Direito civil

Herança Jacente e Vacante: Entenda Como o Estado Assume Bens Sem Herdeiros

Conceitos centrais: o que são herança jacente e vacante

Herança jacente é a massa de bens deixada por alguém que faleceu sem herdeiro conhecido e sem testamento válido, ou quando os chamados à sucessão são incertos, desconhecidos ou não estão presentes para assumir a herança. Enquanto perdurar a incerteza, o conjunto patrimonial é arrecadado e fica sob curadoria judicial, com administração e guarda até que apareçam herdeiros habilitados.

Herança vacante é a fase seguinte: depois de expirado o prazo legal de editais à procura de herdeiros, e não aparecendo sucessores, o juiz declara a vacância e defere os bens ao Poder Público (Município/DF/União, conforme o local dos bens). O domínio do Estado é, inicialmente, resolúvel: se surgirem herdeiros dentro do prazo legal, podem reaver os bens ou o valor correspondente.

Ideia-chave: jacente = bens sob curadoria, busca de herdeiros; vacante = bens provisoriamente transferidos ao Estado, com possibilidade de retorno se herdeiros aparecerem a tempo.

Base legal resumida

  • Código Civil: dispositivos sobre herança jacente e vacante (nomeação de curador, arrecadação, prazo de editais, vacância e devolução ao Estado; direito de herdeiros retardatários).
  • CPC/2015 (jurisdição voluntária): rito de arrecadação, publicação de editais, administração e prestação de contas pelo curador.
  • Legislação local: leis patrimoniais do ente público destinatário (Município/DF/União) regulam a gestão dos bens vacantes.

Quando a herança se torna jacente

Instala-se a jacência quando: (i) não há notícia de herdeiros; (ii) há dúvida relevante sobre a existência de sucessores; (iii) os herdeiros são desconhecidos, ausentes ou incapazes de imediato ingresso; (iv) inexistindo testamento eficaz. Nesses casos, o Ministério Público, a Fazenda Pública, credores, síndicos, administradores de bens ou qualquer interessado podem provocar o juízo para a arrecadação.

Arrecadação e curadoria

O juiz determina a arrecadação dos bens (móveis, imóveis, créditos, títulos, direitos, ações), nomeia curador da herança (que pode ser um gestor público, serventuário ou pessoa idônea) e ordena inventário e avaliação. O curador assume deveres de guarda, conservação e administração prudente, com prestação de contas periódica e supervisão judicial, assegurando:

  • pagamento de despesas urgentes (tributos, taxas condominiais, conservação);
  • levantamento e cobrança de créditos do espólio;
  • depósito de valores;
  • locação ou atos necessários de gestão com autorização.
Quadro prático – deveres do curador

  1. Relacionar e avaliar bens; lacrar quando necessário.
  2. Recolher, guardar e conservar; contratar serviços essenciais.
  3. Prestar contas e submeter atos relevantes ao juiz.
  4. Publicar editais amplos convocando herdeiros.

Do edital à vacância: prazos e efeitos

Aberta a jacência, o juízo ordena publicação de editais em meios oficiais para que eventuais herdeiros se apresentem e se habilitem. Decorrido o prazo legal de divulgação sem habilitação válida, a herança é declarada vacante. Com a vacância:

  • os bens são devolvidos ao ente público competente (Município/DF/União, conforme localização);
  • o domínio público é resolúvel por período certo (prazo decadencial para herdeiros retardatários pleitearem a herança);
  • o ente público assume a gestão, podendo alienar bens segundo a lei patrimonial, mantendo-se a responsabilidade de restituição se aparecer herdeiro a tempo (em dinheiro, se o bem já tiver sido alienado).

Herdeiro retardatário: pode reaver?

Sim. O herdeiro legítimo ou testamentário que comprovar o direito dentro do prazo legal pode reclamar os bens no estado em que se acharem, ou o preço obtido em eventual alienação, além dos frutos e rendimentos desde a citação, observada a boa-fé do administrador público.

Mensagem-chave: a vacância não fecha definitivamente a porta aos herdeiros; ela estabiliza a gestão pública dos bens até o decurso do prazo de consolidação do domínio.

Efeitos patrimoniais e processuais

Pagamento de dívidas

Durante a jacência e após a vacância, as obrigações do espólio (tributárias, civis, trabalhistas) seguem a ordem de pagamento conforme disponibilidade e liquidação de bens. Credores habilitam-se no próprio processo ou via execução contra a herança, observando a supervisão judicial.

Frutos, rendimentos e responsabilidade

Os frutos e rendimentos (aluguéis, dividendos, juros) devem ser recolhidos e contabilizados. A responsabilidade do curador e, após a vacância, do gestor público, é de boa administração, respondendo por culpa ou dolo na perda de bens.

Relação com ausência e desaparecimento

Se houver pessoa desaparecida que pode ser herdeira, aplica-se o regime da ausência (curadoria do ausente), não o de jacência. A jacência pressupõe inexistência de herdeiros conhecidos ou habilitados.

Mini-tabela comparativa

Instituto Titularidade Administração Efeito final
Herança jacente Sem herdeiro certo Curador judicial Busca de herdeiros; pode virar vacante
Herança vacante Ente público (domínio resolúvel) Gestor público segundo lei patrimonial Consolidação no Estado se não houver herdeiros no prazo

Passo a passo do procedimento

  1. Provocação do juízo (MP, Fazenda, interessado, credor).
  2. Arrecadação e curadoria; inventário e avaliação dos bens.
  3. Editais chamando herdeiros, por período legal.
  4. Habilitação de herdeiros (se houver) e partilha; ou declaração de vacância e remessa ao ente público.
  5. Gestão pública dos bens e eventual reclamação por herdeiro retardatário dentro do prazo.

Riscos e boas práticas

  • Não atrasar a arrecadação: risco de deterioração e desvio de bens.
  • Registrar meticulosamente a gestão (contas, contratos, depósitos).
  • Divulgar editais de forma ampla, inclusive com apoio de cadastros e órgãos públicos.
  • Respeitar direitos de credores e ocupantes (locatários, comodatários), evitando litígios desnecessários.

Guia rápido

  • Jacente: herança sem herdeiro conhecido; curadoria e editais.
  • Vacante: após o prazo de editais; bens ao Estado (domínio resolúvel).
  • Herdeiro retardatário: pode reaver bens/valor dentro do prazo legal.
  • Curador: administra, conserva, presta contas.
  • Credores: habilitação no processo; pagamento conforme disponibilidade.

FAQ (perguntas frequentes)

1) O que desencadeia a herança jacente?

Falecimento sem herdeiro conhecido ou com herdeiros incertos/desconhecidos, sem testamento eficaz.

2) Quem pede a arrecadação?

Ministério Público, Fazenda Pública, credores, administradores e interessados legítimos.

3) Qual o papel do curador?

Guardar e administrar bens, pagar despesas essenciais, prestar contas e promover a publicação de editais.

4) Depois de quanto tempo a herança se torna vacante?

Após o prazo legal de editais sem habilitação válida de herdeiros, o juiz declara a vacância.

5) Para quem vão os bens vacantes?

Para o Município, Distrito Federal ou União, conforme a localização dos bens.

6) O Estado vira dono para sempre?

Inicialmente o domínio é resolúvel; herdeiros podem reclamar dentro do prazo legal, após o qual o domínio se consolida.

7) Se os bens forem vendidos pelo ente público, o herdeiro perde?

Não; ele poderá receber o preço obtido e, quando cabível, os frutos desde a citação.

8) Credores do falecido podem cobrar?

Sim. Devem habilitar-se no processo; os pagamentos obedecem à ordem e à disponibilidade patrimonial.

9) Jacente é a mesma coisa que ausência?

Não. Ausência trata de desaparecido potencialmente vivo; jacente refere-se ao espólio de pessoa falecida sem herdeiro conhecido.

10) Há custas e impostos durante a jacência?

Sim. Tributos e despesas ordinárias do patrimônio devem ser recolhidos pelo curador, sob controle judicial.

Fundamentos legais e trilha de prática

Código Civil: regras sobre herança jacente, vacante, nomeação de curador, publicação de editais, devolução dos bens ao Estado e direito de herdeiro retardatário (arts. dedicados à matéria no Título de Sucessões). CPC/2015: procedimento de arrecadação e administração na jurisdição voluntária (seção própria da herança jacente). Leis locais: estatutos patrimoniais municipais/distritais/federais sobre incorporação, alienação e destinação dos bens vacantes. Jurisprudência: consolida o caráter resolúvel do domínio público até o decurso do prazo de consolidação e admite restituição em dinheiro se houver alienação prévia.

Roteiro prático para o advogado

  • Verificar certidões de óbito, estado civil, parentesco e buscas cadastrais (cartórios, registros, previdência).
  • Requerer arrecadação com pedido de medidas de conservação (lacres, depósitos, guarda).
  • Sugerir ou fiscalizar a curadoria e exigir contas periódicas.
  • Acompanhar editais e auxiliar potenciais herdeiros na habilitação.
  • Em caso de vacância, orientar credores e avaliar reclamação de herdeiro retardatário.

Considerações finais

A distinção entre herança jacente e vacante organiza a tutela de bens sem titular certo, evitando deterioração patrimonial e assegurando o retorno aos legítimos sucessores quando houver. O sucesso prático depende de arrecadação ágil, administração transparente e divulgação eficaz dos editais, além da correta orientação a credores e possíveis herdeiros.

Aviso importante: Este conteúdo é educacional e não substitui análise individualizada. Situações concretas exigem avaliação documental, riscos processuais e prazos específicos. Procure um profissional habilitado para decisões e medidas no caso concreto.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *