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Limites da penhora em conta bancária: o que pode e o que não pode ser bloqueado

Limites da penhora em conta bancária: como funciona, o que é impenhorável e como defender valores

A penhora de valores em conta bancária é um dos meios executivos mais eficazes do processo civil contemporâneo. Com o SisbaJud (sistema que sucedeu o BacenJud), o bloqueio ocorre de forma eletrônica e imediata, permitindo ao juízo localizar e constritar ativos do devedor em poucas horas. A eficiência, contudo, convive com limites legais importantes — especialmente aqueles relativos à impenhorabilidade de verbas de natureza alimentar e à proteção mínima do patrimônio do executado. Conhecer esses limites, as hipóteses de exceção e as boas práticas de prova é essencial para credores e devedores.

Essência

  • Bloqueio eletrônico via SisbaJud é célere e padronizado, mas sujeito a controle de legalidade posterior.
  • Verbas de natureza alimentar (salários, aposentadorias, pensões etc.) gozam, em regra, de impenhorabilidade.
  • Há proteção legal a valores mantidos em caderneta de poupança até determinado limite legal (interpretações sobre extensão a conta-corrente variam na jurisprudência).
  • Para alimentos (pensão alimentícia), a proteção é mitigada, admitindo-se penhora mais ampla.
  • O executado pode pedir desbloqueio parcial/total, provando a natureza impenhorável dos valores e o mínimo existencial.

Arquitetura da constrição: do comando judicial ao bloqueio efetivo

Fluxo operacional

  • O juiz emite ordem de bloqueio no SisbaJud, direcionada à base do Banco Central (instituições financeiras participantes).
  • O sistema efetua pesquisa por CPF/CNPJ e, havendo saldo, realiza indisponibilidade (bloqueio) até o limite do crédito executado.
  • O banco comunica o bloqueio e “congela” os valores; em seguida, o juízo analisa eventuais alegações de impenhorabilidade e decide sobre manutenção, redução ou desbloqueio.
  • Confirmada a penhora, há a transferência para conta judicial (conversão em penhora) e prosseguimento da execução.

Funcionalidades relevantes

  • Bloqueio “teimosinha”: o sistema reitera ordens por período definido, capturando valores que caiam futuramente.
  • Pesquisa de endereços e extratos: o SisbaJud permite requisições de informações (extratos, faturas, histórico) para qualificar a análise da origem dos valores.
  • Limites por instituição: o bloqueio é distribuído nas contas/ativos encontrados, evitando excesso quando múltiplas instituições apresentam saldo.

Impenhorabilidade: núcleo protegido por lei

O Código de Processo Civil consagra hipóteses em que valores são, em regra, impenhoráveis, com destaque para a natureza alimentar. A lógica subjacente é a preservação do mínimo existencial e da dignidade do devedor e de sua família.

Verbas de natureza alimentar

  • Salários e remunerações (inclui vencimentos, proventos de aposentadoria, pensões, soldos, subsídios, diárias de viagem de caráter alimentar, verbas rescisórias).
  • Benefícios previdenciários e assistenciais (p. ex., aposentadoria, pensão, BPC/LOAS) — em regra, impenhoráveis.
  • Honorários de profissionais liberais com nítida natureza alimentar (ex.: honorários de advogado, médico, autônomo), quando demonstrado que constituem renda de subsistência.

A penhora dessas verbas é, como regra, vedada, admitindo-se exceção notória para pagamento de prestação alimentícia (natureza alimentar em favor de dependentes), caso em que o juízo pode autorizar constrição mais intensa, inclusive sobre salário e benefícios.

Valores em poupança e a discussão sobre conta-corrente

  • A lei protege quantia mantida em caderneta de poupança até um limite objetivo (proteção clássica). Há divergência jurisprudencial sobre a extensão dessa proteção a conta-corrente e conta-salário, sobretudo quando o saldo decorre, comprovadamente, de renda alimentar.
  • Parte relevante da jurisprudência tem ampliado a proteção para valores de pequena monta detidos em conta-corrente/conta-salário, quando vinculados à subsistência e devidamente comprovados (extratos, holerites, histórico de créditos).
  • Multiplicidade de contas não autoriza multiplicar o limite legal de proteção: o foco está no total resguardado e na natureza do numerário.

Quadro — O que costuma ser considerado impenhorável (em regra)

  • Salários, aposentadorias, pensões e verbas de sustento, enquanto identificáveis e compatíveis com o padrão de renda do titular.
  • Quantia protegida em poupança até o limite legal (interpretações sobre extensão a conta-corrente variam).
  • Benefícios assistenciais e valores transitórios de comprovada destinação alimentar (ex.: auxílio-doença).

Observação: a proteção pode ser relativizada para prestação alimentícia e quando presentes indícios de fraude (deslocamento artificial de ativos, pulverização em várias contas, transferências a interpostas pessoas).

Exceções e relativizações: quando a penhora avança sobre verbas protegidas

Alimentos (pensão alimentícia)

Para satisfação de crédito alimentar (pensão devida a filhos/cônjuge), admite-se penhora de salário, benefício e outros ativos usualmente protegidos, por força do princípio da prioridade do alimento. Nesses casos, o juízo pondera a proporcionalidade, fixando percentual que não comprometa a subsistência do devedor.

Excesso e padrão de vida

Mesmo em verbas alimentares, parte da jurisprudência admite penhora sobre excedentes — quando o montante retido supera de forma clara o necessário ao mínimo existencial, em especial diante de indícios de ocultação ou luxo incompatível com a alegação de hipossuficiência.

Fraude e abuso

Fraudes para blindar patrimônio (transferências simuladas, fragmentação de valores em diversas contas, uso de contas de terceiros) autorizam o juízo a mitigar proteções e até a impor sanções processuais por ato atentatório à dignidade da justiça.

Como demonstrar a natureza impenhorável: prova e estratégia

Documentos-chave

  • Extratos completos do período anterior e posterior ao bloqueio, evidenciando créditos salariais e a origem dos depósitos (empregador, INSS, órgão pagador).
  • Holerites, cartas de concessão de benefício, contratos de prestação de serviços (quando honorários têm natureza alimentar), declaração da fonte pagadora.
  • Comprovantes de gastos essenciais (aluguel, água, luz, alimentação, medicamentos), demonstrando mínimo existencial.

Petição de desbloqueio: boas práticas

  • Apresentar linha do tempo dos créditos e débitos, destacando o vínculo alimentar (salário/benefício) e a compatibilidade do saldo com a renda mensal.
  • Pedir desbloqueio total quando o bloqueado for exclusivamente alimentar ou parcial quando houver misto (alimentar + não alimentar), sempre com planilha que identifique parcelas.
  • Sugerir, em caráter subsidiário, substituição da penhora (ex.: veículo, bem não essencial) ou calendário de pagamentos que preserve a subsistência.

Checklist — Defesa contra bloqueio de verba alimentar

  1. Junte extratos e holerites/benefício (prove a origem).
  2. Apresente planilha destacando a parcela alimentar do saldo.
  3. Comprove despesas essenciais (mínimo existencial).
  4. Peça desbloqueio total/parcial e, se necessário, ofereça substituição da garantia.
  5. Requeira prioridade de análise (bloqueio de salário causa dano imediato).

Contas e produtos: o que muda

Conta-salário

Destinada ao crédito de remuneração, geralmente sem uso para outros depósitos. A origem alimentar é mais fácil de demonstrar. Em regra, bloqueios sobre essa conta tendem a ser relaxados quando comprometem a subsistência, salvo dívida de alimentos.

Conta-corrente

Circulam recursos de origens diversas. A mistura de valores alimentares com outros pode dificultar o desbloqueio. Por isso, recomenda-se manter organização (ex.: conta dedicada a salário/benefício) para facilitar a prova.

Poupança

Goza de proteção legal até limite objetivo. A jurisprudência discute a extensão dessa proteção e sua relativização quando a poupança é utilizada como conta de giro (descaracterizando a natureza de reserva).

Investimentos financeiros

Aplicações em CDB, fundos, LCIs/LCAs e similares são, em regra, penhoráveis. Exceções exigem demonstração de que os valores derivam de verbas alimentares e que sua constrição compromete a subsistência.

Prioridades e proporcionalidade: evitar o excesso de penhora

Evitar bloqueio superior ao débito

É vedado manter excesso de penhora. Encontrados valores em mais de uma instituição, o montante total deve limitar-se ao crédito executado, com desbloqueio do excedente.

Mínimo existencial

Mesmo fora de hipóteses típicas de impenhorabilidade, decisões vêm resguardando um patamar mínimo para despesas essenciais, sobretudo quando há dependentes. O juízo pode calibrar percentuais de bloqueio, preservando a subsistência.

Gráfico ilustrativo — intensidade típica de proteção (meramente demonstrativo)
Salário/benefício (não alimentar devido)
Poupança até limite legal
Conta-corrente com mistura de valores
Investimentos financeiros comuns

Quanto maior a barra, maior a tendência de proteção. Não é regra fixa; o caso concreto e as provas definem o resultado.

Execução fiscal, trabalhista e cível: nuances

Execução fiscal

Em dívidas tributárias, o bloqueio via SisbaJud também é frequente. Ainda assim, verbas alimentares permanecem protegidas e a discussão sobre poupança e mínimo existencial continua aplicável. O princípio da menor onerosidade deve ser ponderado.

Execução trabalhista

Créditos trabalhistas têm natureza alimentar. O juízo costuma impor prioridade na satisfação desses créditos, mas sem afastar, em prejuízo do devedor, a proteção de salários/benefícios necessários à subsistência de sua família — salvo hipóteses legais expressas.

Execução cível

No processo civil comum, aplica-se o regime geral: proteção alimentar, poupança até o limite e ponderação do mínimo existencial, com reforço às práticas de prova documental pelo executado.

Como o credor pode qualificar o pedido de bloqueio

  • Demonstrar inadimplemento contumaz e tentativas frustradas de satisfação por meios menos gravosos (protesto, pesquisas patrimoniais, penhora de bens).
  • Requerer reiteradas ordens (“teimosinha”) por prazo razoável, evitando ordens eternas.
  • Se houver indícios de fraude (ex.: padrão de pulverização de valores), pedir requisições de extratos para qualificar a análise.
  • Em caso de dívida alimentar, enfatizar a prioridade do crédito e a possibilidade de constrição ampliada, sempre com razoabilidade.

Roteiro prático para o executado

  1. Obter extratos do período abrangente (antes/depois do bloqueio) e documentos de origem dos créditos (holerite, carta de benefício, contratos).
  2. Protocolar pedido de desbloqueio (total/parcial) com planilha identificando a parcela alimentar e anexar comprovantes de despesas essenciais.
  3. Se o valor for misto, propor calendário ou percentual de liberação que resguarde o mínimo existencial.
  4. Oferecer substituição da garantia (bem menos gravoso) quando possível.
  5. Evitar movimentações que sugiram ocultação (transferências atípicas), sob pena de agravar a situação processual.

Erros comuns

  • Juntar apenas prints do aplicativo sem extratos completos (com identificação do empregador/INSS).
  • Não demonstrar despesas essenciais, dificultando a análise do mínimo existencial.
  • Confundir poupança de reserva com conta de giro (movimentação intensa pode fragilizar a proteção).
  • Negligenciar a possibilidade de substituição da penhora por bem menos gravoso.

Transparência, fundamentação e equilíbrio

O regime de penhora em conta bancária busca equilibrar a efetividade do crédito com a dignidade do devedor. O SisbaJud não dispensa o controle judicial: toda constrição deve ser fundamentada, cabendo ao juízo avaliar a proporcionalidade, a origem do numerário e as peculiaridades do caso. Tanto credores quanto devedores ganham quando apresentam provas sólidas e pedidos razoáveis.

Mensagem-chave

Penhora em conta é ferramenta poderosa, mas não absoluta. Verba alimentar e poupança protegida merecem tutela reforçada; já investimentos e saldos desvinculados da subsistência tendem a ser constritos. A prova da origem do dinheiro e a proporcionalidade são os eixos que definem o desfecho.

Base técnica e observações finais

O tema é regido principalmente por normas do processo civil (impenhorabilidades, meios executivos, penhora on-line) e por uma jurisprudência que, embora majoritária em certos pontos (proteção de salários/benefícios e poupança até limite), apresenta divergências pontuais quanto à extensão da proteção a conta-corrente e à calibragem do mínimo existencial. Por isso, a prova concreta — origem do valor e impacto da constrição — é determinante.

Conclusão

A penhora de valores em contas bancárias tornou-se o caminho preferencial para satisfazer créditos, mas seus limites são nítidos: verba alimentar e reserva mínima devem ser preservadas. Para quem executa, a chave é direcionar a constrição sem abusos, recorrendo a provas e pedidos proporcionais. Para quem se defende, a estratégia passa por extratos completos, comprovação de origem e plano que assegure a subsistência sem frustrar a tutela do credor. O equilíbrio entre efetividade e dignidade é o que legitima a execução.

  • Penhora bancária é feita via SisbaJud, sistema que bloqueia valores de forma eletrônica e imediata.
  • Existem limites legais que protegem verbas de natureza alimentar (salários, pensões, aposentadorias).
  • Valores em poupança até o limite legal são, em regra, impenhoráveis.
  • Para dívidas de alimentos, a impenhorabilidade é relativizada.
  • O devedor pode comprovar a origem alimentar dos valores e pedir desbloqueio.
  • É essencial apresentar extratos completos, holerites e comprovantes de despesas básicas.
  • Conta-salário goza de maior proteção; conta-corrente exige prova detalhada da origem dos recursos.
  • Investimentos (CDB, LCI, LCA, fundos) são geralmente penhoráveis.
  • O bloqueio não pode ultrapassar o valor da dívida.
  • O juiz deve resguardar o mínimo existencial e decidir com base na proporcionalidade.
  • Bloqueio sobre benefícios previdenciários ou assistenciais é normalmente ilegal.
  • É possível pedir substituição da penhora por outro bem ou pagamento parcelado.
  • O credor deve evitar pedidos abusivos e comprovar inadimplemento contumaz.
  • Fraude ou ocultação de valores podem gerar perda da proteção e sanções processuais.
  • Na prática, o sucesso da defesa depende da prova documental e da coerência financeira apresentada.

FAQ — Limites da penhora em conta bancária

Quando a penhora bancária é legal?

A penhora de valores é legal quando existe um processo judicial de execução e o juiz autoriza o bloqueio por meio do SisbaJud. O objetivo é garantir o pagamento de uma dívida reconhecida judicialmente. O bloqueio, no entanto, deve respeitar as verbas impenhoráveis e o mínimo existencial do devedor.

Quais valores são impenhoráveis?

São impenhoráveis, em regra, os valores de natureza alimentar: salários, pensões, aposentadorias, benefícios previdenciários e assistenciais. Também há proteção para até 40 salários mínimos mantidos em poupança, desde que sejam recursos de subsistência.

O banco pode bloquear minha conta-salário?

Não. A conta-salário é destinada exclusivamente ao recebimento de remuneração e não pode ser bloqueada para quitar dívidas comuns. Somente dívidas de pensão alimentícia podem autorizar o bloqueio parcial, sempre sob decisão judicial fundamentada.

Posso pedir o desbloqueio dos valores penhorados?

Sim. O devedor pode requerer o desbloqueio total ou parcial, comprovando com extratos, holerites e documentos que os valores têm origem alimentar. O pedido deve ser feito de forma fundamentada, demonstrando que o bloqueio compromete a subsistência da família.

Há situações em que o salário pode ser penhorado?

Sim, em casos de dívida de pensão alimentícia. Nessa hipótese, o juiz pode autorizar a penhora de parte do salário, observando o percentual razoável para não afetar o sustento do devedor. Para outros tipos de dívida, a regra é de impenhorabilidade absoluta.

O que fazer se o bloqueio foi excessivo?

O devedor deve solicitar a revisão do valor bloqueado, apresentando os extratos que comprovem o excesso. O juiz pode determinar o desbloqueio do excedente e limitar a penhora ao valor do débito atualizado. O credor também deve evitar pedidos genéricos que causem constrições desproporcionais.

O SisbaJud bloqueia automaticamente todas as contas?

Sim. O sistema faz busca automática em todas as instituições financeiras ligadas ao CPF ou CNPJ do devedor. O bloqueio é eletrônico, e o juiz recebe o retorno em até 24 horas, analisando depois a legalidade e proporcionalidade da medida.

O que acontece com poupança e investimentos?

A poupança é protegida até o limite de 40 salários mínimos. Já aplicações financeiras, como CDBs e fundos de investimento, são geralmente penhoráveis, salvo se o devedor comprovar que os recursos têm origem alimentar ou servem ao mínimo existencial.

Como provar a origem alimentar do dinheiro?

Apresente extratos completos e documentos oficiais (holerite, comprovante de aposentadoria ou benefício). É importante mostrar que o valor depositado corresponde ao pagamento regular de salário ou pensão. Quanto mais clara a origem, maiores as chances de desbloqueio.

O que fazer se o banco não liberar o dinheiro mesmo após decisão?

O advogado pode peticionar pedindo cumprimento da ordem judicial diretamente ao juiz, que notificará o banco. O descumprimento pode gerar multa e responsabilização da instituição financeira.


Base técnica (fontes legais e precedentes)

  • Constituição Federal, art. 5º, XXII — direito à propriedade e dignidade da pessoa humana.
  • Código de Processo Civil, art. 833 — lista de bens e valores impenhoráveis.
  • Código Civil, art. 649 (anterior ao CPC/2015) — reforço à impenhorabilidade de verbas alimentares.
  • Lei nº 8.009/1990 — proteção do bem de família.
  • Precedentes do STJ — penhora em conta-salário é nula; proteção se estende a aposentadorias e pensões.

Aviso importante

Este conteúdo tem caráter informativo e educacional. Ele não substitui a orientação individual de um profissional qualificado, como advogado ou defensor público. Cada caso possui circunstâncias específicas e pode demandar medidas jurídicas diferentes. Procure sempre análise técnica antes de agir.

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