ICMS em Energia e Telecom: Alíquotas, TUSD/TUST e Como Pagar o Valor Correto
Aspectos constitucionais e legais do ICMS em energia elétrica e telecomunicações
O ICMS sobre energia elétrica e serviços de telecomunicações é tema sensível no direito tributário brasileiro, por juntar questões de essencialidade, seletividade constitucional e limites jurisprudenciais. A Constituição Federal, em seu art. 155, §2º, inciso III, autoriza tratamento tributário diferenciado (aliquotas mais baixas) para bens e serviços essenciais, respeitado o critério da seletividade. Quando o legislador estadual adota essa técnica, alíquotas para energia e telecom não devem ultrapassar a alíquota interna geral vigente para “operações em geral”, sob pena de inconstitucionalidade (Tema 745 do STF). Em 2022, o STF declarou inconstitucional alíquotas maiores em energia e telecom em cinco estados. 0
Princípio da seletividade e essencialidade
O princípio da seletividade exige que o ICMS seja graduado conforme grau de essencialidade dos bens e serviços. Ou seja, bens ou serviços considerados essenciais (como energia/água) devem ter alíquotas reduzidas em comparação aos supérfluos. Na prática, se o Estado já adota lei com seletividade, **a alíquota de energia elétrica ou telecom não pode exceder a alíquota padrão aplicada a operações gerais**. Isso decorre do controle constitucional de proporcionalidade. Nos julgamentos do Tema 745/STF, fixou-se que alíquotas excessivas nessas áreas são incompatíveis com o padrão constitucional. 1
Tema 745/STF e modulação de efeitos
O STF, no RE 714.139/SC (Tema 745), firmou que “adotada pelo legislador estadual a técnica da seletividade, discrepam do figurino constitucional alíquotas sobre operações de energia elétrica e telecomunicações em patamar superior ao das operações em geral”. Além disso, modulou efeitos a partir do exercício financeiro de 2024, com ressalvas para ações ajuizadas até o início do julgamento do mérito em 5/2/2021. 2
Base de cálculo: inclusão de TUSD e TUST
Importante recente avanço jurisprudencial no âmbito do STJ (Tema 986) é o entendimento de que as tarifas de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) e Uso do Sistema de Transmissão (TUST) integram a base de cálculo do ICMS sobre energia elétrica quando lançadas na fatura ao consumidor final. Ou seja, essas parcelas não podem ser excluídas da base de cálculo. 3
O julgamento modulou efeitos: até 27 de março de 2017 permanecem efeitos de decisões liminares favoráveis a consumidores (sem depósito judicial), mas depois dessa data a inclusão passa a valer para novos casos ou como aplicação da tese. 4
ICMS como insumo para telecomunicações: creditamento possível?
Outra questão polêmica é o tratamento da energia elétrica consumida por prestadoras de telecomunicações como insumo. Em alguns mandados de segurança, defendido que possam creditar ICMS pago nessa energia elétrica, nos termos do art. 33, II, b, da Lei Complementar 87/1996, que autoriza crédito para insumos equivalentes à indústria. Alguns precedentes admitem esse creditamento para prestadoras que se equiparam à indústria básica. 5
Competência estadual e regime jurídico aplicável
O ICMS é tributo estadual e de competência dos Estados e DF. As legislações estaduais definem alíquotas, benefícios e regras de seletividade. No caso de energia elétrica e telecomunicações, o Estado deve respeitar o padrão constitucional, manter a proporcionalidade da seletividade e adaptar suas normas conforme jurisprudência do STF e STJ.
Estatística e impacto tributário
Embora não haja dados unificados nacionais para cada Estado, o impacto das decisões (Tema 745 e Tema 986) deverá gerar restituição ou compensação significativa para consumidores e empresas de telecom. Alguns estados já revisaram suas alíquotas ou medidas normativas após decisões do STF.
Resumo prático:
- Seletividade aplicada → alíquota de energia/telecom ≤ alíquota geral;
- TUSD e TUST integram base de cálculo;
- Empresas de telecom podem pleitear crédito de ICMS sobre energia usada como insumo;
- Estados devem ajustar leis e alíquotas conforme Tema 745 e decisões do STJ.
Desafios e controvérsias
Nem todos os tribunais estaduais implementaram as decisões do Tema 745 ou reconheceram efeitos antes de 2024. Há litígios sobre restituição de valores pagos a maior nos últimos cinco anos e controvérsia sobre modulação ou aplicação limitada da decisão. 6
Além disso, o setor de telecomunicações recorre ao STF contra alíquotas adicionais consideradas arbitrárias, alegando que os serviços não devem ser considerados supérfluos para justificar tributos mais elevados. 7
Quadro comparativo: aspectos fundamentais
| Aspecto | Energia Elétrica | Telecomunicações |
|---|---|---|
| Limite constitucional | Alíquota não pode ser maior que a alíquota geral se há seletividade | Same regra do princípio da seletividade |
| Base de cálculo | Inclui TUSD e TUST | Faturamento dos serviços, considerando tarifas aplicadas |
| Creditamento – energia usada como insumo | Não aplicável (consumo final) | Admitido em casos em que telecom é equiparada à indústria para fins de insumos |
| Competência | Estado onde o serviço é prestado / estabelecido | Mesmo princípio estadual de competência |
Conclusão
O tributo de ICMS sobre energia elétrica e telecomunicações deve se submeter aos limites constitucionais do princípio da seletividade. As decisões do STF no Tema 745 impediram que alíquotas para esses setores superem as alíquotas gerais quando a técnica da seletividade estiver vigente. Por sua vez, o STJ, no Tema 986, consolidou que as tarifas TUSD e TUST integram a base de cálculo do ICMS sobre energia elétrica. 8
No setor de telecom, há margem para creditamento do ICMS pago na energia elétrica usada como insumo, desde que avaliado sob o regime legal de equiparação à indústria. 9
Os Estados devem readequar suas legislações e práticas tributárias à jurisprudência dominante, observando modulações de efeitos e respeitando o direito de restituição ou compensação quando aplicável. O equilíbrio entre a carga tributária e a proteção constitucional ao consumo essencial é o desafio central neste tema.
Guia Rápido: o que observar no ICMS de energia elétrica e telecom
O ICMS que incide sobre energia elétrica e serviços de telecomunicações ganhou regras e limites bem definidos pela Constituição e pela jurisprudência recente. Para agir com segurança — seja você consumidor cativo, empresa eletrointensiva, operadora de telecom, escritório contábil ou jurídico — concentre-se nos três pilares: seletividade/essencialidade, base de cálculo e procedimentos de apuração/crédito. Abaixo estão os pontos-chave para decisões rápidas e conformes.
1) Seletividade e essencialidade: qual alíquota aplicar?
- Se o seu Estado adota a técnica da seletividade em função da essencialidade, a alíquota de energia e telecom não pode superar a alíquota interna “geral”.
- Nos últimos anos, decisões de controle concentrado firmaram essa diretriz: energia e telecom são serviços essenciais e, nessa técnica, não cabe tributação superior à ordinária.
- Na prática: verifique a alíquota geral do seu Estado e compare com a alíquota aplicada ao seu contrato/fatura; divergência pode ensejar revisão prospectiva e, em casos elegíveis, pedido de restituição.
Checklist rápido: a lei estadual usa seletividade? Qual é a alíquota “operações em geral”? A de energia/telecom está acima? Há modulação temporal a observar antes de pedir valores pretéritos?
2) Base de cálculo na energia: TUSD/TUST entram?
- Para consumidores finais faturados na conta, as parcelas de TUSD (distribuição) e TUST (transmissão) integram a base do ICMS quando destacadas na fatura.
- Exceções e transições podem existir por força de modulações judiciais; valide o período e eventuais decisões específicas da sua região/contrato.
- Em contratos de mercado livre e autoprodução, avalie a estrutura do faturamento (medição, lastro, encargos) antes de projetar a carga tributária.
Dica operacional: se você discute a inclusão de TUSD/TUST, organize planilhas por período (consumo, tarifas, ICMS apurado), junte faturas e aponte claramente o marco temporal de cada tese.
3) Telecomunicações: créditos e insumos
- Empresas de telecom podem discutir creditamento de ICMS sobre energia elétrica usada na prestação do serviço quando caracterizada como insumo essencial, à luz de regras da LC 87/1996 e de precedentes específicos.
- Mapeie: centrais, data centers, enlaces e infraestrutura que consomem energia de forma direta na viabilização do serviço — documente nexo técnico.
- Evite glosas: mantenha memória de cálculo, notas fiscais e laudos que evidenciem o uso produtivo da energia.
4) Benefícios, regimes e cuidados contratuais
- Incentivos/benefícios de ICMS (reduções, créditos presumidos, isenções) exigem base legal idônea; quando se tratar de ICMS, benefícios amplos costumam depender de regras/convênios específicos.
- Em migrações para mercado livre ou renegociações de telecom, avalie cláusulas de repasse tributário, indicadores de consumo e mecanismos de ajuste retroativo.
- Para grandes consumidores, simule cenários com curvas de carga/hora (energia) e mix de serviços (telecom) para mensurar o efeito do ICMS na conta total.
Erros comuns: ignorar a seletividade ao comparar alíquotas; pedir restituição sem checar modulação temporal; pleitear crédito de energia sem demonstrar insumo essencial; projetar custo sem incorporar TUSD/TUST na base.
5) Como agir agora (passo a passo prático)
- Levante normativo: lei estadual vigente (alíquotas geral/energia/telecom) e atos da SEFAZ aplicáveis.
- Auditoria de faturas: compile 24–60 meses, destaque ICMS, TUSD/TUST, bases e alíquotas.
- Diagnóstico jurídico: verifique elegibilidade a revisão prospectiva e limites de repetição de indébito (prazo, modulação, prova).
- Plano de compliance: atualize parametrizações de ERP/faturamento, crie rotinas de conferência e memória de cálculo para créditos/debitos.
- Governança: defina responsáveis (fiscal, jurídico, compras/energia, rede/telecom) e cronograma de revisões trimestrais.
Em resumo, para reduzir riscos e custos, alinhe seletividade (alíquotas conformes), base de cálculo (incluindo TUSD/TUST quando aplicável) e gestão de créditos (telecom como insumo essencial, quando comprovado). A combinação de auditoria documental, parâmetros atualizados e planejamento contratual é o caminho mais curto para uma conta correta — e para aproveitar oportunidades legítimas de economia tributária.
Observação: este guia resume entendimentos dominantes e boas práticas operacionais. Para casos concretos, avalie sempre a legislação do seu Estado, decisões locais e eventuais modulações temporais.
Perguntas Frequentes — ICMS em Energia e Telecom
1) Quando o ICMS incide sobre energia elétrica? ▾
Na saída de energia para o consumidor (faturamento), incidindo sobre o valor total da operação conforme a legislação estadual e regras da LC 87/1996.
2) TUSD e TUST entram na base do ICMS de energia? ▾
Em regra, sim: quando destacadas ao consumidor final na fatura, TUSD e TUST integram a base de cálculo. Verifique decisões locais e eventuais modulações temporais.
3) O que é seletividade e como afeta a alíquota? ▾
Se o Estado adota a técnica da seletividade por essencialidade, as alíquotas de energia/telecom não podem exceder a alíquota interna geral de operações em geral.
4) Posso pedir restituição se paguei alíquota acima da geral? ▾
É possível discutir repetição de indébito quando a seletividade foi violada, observando prazos e eventuais modulações definidas pelos tribunais.
5) Empresas de telecom podem se creditar do ICMS da energia consumida? ▾
Há teses para creditamento quando a energia é insumo essencial à prestação do serviço (centrais, data centers, enlaces). Requer prova técnica e documentação robusta.
6) Como conferir se a alíquota aplicada está correta na fatura? ▾
- Compare a alíquota exibida com a alíquota interna geral do Estado;
- Cheque se há regime especial/benefício válido;
- Recalcule a base com TUSD/TUST quando aplicável.
7) Mercado livre de energia muda o ICMS? ▾
O fato gerador e a base podem variar conforme a estrutura contratual (medição, suprimento, encargos). Analise contratos e regras estaduais para apurar corretamente o imposto.
8) Há benefícios fiscais para energia e telecom? ▾
Podem existir reduções/isenções por lei estadual ou convênios. Benefícios requerem base legal idônea e observância da LRF (renúncia de receita).
9) Como documentar um pedido de crédito ou restituição? ▾
- Faturas com memória de cálculo (base, alíquota, ICMS);
- Planilhas mês a mês (consumo, TUSD/TUST, diferenças);
- Laudos que comprovem insumo essencial (telecom);
- Atos normativos e protocolo administrativo/judicial.
10) Quais são os erros mais comuns na prática? ▾
- Aplicar alíquota acima da geral em Estados com seletividade;
- Excluir indevidamente TUSD/TUST da base sem amparo atual;
- Pedir crédito sem demonstrar nexo técnico (telecom);
- Ignorar modulações temporais de decisões judiciais.
Base Técnica e Referências Legais
A seguir estão as principais fontes legais, decisões e fundamentos técnicos que sustentam o tratamento tributário do ICMS sobre energia elétrica e serviços de telecomunicações. Essas referências consolidam o entendimento jurídico sobre seletividade, base de cálculo e essencialidade, alinhadas à jurisprudência do STF e STJ.
1. Fundamentos Constitucionais
- Art. 155, II e §2º, III da Constituição Federal — Estabelece a competência dos Estados e do DF para instituir o ICMS e o princípio da seletividade em função da essencialidade.
- Art. 150, II e §6º — Proíbe tratamento desigual entre contribuintes e exige lei específica para concessão de isenções e benefícios fiscais.
- Art. 37, caput — Impõe o princípio da legalidade e moralidade administrativa, relevante para a gestão de arrecadação e renúncia fiscal.
2. Legislação Complementar e Infralegal
- Lei Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir) — Define normas gerais do ICMS, abrangendo energia elétrica e telecomunicações como mercadorias e serviços tributáveis.
- Convênio ICMS nº 15/1985 — Regulamenta operações de energia elétrica e telecom no âmbito interestadual.
- Convênio ICMS nº 190/2017 — Estabelece obrigações de transparência e registro de benefícios fiscais concedidos pelos Estados.
- Lei nº 9.472/1997 (Lei Geral de Telecomunicações) — Define a natureza econômica dos serviços de telecom e sua relação com a incidência tributária.
3. Jurisprudência dos Tribunais Superiores
- STF — Tema 745 (RE 714.139/SC) — Fixou que “adotada a seletividade, alíquotas de energia elétrica e telecomunicações não podem ser superiores às alíquotas gerais”.
- STF — ADI 7117 — Confirmou a essencialidade da energia elétrica e telecomunicações, reforçando a necessidade de tratamento tributário proporcional.
- STJ — Tema 986 (REsp 1.163.020/RS e REsp 1.299.303/SC) — Firmou que as tarifas TUSD e TUST integram a base de cálculo do ICMS sobre energia elétrica.
- STJ — REsp 1.299.032/SP — Reconheceu a possibilidade de creditamento de ICMS sobre energia elétrica usada como insumo essencial em telecomunicações.
4. Normas e Pareceres Administrativos
- Secretarias Estaduais da Fazenda (SEFAZ) — Instruções Normativas e Portarias que disciplinam a cobrança e apuração do ICMS sobre energia e telecomunicações.
- Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) — Publicação de convênios e ajustes SINIEF referentes ao ICMS de energia e telecom.
- Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) — Normas sobre TUSD e TUST (Resolução Normativa nº 414/2010 e nº 1000/2021).
- Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) — Regulamentos sobre a natureza tarifária e operacional dos serviços de comunicação.
Resumo técnico: a seletividade é obrigatória quando adotada na legislação estadual; energia elétrica e telecom são serviços essenciais; as tarifas TUSD/TUST integram a base de cálculo; e a modulação do STF em 2024 restringe restituições retroativas não ajuizadas antes de 2021.
5. Doutrina Especializada
- Roque Antonio Carrazza — Defende que a energia elétrica e telecomunicações são bens essenciais e devem ter tributação mínima.
- Hugo de Brito Machado — Sustenta que a seletividade do ICMS é cláusula protetiva do consumidor, não simples faculdade legislativa.
- Luciano Amaro — Ressalta que a incidência do ICMS sobre energia e telecom deve respeitar o princípio da capacidade contributiva e a função social do tributo.
6. Encerramento Técnico
O tratamento do ICMS sobre energia elétrica e telecomunicações representa um dos pontos mais relevantes da política fiscal brasileira. As recentes decisões do STF e STJ reafirmam o equilíbrio entre arrecadação e justiça tributária, destacando o caráter essencial desses serviços.
Para os Estados, a adequação normativa à seletividade e às bases de cálculo fixadas é indispensável para evitar futuras autuações e litígios. Para os consumidores e empresas, compreender esses parâmetros é essencial para garantir segurança jurídica e exercer plenamente o direito à revisão e compensação de valores pagos a maior.
A tendência é que a Reforma Tributária (EC 132/2023) consolide a simplificação e substituição do ICMS pelo IBS, com mecanismos de compensação automatizados e maior transparência federativa — marcando um novo ciclo de modernização tributária.
Fontes consultadas: Constituição Federal; LC 87/1996; Convênios ICMS 15/85 e 190/17; RE 714.139/SC; ADI 7117; Tema 986/STJ; ANEEL Res. 414/2010; ANATEL; obras de Carrazza, Amaro e Machado.
