Golpes com Milhas e Pontos de Fidelidade: Quem Responde e Como Garantir Reembolso
Panorama: por que milhas e pontos são alvo de golpes
Programas de fidelidade e clubes de milhas concentram valor econômico conversível em passagens, hospedagem, produtos e até dinheiro. Esse ecossistema envolve bancos emissores, bandeiras, varejistas, intermediários (sites de emissão, cashback, redes de benefícios) e as próprias plataformas de milhas. A amplitude de integrações — APIs, carteiras, parceiros e marketplaces — amplia a superfície de ataque e explica o aumento de fraudes como sequestro de conta, transferências não reconhecidas, emissões indevidas de bilhetes e venda ilícita de pontos.
Tipologias de golpes mais comuns
| Golpe | Como ocorre | Sinais de alerta |
|---|---|---|
| Account Takeover (sequestro de conta) | Criminosos obtêm login/senha por phishing ou vazamentos e trocam o e-mail/telefone. | Login desconhecido, alteração de dados, SMS de código sem solicitação. |
| Transferência indevida de pontos | Transferem para outra conta ou emitem bilhetes para terceiros. | Extratos com “transfer” fora do padrão, emissão em madrugada/feriado. |
| Golpe do intermediário | Falsa agência ou “consultor” capta dados e emite bilhetes com acesso indevido. | Pedidos de senha/código por WhatsApp, perfis sem CNPJ/endereço. |
| SIM swap e 2FA quebrado | Tomam seu número, recebem códigos e autenticam operações. | Perda súbita de sinal, chamadas e SMS que não chegam. |
| Phishing temático | E-mails e páginas clonadas sobre bônus/urgência de expiração. | Domínios estranhos, erros de português, urgência atípica. |
Dever de segurança e o conceito de fortuito interno
Plataformas de milhas, bancos e parceiros devem adotar controles proporcionais ao risco: autenticação forte (MFA), detecção de anomalias, device binding, confirmação ativa de transferências, travas de valor e quarentena para operações atípicas. Quando a fraude decorre de fragilidade de sistema, falha no monitoramento ou de integração com parceiros, trata-se de fortuito interno — risco da própria atividade — e, via de regra, recai a responsabilidade objetiva sobre o fornecedor para reparar o dano, independentemente de culpa.
Mesmo quando há alguma participação do consumidor (ex.: clique em phishing), a jurisprudência costuma avaliar a cadeia de proteção implementada: se a plataforma não usava camadas robustas (geolocalização, biometria, confirmação fora de banda), a responsabilidade tende a ser reconhecida porque o risco previsível do setor exige barreiras adicionais.
Quem responde? Cadeia de fornecimento e solidariedade
Em emissões e transferências de milhas há uma cadeia de consumo (banco emissor do cartão, programa de fidelidade, gateway, companhia aérea, marketplace de passagens). Todos que participaram da oferta e execução do serviço podem responder de forma solidária perante o consumidor, que pode exigir a solução de qualquer um deles. Depois, os fornecedores ajustam a responsabilidade internamente (regresso).
- Falha sistêmica da plataforma de milhas ou do parceiro → responsabilidade objetiva pelo risco da atividade.
- Cobrança indevida (ex.: anuidade/transfer fee não reconhecida) → restituição imediata e, em casos de má-fé, repetição em dobro.
- Marketplace que intermedeia emissão/transferência → responde solidariamente com o fornecedor que finalizou a operação.
Provas e atuação prática do consumidor
- Documente: extratos de pontos, e-mails de confirmação, logs do app, números de protocolos, prints da alteração de dados.
- Notifique imediatamente a plataforma e o parceiro (banco/companhia aérea), peça bloqueio da conta e estorno de emissões/transferências.
- Boletim de ocorrência e comunicação à operadora de telefonia (se houver indícios de SIM swap).
- Registre reclamação em canais públicos e no órgão de defesa do consumidor local para acelerar mediação.
- Persistindo o problema, avalie o Juizado Especial, juntando provas de falha de segurança e dano (material e, se for o caso, moral).
Prevenção: controles que reduzem a exposição
- Ative MFA com biometria ou chave de segurança; evite apenas SMS.
- Bloqueie transferências/emissões por padrão e libere caso a caso (ou defina limites diários e lista de confiança).
- Monitore logins e dispositivos; remova aparelhos antigos e troque senhas após viagens ou incidentes.
- Desconfie de bônus “imperdíveis” que exijam urgência e fornecimento de código; confirme domínios oficiais.
- Mantenha o e-mail principal com MFA forte e alertas de novas sessões.
Políticas contratuais: validade e limites
Cláusulas que isolem completamente a responsabilidade (“uso por sua conta e risco”, “não nos responsabilizamos por terceiros”) são analisadas com restrição, especialmente diante de assimetria técnica e da necessidade de segurança por desenho nas plataformas. Regras sobre expiração de pontos, prazo de contestação e impedimentos de transferência devem ser claras e equilibradas; do contrário, podem ser consideradas abusivas. Também não é aceitável impor obstáculos artificiais para registro de contestação (ex.: atendimento exclusivamente telefônico com “fila infinita”, quando a contratação e a emissão são digitais).
Métricas e gráficos para gestão de risco (exemplo)
Para relatórios internos (síndicos de milhas corporativas, compliance de bancos/parceiros), recomenda-se acompanhar:
- Taxa de ATO (contas sequestradas) por 10 mil contas ativas.
- Tempo médio de detecção e de bloqueio após operação atípica.
- Percentual de operações revertidas em até 48h.
- Adesão a MFA forte (% de usuários com biometria/chave de segurança).
- Incidentes com parceiros por integração/loja específica.
Esses indicadores podem ser plotados mensalmente para visualizar picos de fraude em campanhas de bônus e ajustar controles (ex.: quarentena temporária em transferências após mudança de e-mail ou aparelho).
Como estruturar a reclamação do consumidor (modelo enxuto)
Assunto: Transferência/emissão não reconhecida – pedido de bloqueio e estorno
“Sou titular da conta XYZ. Em data, às hora, houve transferência/emissão não reconhecida de xx.000 pontos. Solicito bloqueio preventivo, reversão da operação, restauração dos pontos e investigação, com envio dos logs (IP, dispositivo, geolocalização). Protocolos: nº…. Registrei BO e mantenho meus dispositivos com MFA. Aguardo solução em até 10 dias.”
Conclusão
Milhas e pontos são ativo digital de alto valor e, portanto, alvo prioritário de fraudadores. Cabe às empresas do ecossistema — bancos, programas de fidelidade, companhias aéreas e marketplaces — garantir arquitetura de segurança robusta, monitoramento preditivo e resposta rápida quando incidentes ocorrerem. Ao consumidor, compete adotar higiene digital, ativar MFA forte, desconfiar de urgências e documentar toda a comunicação. Em caso de golpe, a responsabilidade costuma recair sobre quem controla o risco e lucra com a operação, com dever de restituir e corrigir processos. Transparência, prevenção em múltiplas camadas e atendimento resolutivo são os pilares para reduzir perdas e preservar a confiança no sistema.
Guia rápido
- Golpes mais comuns: sequestro de contas, transferências indevidas, emissões falsas de bilhetes e fraudes via WhatsApp.
- Responsabilidade: bancos e programas de milhas respondem objetivamente por falhas de segurança (fortuito interno).
- Consumidor: deve notificar imediatamente e guardar comprovantes, e-mails e protocolos.
- Prova: extratos de pontos, logs de acesso, boletim de ocorrência e prints de alterações.
- Reembolso: em fraudes comprovadas, a empresa deve restituir milhas e indenizar prejuízos.
- Prazo: contestar até 90 dias, conforme regras internas ou prazos de consumo.
- Vazamentos: falha de proteção de dados gera responsabilidade solidária (art. 42, LGPD).
- Boas práticas: usar autenticação em dois fatores (MFA) e nunca compartilhar códigos.
- Atendimento: empresas devem ter canal ágil e não podem impor obstáculos artificiais.
- Recursos legais: CDC, LGPD e jurisprudência do STJ amparam o consumidor em fraudes digitais.
FAQ
1) Fui vítima de golpe com milhas. Quem é responsável?
Programas de fidelidade, bancos e parceiros respondem solidariamente, pois fazem parte da mesma cadeia de consumo. O risco é considerado fortuito interno.
2) O programa pode negar devolução alegando culpa do cliente?
Somente se provar que houve negligência grave e que os sistemas de segurança eram suficientes. Em regra, o fornecedor deve reembolsar.
3) Como devo agir ao perceber movimentações estranhas?
Bloqueie a conta, comunique imediatamente o programa e o banco, registre boletim de ocorrência e preserve provas (prints e protocolos).
4) E se a fraude ocorreu por um parceiro ou intermediário?
A responsabilidade é solidária entre todos os fornecedores, inclusive marketplaces e companhias aéreas.
5) O que é fortuito interno?
É o risco inerente à atividade empresarial. Falhas de sistema, vazamentos e brechas de segurança não afastam a obrigação de indenizar.
6) Posso exigir devolução em dobro?
Sim, se houver cobrança indevida ou recusa injustificada em reembolsar, conforme o art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor.
7) Há prazo para contestar a perda de milhas?
O ideal é agir imediatamente. Formalmente, o CDC garante prazos de 90 dias para serviços e até 5 anos para perdas financeiras.
8) Fraudes de milhas são consideradas crimes?
Sim. Podem configurar furto qualificado, estelionato digital ou invasão de dispositivo (arts. 155 e 171 do Código Penal, art. 154-A do Marco Civil).
9) O que fazer se a empresa se recusar a devolver os pontos?
Registre reclamação no Procon, SENACON ou Consumidor.gov, e, se necessário, acione o Juizado Especial com provas do golpe.
10) Como posso evitar novos golpes?
Use autenticação de múltiplos fatores, monitore logins, não clique em links suspeitos e verifique o domínio antes de informar senhas.
Base jurídica e fundamentos normativos
A responsabilidade das empresas em casos de golpes com milhas e pontos está prevista no
Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), que estabelece a responsabilidade objetiva
do fornecedor (art. 14) por falhas na prestação do serviço. Também se aplica o conceito de fortuito interno,
pelo qual o risco da atividade comercial não exime o fornecedor de reparar danos.
A Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018) impõe dever de segurança e prevenção a vazamentos,
prevendo sanções e reparação em caso de uso indevido de informações pessoais.
Já o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) garante dever de guarda e integridade de registros de acesso,
servindo como base probatória em investigações.
A jurisprudência consolidada do STJ reforça a responsabilidade solidária entre bancos, operadoras de cartões,
programas de fidelidade e parceiros intermediários quando há falha no sistema de segurança ou atendimento inadequado ao consumidor.
Considerações finais
Os golpes com milhas e pontos de fidelidade estão cada vez mais sofisticados, exigindo das empresas protocolos robustos de segurança,
monitoramento constante e canais eficientes de suporte. Do lado do consumidor, é essencial adotar cuidados preventivos,
manter registros e agir rapidamente em caso de suspeita.
A legislação brasileira é clara: quem oferece o serviço responde pelo risco da atividade e deve garantir a restituição e indenização adequadas.
Cada caso concreto pode envolver detalhes técnicos, contratuais e probatórios distintos.
