Direito Penal

Furto Simples e Qualificado: Entenda as Diferenças, Penas e Atualizações da Lei

Conceito e estrutura legal do furto no Código Penal

O furto está tipificado no art. 155 do Código Penal como a conduta de “subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel”. A figura básica é o furto simples, com pena de reclusão de 1 a 4 anos e multa. O próprio art. 155 prevê hipóteses que aumentam a pena (repouso noturno) e situações que a qualificam (destruindo/rompendo obstáculo, abuso de confiança, fraude, escalada, destreza, chave falsa, concurso de pessoas etc.), elevando o patamar sancionatório. Também há regras especiais sobre energia e outras utilidades, equiparadas à “coisa móvel” (§3º). 0

Furto simples

Elementos do tipo e bem jurídico

Exige-se a subtração (retirar da esfera de disponibilidade da vítima) de coisa alheia móvel, com dolo de assenhoramento definitivo. Protege-se o patrimônio da vítima (posse/propriedade). A consumação ocorre com a inversão da posse — mesmo que por curto lapso —, desde que a res saia da esfera de vigilância do possuidor (interpretação dominante na jurisprudência).

Majorante do repouso noturno (§1º)

No furto simples, a pena aumenta-se de 1/3 quando o crime é praticado durante o repouso noturno. Trata-se de causa de aumento específica do caput: o STJ assentou que essa majorante não se aplica ao furto qualificado (§4º). 1

Furto privilegiado (§2º)

Se o agente é primário e a coisa furtada é de pequeno valor, o juiz pode: (i) substituir a reclusão por detenção; (ii) diminuir a pena de 1/3 a 2/3; ou (iii) aplicar somente multa. O STJ consolidou que o privilégio pode incidir até mesmo quando o furto é qualificado por circunstância objetiva (v.g., concurso de pessoas), desde que presentes primariedade e pequeno valor (Súmula 511). Não se aplica quando a qualificadora é subjetiva, como o abuso de confiança. 2

Checklist prático — Furto simples

  • Verificar primariedade e valor do bem para eventual privilégio (§2º).
  • Apurar se houve repouso noturno (majorante do §1º: somente no caput).
  • Registrar dinâmica da inversão da posse e eventual recuperação imediata (não descaracteriza consumação).

Furto qualificado (§4º, §4º-A, §4º-B e §4º-C)

Qualificadoras “clássicas” do §4º

O §4º eleva a pena para reclusão de 2 a 8 anos e multa quando o furto é cometido:

  • destruindo ou rompendo obstáculo à subtração da coisa (p. ex., arrombamento externo ao bem);
  • com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza;
  • com emprego de chave falsa (ex.: micha);
  • em concurso de duas ou mais pessoas.

Observações relevantes na prática: (i) rompimento de obstáculo exige ato exterior ao objeto subtraído (não confundir com dano à própria res); (ii) chave falsa pode ser provada por indícios quando não houver vestígios e o artefato é apreendido; (iii) o privilégio do §2º pode incidir quando a qualificadora é objetiva (Súmula 511/STJ). 3

Furto com explosivo (§4º-A)

Quando o furto é praticado com emprego de explosivo ou artefato análogo capaz de causar perigo comum (ex.: estouro de caixas eletrônicos), a pena é mais severa do que a do §4º (reclusão superior, prevista na redação legal específica). 4

Fraude eletrônica (§4º-B) e causas de aumento (§4º-C)

A Lei 14.155/2021 modernizou o art. 155 para enfrentar fraudes digitais. O §4º-B qualifica o furto mediante fraude eletrônica quando o agente se vale de dispositivo eletrônico ou informático (p. ex., phishing, spoofing, engenharia social) conectado ou não à internet, fazendo a vítima transferir valores. A pena é de reclusão de 4 a 8 anos e multa — patamar acima das qualificadoras clássicas. O §4º-C criou majorantes para essa modalidade (p. ex., quando o crime é cometido contra idoso ou vulnerável, ou mediante utilização de servidor no exterior), com aumentos específicos definidos em lei. 5

Figura Pena Exemplos típicos Notas
Furto simples (caput) 1–4 anos + multa Subtrair celular em via pública sem violência Majorante de 1/3 no repouso noturno
Furto qualificado (§4º) 2–8 anos + multa Arrombamento externo, chave micha, escalada, destreza, concurso Não incide a majorante do repouso noturno
Fraude eletrônica (§4º-B) 4–8 anos + multa Phishing, golpe do “falso suporte bancário”, clonagem de WhatsApp Majorantes do §4º-C (idoso, servidor estrangeiro etc.)

Equiparações e objetos do furto

Energia elétrica e outras utilidades (§3º)

O §3º estabelece que se equipara à coisa móvel a energia elétrica (e qualquer outra de valor econômico), permitindo enquadrar práticas como o “gato” de energia no art. 155, em regra. A jurisprudência explora, ainda, hipóteses envolvendo sinal de TV por assinatura e utilidades semelhantes. 6

Diferenças-chave entre furto simples e qualificado

Aspecto Furto simples Furto qualificado
Elementos especiais Basta subtração dolosa Exige circunstância especial (romper obstáculo, abuso de confiança, fraude, escalada, destreza, chave falsa, concurso etc.)
Pena-base 1–4 anos + multa 2–8 anos + multa (e 4–8 anos no §4º-B)
Majorante do repouso noturno Sim (aumenta 1/3) Não se aplica segundo o STJ
Privilégio (§2º) Possível (primariedade + pequeno valor) Possível se a qualificadora for objetiva (Súmula 511/STJ)
Exemplos práticos Pegar bolsa em local público sem romper obstáculo Arrombar porta externa; utilizar micha; atuação em bando

Fontes: art. 155 do CP; Súmula 511/STJ; REsp 1.890.981/SP (repouso noturno não incide no §4º); Lei 14.155/2021 (fraude eletrônica). 7

Efeitos práticos de política criminal (ambiente digital)

Por que a fraude eletrônica foi destacada?

A Lei 14.155/2021 respondeu ao aumento dos golpes digitais, deslocando essa fraude do estelionato para o furto qualificado por meio eletrônico (quando o agente induz a vítima a executar transferências sem contato direto com o patrimônio físico). A lei também previu majorantes específicas quando a vítima é idosa ou vulnerável, ou se há uso de servidores estrangeiros para dificultar a investigação. Isso explica a pena de 4–8 anos — superior à das qualificadoras clássicas — como mecanismo de desestímulo. 8

Boas práticas investigativas e defensivas

  • Coleta de evidências digitais: registros de transação, IPs, logs bancários, e-mails/SMS de engenharia social, metadados.
  • Cadeia de custódia: preserve dados e solicite quebra de sigilo mediante ordem judicial quando necessário.
  • Tipificação correta: diferenciar fraude eletrônica (art. 155 §4º-B) de estelionato; observar participação de terceiros (concurso de pessoas).
  • Dosimetria: identificar causas de aumento do §4º-C e eventual privilégio (§2º) quando compatível.

Questões pontuais de jurisprudência

Privilégio em furto qualificado (Súmula 511/STJ)

É possível aplicar o §2º (primariedade + pequeno valor) nos casos de furto qualificado por circunstância objetiva, cabendo ao julgador avaliar a expressividade do dano e a proporcionalidade da resposta penal. 9

Repouso noturno e qualificado

O STJ firmou entendimento de que a causa de aumento do repouso noturno não incide quando o furto é qualificado pelo §4º. 10

Chave falsa e prova pericial

Em furto qualificado por chave falsa, a perícia pode ser dispensada quando inexistem vestígios e há provas indiretas idôneas (p. ex., apreensão da micha com o agente e ausência de danos na res). 11

Roteiro de decisão rápida: tipificação e pena

1) Houve circunstância especial?

  • Não → Furto simples (1–4 anos + multa).
  • Sim → verifique §4º (2–8 anos), §4º-A (explosivo) ou §4º-B (fraude eletrônica 4–8 anos).
2) Há causas de modulação?

  • Repouso noturno → só no simples (aumenta 1/3).
  • Privilégio (§2º) → primariedade + pequeno valor; compatível com qualificadoras objetivas.
  • Majorantes da fraude eletrônica → confira §4º-C.

Conclusão

O desenho normativo do furto no art. 155 do CP estabelece um continuum punitivo que parte do simples (1–4 anos) e se agrava conforme técnicas e meios empregados (qualificadoras do §4º), com resposta mais dura às fraudes eletrônicas (4–8 anos) para enfrentar golpes digitais contemporâneos. O sistema prevê equilíbrio com válvulas de moderação (privilégio do §2º) e limites (majorante do noturno restrita ao caput). Na prática forense, a escolha entre simples/qualificado e a dosimetria exigem atenção à prova de circunstâncias objetivas (rompimento de obstáculo, chave falsa, concurso) e à correta distinção entre fraude eletrônica e outras figuras. Para a defesa, a análise de primariedade, pequeno valor e proporcionalidade ainda é via importante; para a acusação, a robustez da cadeia de custódia — sobretudo em delitos cibernéticos — é decisiva. Em qualquer cenário, o guia acima oferece um mapa para decisões rápidas, ancoradas na legislação e na jurisprudência atual. 12

Guia rápido
O furto está no art. 155 do Código Penal: “subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel”.
Furto simples (caput): pena de 1 a 4 anos e multa; há majorante de 1/3 no repouso noturno (§1º).
Furto privilegiado (§2º): se o agente é primário e a coisa é de pequeno valor, o juiz pode reduzir a pena (1/3 a 2/3), substituir por detenção ou aplicar só multa — inclusive quando a qualificadora for objetiva (Súmula 511/STJ).
Furto qualificado (§4º): pena de 2 a 8 anos e multa quando houver, por exemplo, rompimento de obstáculo, abuso de confiança, fraude, escalada, destreza, chave falsa ou concurso de pessoas. A majorante do noturno não se aplica ao qualificado (entendimento do STJ).
Fraude eletrônica (§4º-B, Lei 14.155/2021): quando o agente usa meio eletrônico/informático (p.ex., phishing) para induzir a vítima a transferir valores; pena de 4 a 8 anos e multa, com majorantes no §4º-C (idoso/vulnerável; uso de servidor no exterior, etc.).
Equiparações (§3º): energia elétrica e outras utilidades são “coisa” para fins do art. 155.

Qual é a diferença prática entre furto simples e furto qualificado?

No simples, basta a subtração dolosa da coisa alheia móvel. No qualificado, há circunstância especial (romper obstáculo, destreza, chave falsa, fraude, abuso de confiança, escalada, concurso), que eleva a pena para 2–8 anos. Em regra, quanto mais sofisticado/arriscado o meio, maior a reprovabilidade e a pena.

A majorante do repouso noturno vale para o furto qualificado?

Não. A causa de aumento de 1/3 do §1º aplica-se ao furto simples. O STJ firmou que ela não incide nos casos de furto qualificado (§4º).

Quando existe o “furto privilegiado” e ele pode conviver com qualificadora?

Se o réu é primário e a coisa é de pequeno valor, o juiz pode reduzir, substituir ou aplicar só multa (§2º). Pela Súmula 511/STJ, o privilégio pode incidir mesmo havendo qualificadora objetiva (p.ex., concurso de pessoas). Não é compatível com qualificadoras subjetivas (como abuso de confiança).

O que caracteriza rompimento de obstáculo e como provar?

É a destruição/violação de barreira externa que protege a res (cadeado, porta, grade). Exige prova pericial quando há vestígios; se não for possível (ex.: nenhum vestígio remanescente), podem valer testemunhos, fotos e outros indícios coerentes.

Qual a diferença entre furto mediante fraude e estelionato?

No furto mediante fraude (inclusive eletrônico, §4º-B), a vítima não percebe a subtração ou é enganada a realizar ato mecânico que facilita a retirada do bem, sem transferência consciente do patrimônio. No estelionato, a vítima é induzida em erro a dispor voluntariamente do bem. A linha é tênue e depende da dinâmica fática.

O que mudou com a Lei 14.155/2021 (fraude eletrônica)?

O legislador elevou a fraude digital para o art. 155, §4º-B (pena 4–8 anos), criou majorantes (idoso/vulnerável; uso de servidor estrangeiro; etc. — §4º-C) e ajustou a competência/medidas de investigação, respondendo à explosão de golpes por phishing, engenharia social e clonagem de contas.

Como se consuma o furto? Recuperar o bem logo depois muda algo?

Consuma-se com a inversão da posse da res, ainda que por breve lapso, saindo da esfera de vigilância do possuidor. A recuperação imediata não descaracteriza a consumação; pode influir apenas na dosimetria.

“Gato” de energia é furto?

Sim. O §3º equipara energia elétrica (e outras utilidades de valor econômico) à coisa móvel, permitindo o enquadramento no art. 155.

Em concurso de pessoas, sempre é furto qualificado?

Sim, o concurso de duas ou mais pessoas qualifica o furto (§4º). Atenção: mesmo assim, pode-se cogitar o privilégio (§2º) se presentes primariedade e pequeno valor (qualificadora objetiva).

Quais são checkpoints práticos para acusação e defesa?

  • Tipificação: simples x qualificado (qual circunstância?) x fraude eletrônica.
  • Prova: perícia em obstáculo; apreensão de chave falsa; registros digitais/telefônicos em golpes; cadeia de custódia.
  • Dosimetria: ver se cabe privilégio (§2º); se houve noturno (apenas no simples); se incidem majorantes do §4º-C.

Referências normativas essenciais (fundamento técnico)

  • Código Penal, art. 155 e §§: caput (furto simples); §1º (repouso noturno); §2º (privilégio); §3º (energia e utilidades); §4º (qualificadoras clássicas); §4º-A (explosivo); §4º-B (fraude eletrônica); §4º-C (majorantes).
  • Lei 14.155/2021 — alterou o art. 155 para incluir a fraude eletrônica e majorantes correlatas.
  • STJ, Súmula 511 — admite privilégio do §2º em qualificadoras objetivas.
  • STJ — entendimento de que a majorante do repouso noturno não incide no furto qualificado (§4º).

Despedida: Se quiser, analiso seu caso em minutos (dinâmica dos fatos, provas disponíveis e melhor estratégia), comparo enquadramentos possíveis e simulo impactos na pena segundo as circunstâncias legais.

Aviso importante: Este conteúdo é informativo e educativo. Apesar de fundamentado na legislação e na jurisprudência, não substitui a consultoria individual de um(a) profissional habilitado, que poderá avaliar detalhes do ocorrido, a qualidade da prova (inclusive digital) e as teses mais adequadas à sua situação concreta.

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