Mensalidades escolares: como identificar reajustes abusivos e exigir seus direitos
Mensalidades escolares, reajustes e proteção do consumidor
As mensalidades escolares de instituições privadas de ensino (educação infantil, ensino fundamental, médio, cursos técnicos, EAD e faculdades) são uma das maiores despesas das famílias brasileiras e, por isso, o legislador criou um conjunto de regras para evitar aumentos arbitrários, cobranças escondidas e práticas abusivas. A lógica é simples: como a educação privada é um serviço essencial para o desenvolvimento do aluno, mas oferecido em regime de mercado, o consumidor precisa ter previsibilidade e transparência para planejar o ano letivo.
O principal marco legal do tema é a Lei nº 9.870/1999, que dispõe sobre o valor total das anuidades escolares e sobre a forma de reajuste. Essa lei convive com o Código de Defesa do Consumidor (CDC), que continua se aplicando aos contratos educacionais. Isso significa que, além de seguir a lei específica, a escola precisa respeitar os princípios de informação clara, boa-fé, equilíbrio contratual e proibição de práticas abusivas (arts. 6º e 39, CDC).
Na prática, porém, muitas instituições descumprem essas regras, aplicando aumentos sem justificativa, criando taxas paralelas, repassando custos de forma integral ao aluno ou mudando o valor no meio do período letivo. É aí que surge o conflito: o que pode e o que não pode na hora de reajustar a mensalidade?
Regras básicas do reajuste
- A escola deve informar o valor da anuidade ou semestralidade com antecedência mínima de 45 dias do período de matrícula.
- O reajuste deve se basear na variação de custos e na projeção de despesas.
- Durante o ano letivo, não pode haver aumento aleatório de mensalidade.
- Descontos promocionais podem ser retirados, mas isso deve estar claramente previsto.
- Cláusula de “reajuste a critério da instituição” é abusiva.
1. O que é anuidade e o que é mensalidade escolar
A Lei 9.870/99 deixa claro que o que a escola efetivamente cobra é a anuidade (ou semestralidade) — ou seja, o valor total do curso naquele período. Esse valor pode ser parcelado em 12 vezes (ou em 6, no caso de semestralidade). Logo, a mensalidade é apenas uma fração da anuidade. Por isso, a lei exige que a escola apresente o valor global do ano e não apenas o valor da parcela. Isso evita que a escola altere o número de parcelas ao longo do ano, aumentando o valor que o aluno terá que pagar.
Exemplo: se a escola informa que a anuidade será de R$ 12.000,00, ela pode dividir em 12 parcelas de R$ 1.000,00. Mas não pode, sem justificativa, no meio do ano, transformar isso em 13 parcelas. A única exceção são as instituições de ensino superior com disciplinas avulsas e carga horária variável, mas mesmo assim deve haver contrato claro.
2. Quando o reajuste é permitido
De acordo com o art. 1º da Lei 9.870/99, o valor da anuidade escolar pode ser ajustado a cada período letivo com base na variação de custos da instituição (salários, encargos trabalhistas, manutenção, tecnologia, segurança, alimentação, material pedagógico) e na projeção de gastos para o ano seguinte. O que isso significa na prática?
- A escola pode reajustar uma vez por ano.
- O reajuste deve ser prévio e justificado.
- O reajuste deve ser comunicado com antecedência mínima de 45 dias antes do período de matrícula ou rematrícula.
- O reajuste não precisa seguir, necessariamente, o índice de inflação; pode ser maior que o IPCA, desde que consiga comprovar o aumento de custo.
O que a lei não permite é o reajuste “porque sim”, sem base de cálculo, sem memória de custos, sem aviso. Essa é uma das maiores causas de reclamação nos Procons.
Documentos que os pais podem pedir
- Planilha de composição de custos (despesas de pessoal, manutenção, investimentos).
- Memória de cálculo do reajuste.
- Cópia do contrato educacional com cláusula de reajuste.
- Regulamento interno com previsão de descontos e bolsas.
Se a escola se recusar a apresentar, o caso pode ser levado ao Procon ou ao Ministério Público.
3. Práticas abusivas mais comuns
O Código de Defesa do Consumidor, em especial os arts. 39 e 51, considera abusivas as cláusulas que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou que permitam ao fornecedor alterar unilateralmente o preço. Nos contratos escolares, isso aparece de várias formas:
- Reajuste sem aviso: o pai descobre o novo valor apenas na hora de pagar.
- Reajuste com índice vago: “será aplicado índice de mercado” — cláusula aberta.
- Cobrança de taxas não informadas (taxa de material, taxa de laboratório, taxa de agenda) para disfarçar reajuste.
- Retirada de desconto sem prévia ciência do responsável.
- Diferenciação injustificada de valores entre alunos do mesmo curso e período.
- Exigência de compra de material apenas de fornecedor indicado pela escola.
Todas essas práticas podem ser contestadas. A escola pode até criar taxas específicas, mas deve prever no contrato e deixar claro que são opcionais, quando for o caso.
4. Descontos, bolsas e reajuste
Muitas instituições atraem alunos oferecendo descontos promocionais (ex.: 20% de bolsa para quem se matricular até tal data). Depois, no ano seguinte, o aluno se surpreende porque o desconto “sumiu” ou porque o valor foi reajustado sem o desconto. Em princípio, é lícito à escola fixar descontos condicionados (por data, pontualidade, número de filhos, convênios). Porém, essa condição precisa estar muito explícita no contrato.
Se o desconto foi apresentado como permanente (“desconto para todo o curso”, “bolsa até o fim do ensino médio”), a retirada posterior pode ser considerada alteração unilateral e, portanto, abusiva.
5. Reclamações de pais e responsáveis (exemplo)
Procons estaduais apontam que os principais motivos de queixa sobre mensalidades são:
| Motivo | % aproximado |
|---|---|
| Reajuste sem justificativa | 30% |
| Taxas extras não previstas | 22% |
| Perda de desconto ou bolsa | 18% |
| Diferença de valor entre alunos | 15% |
| Mudança de turno/local com aumento | 15% |
Esses dados (ilustrativos) mostram que a maioria dos problemas é de comunicação e transparência, não necessariamente de impossibilidade de reajustar.
Como o responsável pode reagir
- Pedir por escrito a planilha de custos e o cálculo do reajuste.
- Negociar diretamente com a escola — muitas cedem para não perder o aluno.
- Registrar reclamação no Procon se não houver transparência.
- Se houver cobrança indevida, pedir devolução (repetição do indébito) com base no CDC, art. 42, parágrafo único.
- Em casos coletivos (muitas famílias afetadas), comunicar o Ministério Público.
Conclusão
Reajuste de mensalidade escolar não é proibido no Brasil. O que é proibido é o reajuste sem critério, sem aviso e sem justificativa. A escola deve mostrar ao pai que os custos aumentaram e que o novo valor é necessário para manter o padrão do ensino. Por outro lado, o consumidor tem direito de saber exatamente quanto vai pagar e de recusar cobranças que não estavam previstas. Onde há informação clara e contrato bem feito, há menos conflito.
Quando a instituição insiste em aumentos abusivos, a recomendação é buscar os canais de defesa: Procon, plataformas oficiais de reclamação e, por fim, o Judiciário. Em muitos casos, o simples questionamento já faz a escola rever o índice ou diluir o reajuste ao longo do ano.
Guia rápido
- As mensalidades escolares seguem a Lei nº 9.870/1999 e o Código de Defesa do Consumidor (CDC).
- O reajuste deve ter justificativa comprovada e ser informado 45 dias antes da rematrícula.
- Durante o ano letivo, não pode haver aumento arbitrário no valor da mensalidade.
- Taxas extras e materiais devem estar previstos no contrato e ser opcionais quando possível.
- O aluno é consumidor e tem direito à informação, transparência e equilíbrio contratual.
- Reajuste baseado apenas em “índice de mercado” sem planilha é abusivo.
- Multas, juros e descontos devem seguir critérios claros e proporcionais.
- O responsável pode pedir planilha de custos para verificar o aumento.
- Se o reajuste for abusivo, é possível reclamar no Procon ou Juizado Especial Cível.
- A escola deve manter documentação contábil disponível para fiscalização.
1. O reajuste da mensalidade pode ocorrer a qualquer momento?
Não. A Lei nº 9.870/1999 determina que o reajuste só pode ocorrer uma vez por ano e deve ser comunicado com antecedência mínima de 45 dias antes do início do período letivo.
2. Quais critérios a escola deve usar para justificar o aumento?
O reajuste deve refletir a variação dos custos da instituição (salários, manutenção, tecnologia, impostos). O aumento sem comprovação é considerado abusivo pelo CDC.
3. É permitido reajuste maior que a inflação?
Sim, desde que comprovado com planilhas de custo e documentação disponível para consulta. Sem essa base, o reajuste é ilegal.
4. A escola pode criar taxas extras fora do contrato?
Não. Qualquer cobrança precisa estar expressa no contrato. Taxas criadas depois (como de “infraestrutura” ou “manutenção”) sem previsão são abusivas (art. 39, CDC).
5. Posso exigir que a escola mostre a planilha de custos?
Sim. O responsável financeiro tem direito de solicitar a composição do reajuste, conforme prevê a Lei nº 9.870/1999, art. 1º, §2º. A negativa pode ser denunciada ao Procon.
6. O que fazer se o reajuste for abusivo?
O consumidor pode registrar reclamação no Procon ou no consumidor.gov.br. Persistindo o problema, cabe ação judicial para redução do valor e devolução de quantias indevidas.
7. Bolsas e descontos podem ser retirados?
Somente se a condição estiver claramente descrita como temporária. Caso contrário, retirar o benefício é alteração unilateral do contrato, prática vedada pelo CDC.
8. O reajuste pode ocorrer em cursos EAD?
Sim, mas as regras são as mesmas: precisa ser anual, transparente e justificado. Problemas na plataforma EAD não podem ser usados como desculpa para novos acréscimos.
9. Como proceder se houver diferença de valor entre alunos do mesmo curso?
Descontos promocionais são permitidos, mas discriminação injustificada entre alunos é vedada pelo princípio da isonomia contratual.
10. Há penalidade para a escola que descumpre as regras?
Sim. O Procon pode aplicar multas administrativas e o Ministério Público pode instaurar ação civil pública. O aluno pode buscar indenização por danos materiais e morais.
Base normativa e técnica
- Lei nº 9.870/1999 – regula valores de anuidades e mensalidades escolares e obriga justificativa para reajustes.
- Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) – arts. 6º, 39 e 51, sobre transparência, prática abusiva e equilíbrio contratual.
- Lei nº 9.394/1996 – estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
- Entendimento do STJ (REsp 1.109.343/SP) – define que aumentos sem critério configuram abuso.
- Procon e Senacon – orientam que reajustes devem estar acompanhados de planilha contábil.
Considerações finais
O reajuste de mensalidades escolares é um direito da instituição, mas dentro de limites claros. O consumidor deve ser informado com antecedência e pode exigir a planilha de custos. A transparência evita abusos e garante equilíbrio financeiro tanto para a escola quanto para as famílias. Sempre que houver dúvida ou cobrança indevida, busque orientação jurídica ou os órgãos de defesa do consumidor.
Essas informações têm caráter educativo e não substituem a análise profissional de um advogado ou especialista em direito do consumidor e contratos educacionais.
