Direito Penal

Induzimento, Instigação ou Auxílio ao Suicídio: o que diz a lei e como os casos são tratados

Panorama: o que a lei brasileira considera “induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio”

No Brasil, “induzir, instigar ou prestar auxílio ao suicídio” — e, desde 2019, também à automutilação — é crime previsto no art. 122 do Código Penal, alterado pela Lei nº 13.968/2019. Em linhas gerais, a lei diferencia três condutas: (i) induzir (plantar a ideia ou persuadir a vítima a praticar o ato), (ii) instigar (estimular, encorajar, pressionar, reforçando uma intenção já existente), e (iii) prestar auxílio (fornecer meios, instruções, instrumentos, substâncias ou criar condições para a execução). O tipo penal protege a vida, a integridade psíquica e a autodeterminação, reconhecendo que, em contextos de vulnerabilidade, a influência de terceiros pode ser determinante para desfechos fatais ou lesões graves.

O delito admite forma tentada e prevê gradação conforme o resultado: quando há lesão corporal de natureza grave, incide pena x; quando há morte, a pena é mais elevada. A lei ainda estabelece causas de aumento quando a vítima é menor de idade ou possui capacidade de resistência reduzida (por enfermidade, deficiência ou outra condição), quando a conduta é praticada por meios digitais (internet, redes sociais, aplicativos de mensagem, “desafios”), quando há motivo egoístico ou pagamento/recompensa, e quando o agente ocupa papel de liderança (administrador de grupo, moderador, mentor) na dinâmica que levou ao ato. Essas circunstâncias refletem o risco multiplicador de dano em ambientes on-line e a assimetria de poder entre perpetradores e vítimas.

Mensagem-chave: expressões como “foi escolha da vítima” não afastam responsabilidade de quem induz, instiga ou auxilia. A lei considera o contexto de vulnerabilidade, a capacidade de influência do agente e o meio utilizado (especialmente o digital).

Elementos do tipo penal: como a Justiça costuma analisar as condutas

Induzimento

Pressupõe criação ou reforço determinante da ideia. Exemplos jurídicos discutidos incluem: “apresentar a prática como solução” a pessoa em crise, construir narrativa persuasiva para que a vítima considere o ato, ou “glamourizar” o comportamento em grupos fechados. Provas relevantes: mensagens, áudios, posts, depoimentos, laudos psicológicos que demonstrem o nexo causal entre a influência e o resultado.

Instigação

Caracteriza-se por estímulos reiterados ou pressão sobre uma vontade já presente (“vá em frente”, “não volte atrás”), por vezes com chantagem emocional, humilhação pública ou bullying/cyberbullying. O padrão probatório inclui perícias em dispositivos, registros de conversas, metadados e análise de dinâmicas de grupo.

Auxílio

Vai além da palavra: abrange fornecimento de meios (instrumentos, substâncias, “kits”), instruções técnicas, monitoramento em tempo real e até a criação de ambientes propícios (isolamento forçado, retirada de suporte, incentivo a “desafios” com passos progressivos). A jurisprudência observa se o auxílio foi material (objetos, substâncias) ou logístico (ocultar rastros, orientar “como fazer”), e qual seu papel causal no resultado.

Provas recorrentes

  • Histórico de mensagens, áudios, publicações, “prints” com carimbo temporal.
  • Laudos de perícia digital (rastro de IP, logs de acesso, metadados, administração de grupos).
  • Relatórios clínicos e psicológicos, registros de atendimento emergencial e depoimentos de familiares/colegas.
  • Vinculação a comunidades on-line que incentivam o comportamento autolesivo (ex.: “desafios”).

Internet e redes sociais: responsabilização, remoção e deveres de cuidado

O avanço de casos envolvendo “desafios” on-line e grupos fechados trouxe ao centro o papel de plataformas e administradores. O Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) estabelece regime de responsabilidade pautado por ordem judicial específica para remoção de conteúdo ilícito em regra geral (art. 19), mas a atuação de boa-fé e medidas proativas de moderação são esperadas em situações de risco, sobretudo quando envolverem crianças e adolescentes (ECA) ou ameaça concreta à vida. A depender do caso, a omissão persistente após ciência inequívoca do perigo pode gerar deveres civis e deveres de cooperação com autoridades.

Administradores de grupos e influenciadores que estimulam práticas autolesivas, organizam “jogos” ou mantêm tutoriais podem responder por induzimento/instigação/auxílio (art. 122), especialmente quando há relação de liderança. Esforços de compliance recomendam políticas de moderação ativa, canais de denúncia, filtros para termos críticos e protocolos de resposta rápida com sinalização de ajuda.

Checklist de governança digital (prevenção e resposta)

  • Política escrita de moderação com proibição expressa de conteúdo autolesivo.
  • Detecção por palavras-chave, revisão humana e remediação (remoção, bloqueio, preservação de provas).
  • Encaminhamento — exibir avisos de suporte, contatos de centros de crise e canais oficiais.
  • Preservar logs para autoridades, respeitando proteção de dados (LGPD).
  • Treinar moderadores para reconhecer sinais e acionar protocolos.

Casos práticos (didáticos) e enquadramentos típicos

“Desafio” on-line com etapas progressivas

Moderadores fornecem instruções e cobram “provas” por mensagens privadas. Em enquadramento típico, há instigação (pressão, humilhação), auxílio (passo a passo), causas de aumento por uso de meio digital e, se houver vítima menor, agravamento pelo grau de vulnerabilidade.

Parceiro íntimo que “persuade” pessoa em crise

Mensagens para “não buscar ajuda”, “é melhor acabar com isso”, retirada de apoio e, em alguns casos, fornecimento de meios. A análise recai sobre nexo causal entre a influência e o resultado, histórico de violência e coerção psicológica.

Comunidade que “romantiza” autolesão

Publicações que normalizam ou glamourizam comportamentos autolesivos podem configurar instigação quando dirigidas a indivíduos vulneráveis, sobretudo se acompanhadas de instruções ou metas. A moderação falha e a curadoria de conteúdo tornam-se relevantes para a responsabilidade civil.

Quadro — Art. 122 do CP (síntese didática)

  • Condutas: induzir, instigar ou prestar auxílio a suicídio ou automutilação.
  • Resultado: lesão grave (pena menor) ou morte (pena maior).
  • Agravantes: vítima menor de idade; pessoa com reduzida capacidade de resistência; meios digitais (internet, redes sociais, transmissões); motivo egoístico, pagamento/recompensa; atuação como líder/administrador.
  • Competência: Justiça comum; quando envolver criança/adolescente, incidem regras protetivas do ECA.

Responsabilidade civil e administrativa

Além do crime, podem coexistir responsabilidade civil (indenização por danos morais e materiais) e administrativa (sanções regulatórias, consumeristas e de proteção de dados). Em escolas, plataformas, clubes, condomínios e ambientes de trabalho, políticas de prevenção, acolhimento e resposta são componentes de dever de cuidado. Quando há omissão relevante em face de risco conhecido (ex.: tolerância a grupos de “desafios” dentro de comunidades on-line próprias), processos podem buscar reparação.

Ética profissional e deveres de proteção

Profissionais de saúde, educação e assistência social operam sob códigos éticos que equilibram sigilo e dever de proteção. Diante de risco iminente à vida, a orientação majoritária admite quebra justificada do sigilo para acionar redes de proteção e garantir atendimento emergencial, com registro claro das medidas.

Linhas do tempo e prevenção: por que a resposta rápida importa

Em diversos contextos, a instituição (plataforma, escola, serviço público) é alertada antes do desfecho. Protocolos escritos com responsáveis, prazos e escalonamento reduzem riscos. Abaixo, um gráfico ilustrativo mostra que atrasos na resposta aumentam a probabilidade de dano.

Risco ↑ Tempo de resposta → Atraso aumenta risco Resposta rápida reduz risco

Direitos de crianças e adolescentes e proteção reforçada

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) impõe proteção integral e prioritária, o que significa que escolas, plataformas e responsáveis devem atuar preventivamente e cooperar com autoridades quando se deparem com conteúdo que estimule autolesão. Campanhas educativas, regramento de uso de telas e criação de ambientes seguros de convivência on-line são medidas recomendadas. Em paralelo, leis sobre bullying e cyberbullying e sobre perseguição (stalking) ajudam a enquadrar condutas correlatas que criam terreno para a instigação.

Boas práticas de comunicação e mídia

A literatura de prevenção do suicídio recomenda que reportagens e postagens não detalhem métodos, evitem sensacionalismo e sempre apresentem canais de ajuda. Comunicar de forma responsável desencoraja a replicação e minimiza efeitos de contágio. Em ambientes corporativos e escolares, guias internos podem padronizar linguagem, protocolos de encaminhamento e triagem.

Erros frequentes (e como evitar)

  • Tratar “brincadeiras” e “desafios” como inofensivos: a responsabilização alcança moderadores e incentivadores.
  • Subestimar o dever de preservar provas (prints, metadados) e solicitar remoção célere.
  • Focar apenas na culpabilidade individual sem medidas de prevenção institucional.
  • Divulgar detalhes técnicos de método (comunicação responsável exige evitar esse conteúdo).

Roteiro prático (jurídico e institucional)

  1. Mapeie o risco: identifique perfis/grupos, palavras-chave e incidentes anteriores.
  2. Protocole procedimentos de remoção, acolhimento e encaminhamento (com prazos e responsáveis).
  3. Preserve evidências (prints com data/hora, links, IDs, cabeçalhos, IPs; guarde o hash de arquivos).
  4. Acione autoridades quando houver risco concreto ou crime em andamento; coopere com a investigação.
  5. Eduque e treine: comunicação responsável, orientação a moderadores, professores, RH e líderes de comunidade.
  6. Revise contratos e políticas (termos de uso, regras de grupo, compliance com LGPD e ECA).

Conclusão

O crime de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio/automutilação reflete a opção do legislador por proteger a vida e a integridade psíquica em cenários de vulnerabilidade e influência social — especialmente no ambiente digital. A resposta jurídica efetiva combina investigação técnica, governança de plataformas, protocolos institucionais e comunicação responsável. A prevenção passa por educação, vigilância de riscos, acolhimento e resposta rápida. E, sobretudo, por reconhecer que a promoção da vida é tarefa compartilhada — do Estado, das instituições, das famílias, das plataformas e de cada comunidade.

Base técnica (referências legais)

  • Código Penal, art. 122 — induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio/automutilação (com qualificadoras e causas de aumento).
  • Lei nº 13.968/2019 — atualização do art. 122 e reforço às hipóteses envolvendo meios digitais.
  • Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) — responsabilidade, guarda de registros e remoção de conteúdo ilícito (art. 19 e seguintes).
  • Estatuto da Criança e do Adolescente — proteção integral, cooperação e providências quando houver risco a menores.
  • LGPD (Lei nº 13.709/2018) — tratamento de dados em investigações e preservação de logs com base legal adequada.
Aviso importante: este material é informativo e educativo e não substitui a orientação individualizada de profissionais habilitados(as) nas áreas jurídica e de saúde. Em situações de risco imediato à vida, procure o SAMU (192) ou o serviço de emergência local. Para apoio emocional gratuito, contate o CVV — 188 (24h) ou acesse cvv.org.br. Se você é administrador(a) de comunidade on-line e se deparar com conteúdo de risco, acione imediatamente os protocolos de remoção, preservação de evidências e encaminhamento a autoridades.
Guia rápido — Induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio (legislação e casos)
  • O que é crime: induzir (plantar a ideia), instigar (estimular/pressionar) ou prestar auxílio (fornecer meios/instruções) para suicídio ou automutilação. Base: art. 122 do Código Penal, com redação da Lei 13.968/2019.
  • Resultados e penas: há punição se houver lesão grave ou morte, com penas aumentadas quando: vítima menor ou com capacidade reduzida; uso de meios digitais (redes, apps, transmissões); motivo torpe/egoístico ou pagamento; atuação como líder/moderador.
  • Provas comuns: mensagens e prints com data/hora, áudios, registros de grupos, metadados (IP/logs), laudos periciais, depoimentos e relatórios clínicos.
  • Internet e plataformas: Marco Civil (Lei 12.965/2014) — remoção geralmente via ordem judicial (art. 19). Em risco iminente, espera-se moderação ativa, preservação de provas e cooperação com autoridades; atenção à LGPD e ao ECA.
  • Casos típicos: “desafios” on-line com etapas; parceiro íntimo que pressiona e fornece meios; comunidade que romantiza autolesão + tutoriais. Em geral há instigação + auxílio + agravantes digitais.
  • Deveres institucionais: escolas, empresas e plataformas devem ter políticas de moderação, canais de denúncia, protocolos de remoção e preservação de evidências, e acionar redes de proteção quando houver risco.
  • O que fazer (jurídico): registrar e preservar provas; solicitar remoção de conteúdo; noticiar o fato à polícia/MP; em processos, pedir perícia digital e oitiva de administradores/líderes de grupo.
  • O que fazer (prevenção): comunicação responsável (sem métodos/detalhes), educação digital, monitoramento de termos críticos, encaminhamento a serviços de saúde e apoio psicossocial.
Base legal essencial

  • Código Penal, art. 122 (induzir/instigar/auxiliar suicídio/automutilação, qualificadoras e causas de aumento).
  • Lei 13.968/2019 (incluiu automutilação e agravantes digitais).
  • Marco Civil da Internet — Lei 12.965/2014 (art. 19 e cooperação com autoridades).
  • ECA (proteção integral de crianças e adolescentes) e LGPD (tratamento de dados e preservação de logs).
Aviso importante: este guia é informativo e não substitui aconselhamento profissional jurídico ou de saúde. Em risco imediato, acione o SAMU 192 ou o serviço de emergência local. Para apoio emocional gratuito 24h, contate o CVV — 188 ou cvv.org.br. Se você administra comunidades on-line, adote remoção rápida, preservação de evidências e encaminhamento às autoridades.
FAQ — Induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio (formato normal, sem schema e sem acordeão)

O que a lei considera “induzir”, “instigar” e “prestar auxílio” ao suicídio?

Induzir é levar alguém a conceber a ideia e decidir pelo ato; instigar é incentivar/pressionar quem já tem a intenção; auxiliar é fornecer meios, instruções ou criar condições para a prática. Essas condutas também valem para automutilação. A tipificação está no art. 122 do Código Penal, atualizado pela Lei nº 13.968/2019.

Quais são as penas previstas e quando aumentam?

O art. 122 pune quando o resultado for lesão corporal grave ou morte. Há causas de aumento se a vítima for menor ou tiver capacidade de resistência reduzida, se o crime ocorrer por meios digitais (internet, redes, transmissões), por motivo egoístico/recompensa ou com liderança/administrador de grupo.

Há crime se a vítima não chega ao ato ou desiste?

Há possibilidade de tentativa se a conduta for inequívoca e dirigida ao resultado, conforme a dinâmica do caso e a prova colhida. Mesmo sem resultado lesivo, outras infrações podem ser apuradas (como ameaça, perseguição, bullying/cyberbullying), além de responsabilização civil e administrativa.

Mensagens em redes sociais e “desafios” on-line podem caracterizar o crime?

Sim. Interações que encorajam, pressionam ou ensinam práticas autolesivas, especialmente com monitoramento e cobranças, costumam configurar instigação e/ou auxílio. A lei prevê agravante para meios digitais e para quem exerce liderança em grupos.

Como se prova esse tipo de crime?

Com prints e mensagens datadas, áudios, metadados (IP, logs), perícia em dispositivos, depoimentos, relatórios clínicos e vínculos com comunidades on-line. É crucial a preservação de evidências e a cooperação de plataformas, nos termos do Marco Civil da Internet e da LGPD.

Qual é a responsabilidade das plataformas e dos administradores de grupo?

O Marco Civil (Lei nº 12.965/2014) prevê, em regra, responsabilidade após ordem judicial específica para remoção (art. 19), sem prejuízo de deveres de cuidado diante de risco iminente. Administradores e influenciadores que estimulem ou orientem condutas autolesivas podem responder penalmente e civilmente.

E quando a vítima é criança ou adolescente?

proteção reforçada pelo ECA (princípio da proteção integral e prioridade absoluta). O art. 122 tem aumento de pena quando a vítima é menor, e instituições devem acionar protocolos de proteção, comunicar autoridades e remover conteúdos de risco.

Profissionais (saúde, educação) podem romper sigilo em risco à vida?

Os códigos éticos admitem quebra justificada de sigilo para proteger a vida em situação de risco iminente, com registro do fundamento e comunicação aos responsáveis e autoridades competentes. A medida deve ser proporcional e restrita ao necessário para o encaminhamento.

O que fazer ao detectar conteúdo que incentive autolesão ou suicídio?

Evite replicar detalhes; preserve provas (prints com data/hora, links, IDs); solicite remoção; reporte à plataforma e às autoridades; e, diante de risco imediato, acione serviços de emergência. Ambientes institucionais devem ter políticas de moderação, canais de denúncia e treinamento.

Base técnica (fontes legais)

  • Código Penal — art. 122: induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio/automutilação; qualificadoras e causas de aumento (Lei nº 13.968/2019).
  • Marco Civil da Internet — Lei nº 12.965/2014: remoção de conteúdo (art. 19), guarda de registros e cooperação com autoridades.
  • Estatuto da Criança e do Adolescente: proteção integral, prioridade absoluta e deveres de comunicação.
  • LGPD — Lei nº 13.709/2018: tratamento e compartilhamento de dados/logs em investigações, com base legal adequada.
  • Normas éticas profissionais (saúde/educação): possibilidade de quebra de sigilo para proteção da vida, com justificativa e registro.
Aviso importante: este conteúdo é informativo e educativo e não substitui aconselhamento personalizado de profissionais jurídicos e de saúde. Em risco imediato, ligue para o SAMU (192) ou serviço de emergência local. Para apoio emocional gratuito 24h, contate o CVV — 188 ou cvv.org.br. Administradores de comunidades on-line devem adotar remoção rápida, preservação de evidências e encaminhamento às autoridades quando identificarem conteúdo de risco.

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