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Terço de Férias e Contribuição Previdenciária: Quando Incide e Quando Não Incide Segundo o STF

Não incidência de contribuição previdenciária sobre o terço de férias: onde (de fato) ela existe — e onde não existe

“Não incide contribuição previdenciária sobre o terço de férias” é uma frase que, isolada, não é universalmente verdadeira. O que o ordenamento brasileiro construiu foi um mosaico de regras e precedentes que distinguem: (i) o regime do trabalhador/empregado (RGPS) e o regime próprio dos servidores (RPPS); (ii) a situação de férias gozadas versus férias indenizadas (não usufruídas); e (iii) a natureza da contribuição (a cargo do segurado/servidor ou a patronal, devida pelo empregador). Este artigo organiza esse quadro para que você saiba, com segurança, quando há não incidência — e quando há incidência. 0

QUADRO-CHAVE — VISÃO GERAL

  • RPPS (servidores estatutários): não incide contribuição previdenciária do servidor sobre verbas não incorporáveis à aposentadoria, como o terço de férias. (Tese de Repercussão Geral do STF, Tema 163). 1
  • RGPS (empregados/celetistas): férias gozadas: o STF (Tema 985) firmou ser legítima a incidência da contribuição previdenciária patronal sobre o terço de férias gozadas; já o terço de férias indenizadas (férias não usufruídas) está expressamente fora do salário-de-contribuição pela Lei 8.212/1991 (art. 28, §9º, “d”). 2
  • Regra de ouro: indenizações (ex.: férias não gozadas e seu terço) não sofrem contribuição; parcelas remuneratórias habituais tendem a sofrer, especialmente no RGPS. 3

RPPS (servidores estatutários): por que o terço de férias não integra a base de contribuição

Para os servidores vinculados ao Regime Próprio de Previdência Social, o Supremo Tribunal Federal fixou, no Tema 163 da repercussão geral, a diretriz de que não incide contribuição previdenciária sobre verbas de natureza não incorporável aos proventos de aposentadoria — e isso inclui o terço constitucional de férias. A razão é simples: se a verba não repercute na renda previdenciária futura, não há justificativa constitucional para tributá-la na fase ativa. Resultado prático: estados e municípios com RPPS devem excluir o terço da base do servidor, bem como outras parcelas de igual natureza. 4

QUADRO — EXEMPLOS TÍPICOS (SERVIDOR RPPS)

  • Férias gozadas (servidor estatutário): não incide contribuição do servidor sobre o terço, por não se incorporar à aposentadoria (Tema 163/STF). 5
  • Férias indenizadas (servidor estatutário): igualmente não incide, pois se trata de parcela indenizatória (sem habitualidade e sem reflexo no benefício). 6

RGPS (empregados/celetistas): férias gozadas x férias indenizadas — o que muda

1) Férias gozadas e o terço constitucional

No setor privado (e nos entes que contratam sob a CLT), a discussão ganhou um capítulo relevante com o Tema 985/STF, que enfrentou a contribuição previdenciária patronal (a devida pelo empregador). O STF fixou a tese de que “é legítima a incidência de contribuição social sobre o valor satisfeito a título de terço constitucional de férias gozadas” — ou seja, enquanto o trabalhador efetivamente descansa as férias e percebe o adicional, a verba assume feição remuneratória e integra a base da contribuição patronal. 7

Importante: o precedente do STF mira a contribuição a cargo do empregador. Para a contribuição do empregado, a leitura majoritária após o Tema 985 alinha a natureza remuneratória do terço quando as férias são gozadas, sem prejuízo de que normas de custeio e decisões futuras ajustem pormenores. Já para as verbas indenizatórias, o próprio texto legal afasta a incidência (veja abaixo). 8

2) Férias indenizadas e o terço correspondente

Quando as férias não são usufruídas (rescisão de contrato, por exemplo), o pagamento em pecúnia possui caráter indenizatório. A Lei 8.212/1991 exclui expressamente do salário-de-contribuição as férias indenizadas e o respectivo adicional constitucional (art. 28, §9º, “d”), o que afasta a contribuição para o RGPS nessa hipótese. Se houver “dobra” de férias (art. 137 da CLT), o dispositivo também a excepciona. 9

TABELA RESUMO — RGPS

Hipótese Natureza Contribuição (empregador) Contribuição (empregado)
Férias gozadas + 1/3 Remuneratória Em regra, incide (Tema 985/STF) Tende a incidir, por natureza remuneratória das férias gozadas (interpretação alinhada ao custeio)
Férias indenizadas + 1/3 Indenizatória Não incide (Lei 8.212/1991, art. 28, §9º, “d”) Não incide (mesmo fundamento)
Obs.: discussões sobre modulação/efeitos do Tema 985 podem afetar períodos pretéritos — acompanhe o caso concreto. 10

Roteiro prático para departamentos de pessoal/folha

  • Identifique o regime: se o vínculo é RPPS, parta da não incidência sobre o terço (Tema 163/STF); se for RGPS, diferencie férias gozadas (regra de incidência patronal) de indenizadas (não incidência legal). 11
  • Classifique o evento de folha com rubricas distintas para: “Férias gozadas”, “Terço de férias (gozadas)”, “Férias indenizadas”, “Terço indenizado”. O mapeamento correto evita autuações.
  • Base legal nas rubricas: para indenizadas, referencie art. 28, §9º, ‘d’, da Lei 8.212/1991 (e “dobra” do art. 137/CLT). Para gozadas (RGPS), referencie Tema 985/STF quando se tratar de contribuição patronal. 12
  • Reprocessamento/recuperação: se houve recolhimento indevido sobre férias indenizadas (ou terço indenizado), avalie compensação/restituição com base em documentos e escrituração. 13

“Gráfico rápido” — Risco de incidência por situação

RPPS — Terço de férias (gozadas ou indenizadas)

RGPS — Férias indenizadas + terço

RGPS — Férias gozadas + terço (contribuição do empregador)

Leitura: barras curtas = baixo risco (não incidência consolidada); barras longas = alto risco (incidência consolidada). 14

Casos especiais e fronteiras frequentes

  • Abono pecuniário (“venda” de 1/3 das férias): diferencie abono de indenização. Em geral, a construção legal/jurisprudencial afasta a incidência quando a parcela assume caráter indenizatório e está excepcionada no art. 28, §9º; confira rubrica e documentos do caso concreto. 15
  • Empresas públicas/sociedades de economia mista: empregados regidos pela CLT → siga a lógica RGPS; se houver estatutários, aplique o roteiro RPPS.
  • Modulação e efeitos pretéritos: decisões do STF podem modular efeitos (ex.: a partir de marcos temporais). Em disputas fiscais, examine o período discutido e o andamento do Tema 985. 16
  • Auditoria e autos de infração: mantenha pasta técnica por rubrica com a base legal e cópias de decisões (Temas 163/985, Lei 8.212/1991, art. 28, §9º) para resposta rápida à fiscalização. 17

“Mapa mental” do compliance: 5 passos para não errar na folha

  1. Identifique o regime e a natureza da verba (RPPS x RGPS; gozadas x indenizadas).
  2. Cheque a base legal (Lei 8.212/1991, art. 28, §9º; CLT art. 137) e a jurisprudência aplicável (Temas 163 e 985). 18
  3. Parametrize a folha com códigos distintos e tratamentos tributários coerentes.
  4. Documente (prints de sistemas, memórias de cálculo, notas técnicas) para fins de auditoria.
  5. Monitore mudanças de entendimento (modulações, portarias, pareceres) em diários oficiais e órgãos de cúpula. 19

Estudos de caso (ilustrações práticas)

Caso A — Município (RPPS) paga contribuição sobre terço de férias do servidor

Situação: RPPS local recolhe contribuição do servidor sobre o terço de férias gozadas. Análise: violação do Tema 163/STF. Providência: ajuste de rubricas e avaliação de restituição de contribuições indevidas no prazo decadencial; emissão de nota técnica e retificação da base. 20

Caso B — Indústria (RGPS) paga férias indenizadas na rescisão e recolhe contribuição

Situação: rescisão com férias não gozadas e terço indenizado. Lei 8.212/1991 (art. 28, §9º, “d”) exclui a verba do salário-de-contribuição. Providência: reprocessar a folha e compensar o indevido; ajustar eventos e manuais internos. 21

Caso C — Empresa (RGPS) questiona contribuição patronal sobre terço de férias gozadas

Situação: empresa sustenta natureza indenizatória do terço durante férias gozadas. Tema 985/STF consolidou a incidência patronal. Providência: manter o recolhimento, controlar eventual modulação e reservar documentação jurídica para períodos pretéritos. 22

Conclusão

Hoje, “não incidência sobre o terço de férias” é uma assertiva verdadeira em dois cenários centrais: (i) para servidores vinculados a RPPS (à luz do Tema 163/STF, por não se tratar de verba incorporável à aposentadoria); e (ii) para férias indenizadas no RGPS (Lei 8.212/1991, art. 28, §9º, “d”, que alcança o terço indenizado e a dobra). Por outro lado, há incidência, via de regra, na contribuição patronal sobre o terço das férias gozadas no RGPS, conforme o Tema 985/STF. A chave é classificar corretamente regime, natureza e rubrica: assim você evita autuação, corrige recolhimentos e dá segurança ao seu cálculo de folha. 23

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