, e órgãos administrativos historicamente admitiram a incidência com base no art. 28 da Lei 8.212/1991 (definição de salário-de-contribuição), cuja redação foi utilizada por anos para justificar a inclusão — um dos pontos que o STF enfrentará no Tema 1.274. Até decisão final, a orientação deve ser lastreada em parecer jurídico e política de risco da empresa. 10
Base legal indispensável para o mapeamento de rubricas
Lei 8.213/1991 — Benefícios
Os arts. 71 a 73 tratam do salário-maternidade, definindo prazos, cálculo e hipóteses (parto, adoção, guarda). O INSS mantém página oficial com síntese das regras e fluxo de requerimento. 11
Lei 8.212/1991 — Custeio
O art. 28 disciplina o salário-de-contribuição. Parte da redação (que equiparava o salário-maternidade a salário-de-contribuição) foi neutralizada na prática pelo Tema 72 para a cota patronal e está sob escrutínio no Tema 1.274 quanto à cota da segurada. Para parametrizar sistemas, recomenda-se referenciar o acórdão do STF e manter o dispositivo legal na pasta técnica, indicando a superveniência jurisprudencial. 12
- CF/88, art. 195, I, “a” (base constitucional da contribuição sobre folha);
- Lei 8.213/1991, arts. 71 a 73 (conceito, carência, cálculo do salário-maternidade); 13
- Lei 8.212/1991, art. 28 (salário-de-contribuição — observar leitura pós-Tema 72 e pendência do Tema 1.274); 14
- STF, Tema 72 (não incidência patronal); STF, Tema 1.274 (cota da segurada, pendente). 15
- eSocial: notas oficiais de adequação da regra. 16
Impactos práticos na folha: como parametrizar com governança
Estrutura de eventos e rubricas
- Crie rubricas dedicadas: “Salário-maternidade (benefício)”, “Complemento de salário-maternidade (empresa cidadã)”, “Diferenças de salário-maternidade (retroativo)”.
- Para a cota patronal, indique não incidência (apoio no Tema 72 + nota do eSocial).
- Para a cota da segurada, defina política (manter incidência até decisão final; ou afastar mediante parecer jurídico e provisão de risco). Registre a decisão no manual de folha com a justificativa e estratégia de contingência.
- Nas integrações contábil-fiscais, ajuste centros de custo para rastrear impacto financeiro do benefício após a mudança jurisprudencial.
Restituição/compensação e prova
Empresas que recolheram contribuição patronal sobre salário-maternidade nos últimos cinco anos podem avaliar restituição/compensação. Construa dossiê: extratos de GFIP/eSocial, contracheques, memórias de cálculo, e fundamentação no Tema 72. Em regimes com litigância prévia, observe trânsito em julgado e modulações, se houver. 17
- Diagnóstico: levante todas as rubricas de salário-maternidade dos últimos 60 meses.
- Classificação: separe por tipo (benefício INSS, complemento empresa cidadã, diferenças).
- Incidências: remova a patronal sobre o benefício; documente a política para a cota da segurada enquanto o Tema 1.274 não se define. 18
- Compliance documental: anexe cópia dos links oficiais do STF e eSocial.
- Contencioso/Crédito: avalie via jurídico/tributário a viabilidade de compensação administrativa.
“Gráfico” de risco de incidência por cenário (leitura visual rápida)
Barras curtas = baixo risco de incidência; barras largas = risco/controvérsia. Base: Tema 72 (STF), Tema 1.274 (em andamento) e notas oficiais. 19
Estudos de caso (situações reais de folha e DP)
Caso A — Empresa manteve incidência patronal após 12/2020
Problema: rubrica não foi atualizada e a empresa continuou recolhendo contribuição patronal. Correção: reprocessar períodos, ajustar rubrica e compensar os recolhimentos indevidos com base no Tema 72 + comprovantes do eSocial. Dica: teste regressivo por amostragem para reduzir esforço de conferência e formalize nota técnica. 20
Caso B — Política de afastar desconto da segurada
Cenário: empresa decide não descontar a cota da segurada enquanto o STF não conclui o Tema 1.274. Gestão de risco: crie parecer jurídico, comunique à auditoria, mantenha provisão e reserva contábil para eventual passivo. Atualize o manual de folha e informe a colaboradora do racional.
Caso C — Empresa mantém desconto da segurada até decisão final
Cenário: por prudência, segue a prática histórica (art. 28/L 8.212) até o STF decidir. Gestão de risco: inclua cláusula de estorno/ajuste caso sobrevenha decisão definitiva pela não incidência; preserve logs e cálculos para restituições individuais. 21
Perguntas táticas que você deve responder no seu ambiente
- Qual política interna será adotada para a cota da segurada até o julgamento do Tema 1.274? (Afastar com parecer? Manter com provisão?) 22
- Os eventos do eSocial já estão parametrizados para excluir a patronal do salário-maternidade? 23
- Há créditos recuperáveis dos últimos 5 anos? Os documentos estão completos?
- Como será tratada a prorrogação (Empresa Cidadã) e eventuais diferenças complementares pagas pela empresa? 24
- O time está orientado para segregar benefício x remuneração em todas as situações (inclusive afastamentos em sequência, estabilidade etc.)? 25
Conclusão
A paisagem jurídica sobre o salário-maternidade hoje tem um ponto pacífico e um ponto em aberto. O pacífico: não incide contribuição previdenciária patronal sobre a verba (Tema 72 do STF), com efeitos operacionais já absorvidos pelos sistemas oficiais (eSocial). O ponto em aberto: a contribuição da segurada, cuja definição final virá com o julgamento do Tema 1.274. Enquanto isso, a boa governança recomenda (i) parametrização correta das rubricas; (ii) dossiê probatório para eventuais compensações; (iii) política interna clara e documentada para a cota da segurada, calibrada pelo apetite de risco e pelo acompanhamento processual. Assim, DP, jurídico e fiscal falam a mesma língua e blindam a organização contra autuações e perdas de crédito fiscal, ao mesmo tempo em que asseguram o direito das trabalhadoras e a compliance com a jurisprudência constitucional vigente. 26
GUIA RÁPIDO — NÃO INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE SALÁRIO-MATERNIDADE
- O que já está pacificado: a contribuição patronal (da empresa) não incide sobre o salário-maternidade, por se tratar de benefício previdenciário substitutivo e não de contraprestação por trabalho (tese de repercussão geral do STF, Tema 72).
- O que ainda está em debate: a contribuição a cargo da segurada (empregada) sobre o salário-maternidade está sob análise no STF (Tema 1.274). Há decisões afastando e outras mantendo a incidência; defina política interna com parecer jurídico.
- Prática de folha: rubricas separadas (“Salário-maternidade/INSS”, “Complemento Empresa Cidadã”, “Diferenças/Retroativo”), indicando não incidência patronal e a política adotada para a cota da segurada.
- Crédito/compensação: quem recolheu patronal sobre salário-maternidade nos últimos 5 anos pode avaliar restituição/compensação com dossiê (GFIP/eSocial, contracheques, memória de cálculo e fundamentação no Tema 72).
- Governança: registrar nota técnica, atualizar manuais de folha, treinar DP/contábil e monitorar o andamento do Tema 1.274.
Cenário | Natureza | Contribuição Patronal | Contribuição da Segurada |
Salário-maternidade (benefício INSS) | Benefício substitutivo (sem trabalho) | Não incide (STF Tema 72) | Em debate (STF Tema 1.274) |
Complemento Empresa Cidadã | Regra específica do programa | Avaliar política fiscal e orientações oficiais | Seguir a mesma política definida para a segurada |
FAQ — Perguntas frequentes
1) A empresa ainda deve recolher contribuição sobre salário-maternidade?
Não. O STF fixou tese de repercussão geral (Tema 72) afastando a contribuição patronal sobre o salário-maternidade, por não se tratar de remuneração por trabalho e sim de benefício previdenciário.
2) A contribuição da própria trabalhadora incide?
Esse ponto está pendente de decisão definitiva (Tema 1.274). Há decisões afastando a incidência por simetria com a patronal; outras a mantêm. Defina política interna (afastar/mantê-la com provisão) respaldada em parecer jurídico e mantenha documentação.
3) Como parametrizar a folha/eSocial após o Tema 72?
Crie rubrica específica “Salário-maternidade (benefício INSS)” com não incidência patronal, ajuste integrações contábeis e revise períodos passados. Guarde prints, XMLs e memórias de cálculo para auditoria e eventual compensação.
4) Posso recuperar valores recolhidos indevidamente?
Sim, em regra pelo prazo de 5 anos (decadência/prescrição), mediante compensação ou restituição, com dossiê (GFIP/eSocial, contracheques, guias e fundamentação na tese do STF).
5) E o complemento da Empresa Cidadã integra a base?
Trate como rubrica separada e observe orientações oficiais do programa e da Receita. Em muitas políticas, acompanha a natureza do benefício — mas valide a base legal e o entendimento fiscal vigente na sua esfera de atuação.
6) O salário-maternidade compõe o cálculo do FGTS?
O FGTS tem regramento próprio. Em licenças com afastamento remunerado, há cenários em que o depósito é mantido; verifique normas e orientações administrativas aplicáveis ao seu caso.
7) Quais documentos devo manter para comprovar a não incidência?
Nota técnica interna citando a tese do STF, prints e arquivos do eSocial, memórias de cálculo, contracheques e planilha de auditoria por competência.
8) Como lidar com fiscalizações e divergências regionais?
Tenha a pasta técnica com a tese do STF (Tema 72), políticas internas aprovadas e o histórico de parametrização. Em caso de autuação, apresente o dossiê e solicite revisão com base no entendimento vinculante.
9) O que muda se o STF decidir pela não incidência também para a segurada?
Se o Tema 1.274 firmar tese de não incidência, ajuste a rubrica, pare o desconto e avalie estorno/ressarcimento dos descontos realizados, seguindo o rito e prazos legais.
10) E se a empresa optar por manter o desconto da segurada até o julgamento?
É uma decisão de gestão de risco. Mantenha parecer jurídico, registre provisão contábil e informe a política no manual de folha, prevendo mecanismo de ajuste retroativo se o STF decidir pela não incidência.
REFERENCIAL NORMATIVO E JURISPRUDENCIAL (nome alternativo à “Base técnica”)
- Constituição Federal, art. 195, I, “a” (contribuição sobre a folha; não se aplica a benefício que não é contraprestação por trabalho).
- Lei 8.213/1991 (Benefícios), arts. 71 a 73: definição do salário-maternidade, requisitos, duração e cálculo; proteção à maternidade.
- Lei 8.212/1991 (Custeio), art. 28: salário-de-contribuição — leitura conforme a tese do STF (Tema 72) e observação do Tema 1.274 para a cota da segurada.
- STF — Tema 72 (RE 576.967): inconstitucional a incidência da contribuição patronal sobre o salário-maternidade (benefício substitutivo, não remuneração).
- STF — Tema 1.274: repercussão geral reconhecida sobre a contribuição da segurada — julgamento pendente.
- eSocial: notas/ofícios que adequaram o sistema para excluir a patronal do salário-maternidade; utilizar como suporte operacional.
AVISO E DESPEDIDA — Este material foi elaborado para oferecer orientação técnica e facilitar a parametrização de folha à luz do entendimento constitucional vigente. Ele não substitui a análise individualizada de profissionais habilitados (advocacia, contabilidade e departamento de pessoal), sobretudo porque há pontos pendentes de julgamento no STF e particularidades normativas/operacionais que podem alterar o tratamento no seu caso concreto. Quando em dúvida, busque parecer jurídico e valide a política com o seu compliance.