Direito militar

Justiça Militar comparada: diferenças e semelhanças entre Brasil e Portugal

Panorama geral

Brasil e Portugal adotam modelos distintos de jurisdição militar porque partem de premissas constitucionais diferentes sobre a necessidade de um foro especializado em tempos de paz. No Brasil, a Justiça Militar integra o Poder Judiciário de forma permanente, com órgãos de 1ª e 2ª instâncias próprios (Auditorias/Conselhos e Superior Tribunal Militar – STM), além das Justiças Militares estaduais (para PM e BM). Em Portugal, a Constituição restringe a existência de tribunais militares a tempo de guerra; em paz, os crimes essencialmente militares são processados e julgados nos tribunais judiciais comuns, com regras especiais definidas pelo Código de Justiça Militar (CJM) e pela legislação orgânica do sistema judiciário.

Ideia-chave: Brasil mantém uma justiça militar permanente e judicializada; Portugal reserva tribunais militares ao tempo de guerra e, no dia a dia, usa a justiça comum com normas militares especiais.

Fontes normativas centrais

Brasil

  • Constituição Federal: arts. 124 (Justiça Militar da União) e 125, §3º (Justiça Militar dos Estados).
  • Código Penal Militar (CPM) – Decreto-Lei 1.001/1969 e Código de Processo Penal Militar (CPPM) – Decreto-Lei 1.002/1969.
  • Lei 13.491/2017: ampliou a competência da Justiça Militar da União para crimes militares decorrentes de operações específicas, quando praticados por militares das Forças Armadas.

Portugal

  • Constituição da República Portuguesa (CRP): prevê jurisdição militar apenas em caso de guerra; em paz, a competência é dos tribunais judiciais com regras especiais.
  • Código de Justiça Militar (CJM): tipifica crimes militares e disciplina particularidades processuais.
  • Lei da Organização do Sistema Judiciário (p. ex., Lei n.º 62/2013 e alterações): estrutura os tribunais judiciais e secções com competência para matérias especiais.

Nota prática: em Portugal, a Polícia Judiciária Militar (PJM) atua na investigação; a ação penal é do Ministério Público. No Brasil, atuam o Ministério Público Militar (MPM) e órgãos de polícia judiciária militar (Forças, PM/BM).

Organização e competência

Brasil: Justiça Militar da União e dos Estados

  • Primeiro grau: Auditorias/Conselhos de Justiça (permanentes ou especiais), com juízes togados e, em alguns casos, juízes militares.
  • Segundo grau: STM (União) e Tribunais de Justiça Militar (Estados que os possuam), com revisão por STJ/STF em hipóteses constitucionais/legais.
  • Competência típica: crimes previstos no CPM quando praticados por militar, e crimes militares por extensão definidos em lei (p. ex., em operações de GLO conforme marcos legais).

Portugal: justiça comum com disciplina militar

  • Primeiro grau: tribunais judiciais (com secções/juízos competentes), aplicando o CJM aos crimes essencialmente militares.
  • Instâncias superiores: Tribunais da Relação e Supremo Tribunal de Justiça, sob fiscalização constitucional do Tribunal Constitucional quando pertinente.
  • Competência típica: crimes contra deveres militares (p. ex., deserção, insubordinação, ofensa à disciplina), e outros definidos como militares pelo CJM.

Direitos e garantias processuais

Ambos os países asseguram ampla defesa, contraditório e juiz natural. No Brasil, o processo penal militar segue o CPPM com peculiaridades (prazos, Conselho de Justiça, competência castrense). Em Portugal, ainda que se apliquem regras próprias do CJM, os princípios e garantias do processo penal comum são observados, sob fiscalização do Ministério Público e do judiciário civil.

Convergência relevante: prevalência dos direitos fundamentais do militar acusado, possibilidade de recursos às cortes superiores e controle de constitucionalidade.

Política criminal e aplicação prática

Brasil

  • Casos de maior visibilidade: delitos em quartéis, fraudes à administração militar, crimes em operações, crimes funcionais de PM/BM (na esfera estadual).
  • Atuação do MPM e corregedorias militares costuma coincidir com políticas de disciplina e hierarquia das Forças.

Portugal

  • Casos corriqueiros: infrações de serviço e disciplina, com processamento na justiça comum mediante regras do CJM.
  • Em guerra, admite-se a constituição de tribunais militares com competências específicas, circunstância inexistente em tempos de paz.

Comparativo visual (estrutura em tempo de paz)

Brasil
Justiça militar permanente

Portugal
Justiça comum + CJM

(Gráfico ilustrativo: barras maiores representam institucionalização própria em paz; não expressa volume de casos.)

Pontos de atenção para advogados e compliance

  • Foro correto: no Brasil, identificar se é competência da Justiça Militar da União ou Estadual; em Portugal, foro é a justiça comum, salvo estado de guerra.
  • Tipicidade militar: conferir se a conduta está no CPM (Brasil) ou no CJM (Portugal) como essencialmente militar.
  • Interação institucional: Brasil (MPM + polícia judiciária militar); Portugal (MP + PJM).
  • Recursos: mapear rotas recursais (STM/TJM/STJ/STF no Brasil; Relação/STJ/TC em Portugal).
  • Direitos fundamentais: reforçar assistência jurídica tempestiva, cadeia de custódia e documentação do serviço/ordens.

Vantagens e desafios de cada modelo

Brasil

  • Vantagens: especialização contínua, corpo técnico conhecedor da caserna, uniformidade jurisprudencial no STM.
  • Desafios: fronteiras de competência (após 2017), percepção pública e necessidade de constante alinhamento a parâmetros constitucionais e convencionais.

Portugal

  • Vantagens: reforço de unidade do sistema de justiça, controle difuso pelas mesmas garantias do processo penal comum.
  • Desafios: assegurar especialização suficiente de magistrados e peritos em temas castrenses em tempos de paz.

Conclusão

Os dois países convergem na proteção de direitos e na preservação da hierarquia e da disciplina, mas divergem no arranjo institucional: o Brasil aposta em uma justiça militar permanente e especializada; Portugal prefere judicializar na justiça comum as infrações militares em paz, reservando tribunais militares a cenários de guerra. Para profissionais que atuam em direito militar comparado, a correta leitura das fontes normativas, a definição de tipicidade e o preparo para as peculiaridades procedimentais de cada sistema são determinantes para uma atuação eficaz.

Mensagem-chave: especialização contínua (Brasil) versus integração na justiça comum (Portugal) são escolhas de desenho institucional, não de menor ou maior proteção de garantias – ambas demandam técnica e controle externo efetivos.

Guia rápido

  • Brasil: Justiça Militar permanente com tribunais próprios e estrutura estável (STM e TJMs).
  • Portugal: Justiça Militar apenas em tempo de guerra; em paz, atua a Justiça Comum com base no CJM.
  • Fontes principais: Constituição Federal (arts. 124 e 125, §3º) e Lei 13.491/2017 no Brasil; CRP e Código de Justiça Militar em Portugal.
  • Órgãos: Brasil – MPM e Polícia Judiciária Militar; Portugal – Ministério Público e PJM.
  • Diferenças processuais: o Brasil mantém ritos próprios no CPPM; Portugal adota ritos do processo penal comum adaptados.
  • Ambos: preservam direitos fundamentais, contraditório e duplo grau de jurisdição.

FAQ

1. Qual é a principal diferença entre a Justiça Militar do Brasil e de Portugal?

No Brasil, a Justiça Militar é permanente e possui estrutura própria de julgamento. Em Portugal, ela só existe em estado de guerra, sendo os crimes militares julgados pela Justiça Comum em tempos de paz.

2. Quem julga crimes militares em Portugal durante a paz?

Os tribunais judiciais comuns, aplicando o Código de Justiça Militar (CJM) e respeitando os princípios do processo penal ordinário.

3. O que a Lei nº 13.491/2017 alterou no Brasil?

Ela ampliou a competência da Justiça Militar da União para abranger crimes militares praticados por militares das Forças Armadas em operações específicas, inclusive contra civis.

4. O Ministério Público Militar português é diferente do brasileiro?

Sim. Em Portugal, o Ministério Público é uno e atua em todas as jurisdições, inclusive militar. No Brasil, há o Ministério Público Militar (MPM), ramo específico do MP da União.

5. Existem tribunais superiores militares em Portugal?

Não. Portugal não possui um tribunal militar superior em tempos de paz. As decisões são revistas pelos Tribunais da Relação e pelo Supremo Tribunal de Justiça.

6. Como os direitos humanos influenciam as jurisdições militares?

Tanto em Portugal quanto no Brasil, tratados internacionais e normas constitucionais garantem que o militar acusado tenha direito ao devido processo legal, à ampla defesa e à imparcialidade do julgamento.

Base normativa comparada

  • Brasil: Constituição Federal (arts. 124 e 125, §3º); Decreto-Lei nº 1.001/1969 (CPM); Decreto-Lei nº 1.002/1969 (CPPM); Lei nº 13.491/2017.
  • Portugal: Constituição da República Portuguesa (art. 213 e seguintes); Código de Justiça Militar; Lei nº 62/2013 (Lei de Organização do Sistema Judiciário).
  • Tratados internacionais: Convenção Europeia de Direitos Humanos (CEDH); Pacto de San José da Costa Rica; Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.

Considerações finais

A comparação entre Brasil e Portugal demonstra que os dois países valorizam a disciplina e a hierarquia militar, mas optam por modelos jurídicos diferentes. Enquanto o Brasil mantém uma Justiça Militar autônoma e permanente, Portugal limita sua atuação à guerra e privilegia a jurisdição comum em tempos de paz. Essa escolha reflete visões distintas sobre o equilíbrio entre segurança institucional e controle civil.

Essas informações não substituem a orientação de um profissional especializado. Para casos concretos, é recomendável consultar advogados ou juristas com experiência em direito militar comparado.

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