Improbidade Administrativa: Entenda a Ação, as Sanções e as Novas Regras da LIA
Improbidade administrativa: conceito, base legal e finalidade
A improbidade administrativa é a violação dolosa aos deveres de honestidade, legalidade, impessoalidade e lealdade às instituições, cometida por agente público (ou terceiro que com ele concorra), causando enriquecimento ilícito, dano ao erário ou atentando contra a probidade e o funcionamento da Administração. Sua disciplina central está na Lei de Improbidade Administrativa (LIA) — Lei nº 8.429/1992, com alterações relevantes introduzidas pela Lei nº 14.230/2021 — e dialoga com a Constituição (art. 37, §4º), com o processo civil e com diplomas de integridade e governança.
O objetivo da ação de improbidade é a reparação do dano, a repressão e a prevenção de condutas desleais ao interesse público, mediante um sistema de sanções civis e medidas de tutela (como indisponibilidade de bens), preservando o devido processo legal e a proporcionalidade sancionatória.
- Reparar integralmente o erário e recuperar vantagens indevidas.
- Punir agentes e terceiros que agirem com dolo contra a Administração.
- Prevenir novas violações, incentivando controles internos e compliance.
Partes e legitimidade ativa/passiva
Quem pode propor a ação
Em regra, a pessoa jurídica lesada (União, Estado, DF, Município, autarquia, fundação, empresa pública ou sociedade de economia mista) e o Ministério Público detêm legitimidade ativa. É comum a atuação conjunta, sendo possível o litisconsórcio e a cooperação interinstitucional, a depender do ente prejudicado e da origem do ato lesivo.
Quem pode figurar no polo passivo
Podem ser réus: agentes públicos (qualquer pessoa que exerça função, emprego ou cargo público, ainda que transitoriamente ou sem remuneração) e terceiros que induzam, concorram ou se beneficiem do ato ímprobo, como contratados e particulares.
Elementos subjetivos e tipologia dos atos de improbidade
Exigência de dolo
Após as alterações legislativas, consolidou-se a exigência de dolo (vontade consciente de alcançar o resultado ilícito) como regra para caracterização da improbidade. Assim, irregularidade formal, erro escusável ou atuação culposa isoladamente não bastam para a sanção por improbidade — embora possam gerar outras responsabilidades (administrativa, civil comum, eventualmente penal, conforme o caso).
Três eixos materiais
- Enriquecimento ilícito: obtenção de vantagem patrimonial indevida (ex.: propina, desvio de bens, uso particular de recursos públicos).
- Dano ao erário: condutas dolosas que causem prejuízo ao patrimônio público (ex.: pagamentos indevidos, superfaturamento, fraudes contratuais).
- Atos contra os deveres de probidade: violações graves e dolosas à legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, quando atentem contra a integridade do sistema administrativo.
- Ciência do caráter ilícito da conduta (regra clara, proibição conhecida, alerta ignorado).
- Vontade dirigida a obter vantagem indevida, causar prejuízo ou fraudar o sistema.
- Indícios típicos: ocultação, simulação, criação de obstáculos à auditoria, ajustes prévios entre fornecedores.
Sanções aplicáveis (dosimetria e proporcionalidade)
A LIA adota um modelo de sanções civis graduadas segundo a gravidade, a vantagem auferida, o dano e as circunstâncias do fato. Em linhas gerais, o julgador pode aplicar, isolada ou cumulativamente, respeitando a proporcionalidade:
- Perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente.
- Ressarcimento integral do dano.
- Multa civil (parâmetros vinculados ao dano, à vantagem ou à remuneração).
- Proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios/incentivos.
- Suspensão dos direitos políticos por prazo legalmente previsto, nos casos mais graves.
- Perda da função pública, quando houver nexo entre a função e o ato ímprobo.
- Gravidade do fato: dolo específico, reiteração, liderança no esquema.
- Extensão do dano e vantagem obtida (valores, impacto social e institucional).
- Colaboração, arrependimento eficaz e mitigação do dano.
- Proporcionalidade: evitar sanções excessivas; calibrar cumulação.
Medidas de urgência e tutela do patrimônio
Para assegurar a efetividade do processo, podem ser requeridas medidas cautelares, notadamente a indisponibilidade de bens, quando demonstrados fundados indícios do ato ímprobo e risco de frustração do ressarcimento. A decisão deve ser fundamentada, adequada e proporcional ao montante estimado do dano/benefício indevido, permitindo a ampla defesa e o contraditório em momento oportuno.
Ação de improbidade: rito, fases e prova
Fase investigatória e ajuizamento
Antes da ação, são comuns procedimentos preparatórios (ex.: inquérito civil, auditorias, tomada de contas). A petição inicial deve descrever os fatos de forma clara, indicar provas ou sua necessidade e justificar eventual pedido de tutela de urgência.
Recebimento da inicial e instrução
Havendo elementos mínimos, a inicial é recebida e segue-se a citação e a fase de instrução probatória, com produção de documentos, perícias e oitiva de testemunhas. Vale o sistema do ônus da prova do autor quanto à materialidade, dano e dolo, sem prejuízo de inversões pontuais quando a lei assim dispuser e houver verossimilhança qualificada.
Sentença, recursos e execução
A sentença apreciará a responsabilidade individualizada de cada réu, fixando sanções proporcionais e o ressarcimento. São cabíveis recursos segundo o CPC, e na execução buscam-se medidas efetivas de recuperação de ativos e cumprimento das penas civis impostas.
- Fatos delimitados (quem, o quê, quando, como, por quê).
- Base legal e enquadramento (tipo de ato: enriquecimento, dano, atentado à probidade).
- Provas disponíveis e provas a produzir (pericial/contábil, testemunhal, quebra de sigilo com ordem judicial etc.).
- Pedidos claros: sanções, ressarcimento, eventual tutela de urgência e bloqueio.
- Dosimetria justificada (proporcionalidade, individualização).
Prescrição e marcos temporais
A prescrição na improbidade segue prazos legais específicos e marcos de interrupção/contagem definidos na LIA, observando-se, em linhas gerais, um prazo longo para apuração de atos dolosos contra a Administração, com regras próprias para agentes com mandato, cargo em comissão ou função de confiança. Além do prazo principal, discute-se a prescrição intercorrente pela paralisação do processo por período legal, impondo atenção à celeridade e à gestão ativa do feito.
A régua temporal evidencia a importância de instituir cedo a coleta de provas e ajuizar tempestivamente, evitando a perda de pretensão sancionatória.
Acordo de não persecução cível (ANPC) e meios consensuais
A LIA admite soluções negociais — especialmente o ANPC — quando houver utilidade à reparação do dano, à cessação das práticas e à efetividade do controle. O acordo pode prever obrigações de pagar, programas de integridade, ajustes de governança, mecanismos de auditoria e sanções negociadas, sempre com homologação judicial e transparência compatível com o interesse público.
Relações com outras esferas de responsabilidade
As esferas civil por improbidade, penal e administrativa disciplinar são autônomas, embora comunicáveis em termos de prova e fatos. Absolvição penal por inexistência do fato ou negativa de autoria tende a repercutir, mas cada esfera possui objeto e padrão decisório próprios. A condenação por ato doloso de improbidade pode gerar inelegibilidade (legislação eleitoral), reforçando a necessidade de ampla defesa e decisões bem motivadas.
Prevenção: integridade, governança e controles internos
Mais que punir, o sistema visa evitar a ocorrência de atos ímprobos. Programas de integridade, gestão de riscos, controles internos, canais de denúncia e auditorias independentes reduzem vulnerabilidades. Em contratações, adote matriz de riscos, trilhas de auditoria, segregação de funções e monitoramento de preços. A cultura de transparência ativa e dados abertos facilita o escrutínio social e institucional.
- Mapa de riscos por processo (licitações, convênios, folha, TI).
- Due diligence de fornecedores e monitoramento contínuo.
- Auditoria de contratos (quantitativos, sobrepreço, aditivos).
- Treinamento periódico e canal de denúncias com proteção ao denunciante.
- Transparência: publicação de compras, sanções e relatórios de execução.
Defesa e teses comuns (perspectiva do contraditório)
Na defesa, usualmente discute-se: ausência de dolo, inexistência de dano (ou cálculo), nexo causal insuficiente, regularidade do procedimento, prescrição, ilicitude da prova, inadequação da via e excesso sancionatório. Também se questiona a proporcionalidade de bloqueios e a individualização das condutas em litisconsórcios numerosos, bem como a necessidade de perícias técnicas em hipóteses de sobrepreço ou superfaturamento.
Boas práticas probatórias e de gestão do processo
- Documentação minuciosa (atas, notas fiscais, medições, pareceres) desde a origem dos atos.
- Trilhas de auditoria digitais (logs de sistemas, e-mails institucionais, versões de documentos).
- Perícia contábil/engenharia quando o debate for técnico (preços, medições, qualidade).
- Cooperação judiciária para coleta de prova em diferentes jurisdições e órgãos de controle.
- Gestão ativa do calendário processual para evitar prescrição intercorrente.
Conclusão
A ação de improbidade administrativa é instrumento estrutural de defesa do patrimônio e da integridade pública. Seu uso exige rigor técnico na apuração do dolo, do dano e do nexo, bem como proporcionalidade na aplicação de sanções. A efetividade passa por boas práticas probatórias, tutelas de urgência calibradas, gestão eficiente do processo, e, quando adequado, por soluções consensuais que maximizem a recomposição do erário e a prevenção de novas violações. A Administração e os órgãos de controle devem, em paralelo, fortalecer programas de integridade, governança e transparência, reduzindo espaços para condutas ímprobas e aprimorando a confiança social nas instituições.
Guia rápido
- A improbidade administrativa é ato doloso praticado por agente público ou terceiro que viole os princípios da Administração, cause dano ao erário ou gere enriquecimento ilícito.
- Os principais fundamentos estão na Lei nº 8.429/1992 (LIA), atualizada pela Lei nº 14.230/2021.
- Podem responder agentes públicos e particulares que concorram para o ato.
- As sanções incluem ressarcimento, multa civil, perda de função e suspensão de direitos políticos, sempre com base no dolo.
- É possível o uso de acordos de não persecução cível para recompor o dano e prevenir novas práticas ímprobas.
FAQ
1. Qual a diferença entre improbidade e infração disciplinar?
A improbidade administrativa tem natureza civil e visa proteger a moralidade pública, enquanto a infração disciplinar é tratada no âmbito administrativo interno. O mesmo fato pode gerar ambas as responsabilidades, mas sob ritos e finalidades distintas.
2. A lei de improbidade exige sempre a prova do dolo?
Sim. Desde a reforma da Lei nº 14.230/2021, somente o dolo — a intenção consciente de violar o interesse público — pode configurar ato ímprobo. A culpa, isoladamente, não é suficiente.
3. O ressarcimento ao erário é sempre obrigatório?
Sim. Havendo comprovação de dano material ao patrimônio público, o ressarcimento integral é medida obrigatória e independe de outras sanções, conforme art. 12 da LIA.
4. É possível acordo em casos de improbidade?
Sim. O acordo de não persecução cível (ANPC) permite compor o dano e encerrar o processo, desde que haja confissão e reparação integral, com homologação judicial e controle de legalidade.
Fundamentação legal
- Constituição Federal — art. 37, §4º (sanções por atos de improbidade).
- Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa) — estrutura geral da ação e sanções.
- Lei nº 14.230/2021 — reforma da LIA, exigência de dolo e novos prazos de prescrição.
- Decreto nº 10.889/2021 — regulamenta a celebração de acordos de não persecução cível.
- Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) — regras subsidiárias de procedimento.
Considerações finais
A aplicação da Lei de Improbidade Administrativa busca preservar o interesse público, punindo condutas dolosas e protegendo o patrimônio coletivo. O correto enquadramento jurídico, o respeito ao devido processo legal e a proporcionalidade das sanções garantem o equilíbrio entre controle e justiça. É essencial fortalecer políticas de integridade, governança e transparência para prevenir novas violações.
As informações apresentadas têm caráter educativo e não substituem a orientação de um profissional qualificado na área jurídica.
