Fraudes em Compras Online: quem é o responsável — o vendedor ou o site?
Panorama: por que fraudes em compras online acontecem e quem responde
O comércio eletrônico cresceu aceleradamente e, com ele, as fraudes em diferentes fases da jornada: cadastro, navegação, pagamento, logística e pós-venda. Em linhas gerais, a responsabilidade pela proteção do consumidor é compartilhada entre o vendedor (quem oferta e entrega o produto/serviço) e o site/plataforma (marketplace, gateway, PSP, provedor de meios de pagamento), observando princípios como dever de informação, segurança, qualidade e transparência. Em relações de consumo, a regra é de responsabilidade objetiva do fornecedor por defeitos do serviço e falhas de informação, com hipóteses de excludentes quando demonstradas de forma robusta (p.ex., culpa exclusiva do consumidor ou fato de terceiro inevitável).
Tipos de fraude mais comuns no e-commerce
Fraude de pagamento (cartão, PIX, boleto)
- Cartão não presente (CNP): uso indevido de dados de cartão por terceiros, gerando chargeback.
- Cartão verdadeiro, dono enganado: golpe de engenharia social; tecnicamente a transação foi autorizada, mas o consentimento foi viciado.
- PIX adulterado: QR code/“copia e cola” com chave alterada, spoofing de tela ou interceptação de comunicação fora do site.
- Boleto fraudado: emissão/segunda via com código de barras trocado para outra conta.
Fraude de identidade e account takeover (ATO)
- Criação de contas com dados roubados, abuso de cupons e milhas.
- Invasão de conta por senha vazada ou phishing; alteração de endereço para desviar entregas.
Fraude logística e friendly fraud
- Triangulação: fraudador compra do vendedor legítimo e entrega a terceiros; depois há estorno e prejuízo ao lojista.
- Golpe do “produto não recebido” (INR) e “produto diferente”; requer boa prova de entrega e política de devolução clara.
Fraude de marketplace e anúncio enganoso
- Loja falsa ou anúncio isca dentro de plataforma; pharming e typosquatting de domínios semelhantes.
- Uso indevido de marca, preços irrisórios sem entrega, dropshipping opaco.
Deveres do site/plataforma
Segurança da informação e prevenção
- Implementar 3DS 2.x ou autenticação forte quando aplicável; tokenização e análise de risco em tempo real.
- Controles antifraude (device fingerprint, reputação de IP, velocity checks, behavioral analytics).
- Proteções contra phishing e redirecionamentos maliciosos; monitoramento de domínios parecidos.
- Gestão de SDKs e scripts no checkout; subresource integrity e Content Security Policy.
Transparência e informação
- Exibir com clareza identidade do vendedor, preço total, frete, prazos e política de devolução.
- Oferecer canais seguros de comunicação; evitar redirecionamentos para conversas externas (mensagerias) sem garantias.
Gestão de terceiros
- Contratos de operador/serviço com obrigações de segurança, notificação de incidentes e auditoria.
- Onboarding de vendedores com KYC, análise documental e verificação bancária para evitar lojas de fachada.
Deveres do vendedor (loja parceira ou própria)
Qualidade e entrega
- Manter estoque real, descrição fiel, prazos e rastreamento.
- Prova de entrega robusta: coleta de assinatura digital, foto no local, geolocalização e eventos logísticos assinados.
Antifraude na ponta do lojista
- Revisão manual para pedidos de alto risco, blacklist/whitelist, confirmações ativas quando compatível com experiência.
- Evitar envio a endereços divergentes sem validação; monitorar alterações de cadastro.
Quem responde em cada cenário
| Cenário | Impacto | Tendência de responsabilidade | Medidas esperadas |
|---|---|---|---|
| CNP com dados vazados de fora do site | Chargeback e perda do produto | Site/marketplace e vendedor podem responder se controles eram insuficientes ou UX induziu erro | 3DS/SCA, risk-based authentication, score e revisão |
| PIX desviado por QR adulterado | Pagamento para conta de terceiro | Responsabilidade do site se gerou/mostrou QR vulnerável ou redirecionou sem validação | PIX dinâmico verificado, checksum, confirmação de recebedor |
| Boleto editado | Crédito em conta indevida | Site responde se disponibilizou segunda via sem validação e sem aviso ao consumidor | Boletos registrados, verificação do beneficiário, instruções claras |
| ATO com troca de endereço | Desvio de mercadoria | Site e vendedor respondem se não havia controles de login e alterações críticas | MFA, alertas, reconfirmação de endereço, device binding |
| “Produto não recebido” indevido | Estorno indevido | Tende a favor do vendedor quando há prova de entrega robusta | POC com geolocalização, foto, assinatura |
Perda esperada mensal ≈ (taxa de fraude × ticket médio × pedidos) − (recuperação por chargeback + recuperação logística).
Ex.: 0,6% × R$ 320 × 50.000 = R$ 96.000; recuperação R$ 25.000 ⇒ Perda líquida ≈ R$ 71.000.
Provas e documentação
Para o consumidor
- Protocolo de atendimento, prints do pedido, pagamento e rastreio, e-mails e conversas.
- Boletim de ocorrência quando houver fraude evidente (phishing, clonagem), extratos e comunicação ao banco.
Para o site e vendedor
- Logs imutáveis de checkout (IP, user-agent, device ID, fingerprint), autorização 3DS, trilha antifraude e timeline.
- Comprovantes logísticos assinados, fotos e geolocalização; cadeia de custódia para contestação.
Boas práticas de prevenção para sites e marketplaces
Arquitetura de pagamento e autenticação
- 3DS adaptativo (fricção zero em baixo risco; step-up em alto risco).
- MFA para login e mudanças sensíveis (endereço, senha, cartões).
- Tokenização e cofres PCI; nunca armazenar PAN em claro.
Antifraude e inteligência
- Modelos preditivos que combinem regras, machine learning e feedback de chargebacks.
- Lista negativa de endereços e dispositivos; link analysis para redes de fraude.
- Revisão manual com playbooks objetivos para evitar vieses e lentidão.
UX segura (sem dark patterns)
- Confirmação clara do recebedor no PIX; “pague somente dentro do site”; deep links verificados.
- Alertas sobre riscos de contato externo; mascaramento de e-mail e telefone.
- Obrigação de notificar incidentes de segurança em até 24h e preservar evidências por 180 dias.
- Repasses condicionados a verificação antifraude e validação bancária do vendedor.
- Direito de auditoria, KPIs de fraude, SLA de atendimento e planos de remediação.
Gráfico ilustrativo: tentativas de fraude vs. taxa de detecção
Visual simplificado para comunicar ao time executivo como controles melhores aumentam a taxa de detecção e reduzem perdas.
Como o consumidor pode se proteger
Práticas básicas
- Conferir URL, cadeado do navegador e evitar links recebidos por mensagerias.
- Ativar dupla autenticação no site e no e-mail; usar senhas fortes e únicas.
- Preferir meios tokenizados (carteiras digitais) e evitar salvar cartões quando não necessário.
Em caso de fraude
- Contatar imediatamente o emissor do pagamento e o site; registrar protocolos e evidências.
- Solicitar bloqueio/estorno e abrir disputa; registrar reclamação no órgão de defesa do consumidor quando cabível.
Excludentes de responsabilidade: quando podem valer
As excludentes exigem prova qualificada do fornecedor. Exemplos: consumidor realizou pagamento fora do ambiente seguro do site após insistência e alertas claros; adulterou deliberadamente aplicativos ou ignorou recomendações de segurança; ou se verificou caso fortuito externo inevitável, mesmo com controles adequados. Ainda assim, o site deve demonstrar diligência e tratamento adequado do incidente.
- Taxa de fraude < 0,5% do faturamento; chargeback < 0,65% das transações.
- Tempo de resposta a alertas < 15 minutos; coverage de 3DS > 85% no cartão.
- Revisão manual < 5% dos pedidos (com precisão > 90%).
- Disputas vencidas > 60% por prova de entrega robusta.
Checklist operacional imediato
- Mapeie a jornada de risco: cadastro, login, pagamento, alterações críticas, expedição e entrega.
- Implemente políticas de senha, MFA e alertas de atividades suspeitas.
- Ative 3DS adaptativo e PIX dinâmico com validação de recebedor.
- Fortaleça provas logísticas (POD, fotos, geolocalização).
- Audite vendedores e contas bancárias; KYC/KYB contínuo.
- Crie playbook de resposta: quem decide hold, quando cancelar, como comunicar e como preservar evidências.
Conclusão
Fraudes em compras online não são um acidente inevitável da internet: são eventos previsíveis e mitigáveis com engenharia, processos e contratos bem desenhados. O site e o vendedor devem agir como coprodutores da segurança, oferecendo meios de pagamento protegidos, autenticação forte, antifraude inteligente e comunicação clara. Ao consumidor cabe adotar práticas básicas de cibersegurança e exigir seus direitos. Sistemas com prevenção ativa, detecção em tempo real e remediação ágil reduzem perdas, fortalecem a confiança e tornam o e-commerce mais eficiente para todos os envolvidos.
- Tipos de fraude mais comuns: clonagem de cartão, boletos falsos, PIX adulterado, falsos anúncios, conta invadida e triangulação de vendas.
- Responsabilidade do site: garantir ambiente seguro, verificar vendedores, aplicar autenticação forte e prevenir redirecionamentos suspeitos.
- Responsabilidade do vendedor: conferir dados antes de envio, manter prova de entrega, rastrear produtos e agir rapidamente em disputas.
- Direitos do consumidor: estorno em caso de fraude comprovada, direito à informação clara e proteção contra práticas abusivas (CDC e LGPD).
- Excludentes possíveis: culpa exclusiva do consumidor (pagamento fora do site), fato de terceiro inevitável ou caso fortuito comprovado.
- Usar 3DS e autenticação multifator nas transações.
- Monitorar transações suspeitas em tempo real e bloquear atividades anômalas.
- Conferir titularidade das contas de recebimento e validar CPFs/CNPJs.
- Não salvar cartões de crédito no site sem tokenização segura.
- Revisar políticas de devolução e de prova de entrega (foto, assinatura, geolocalização).
- Para consumidores: verificar URL, evitar links externos, usar cartões virtuais e registrar provas (prints, e-mails, protocolos).
- Para empresas: treinar equipes, auditar gateways e parceiros, criar plano de resposta a incidentes e política antifraude clara.
- Documentos úteis: logs de pagamento, registros de IP, comprovante de entrega, comunicação com cliente e relatórios antifraude.
- Indicadores de controle: taxa de chargeback abaixo de 0,5%, resposta a alertas em até 15 minutos, auditoria trimestral e revisão manual de pedidos de risco.
- ✅ Site com HTTPS e autenticação forte.
- ✅ PIX dinâmico com validação do recebedor.
- ✅ Revisão antifraude automatizada e manual.
- ✅ Provas de entrega armazenadas com segurança.
- ✅ Contratos com cláusulas de notificação e SLA antifraude.
- Base legal: Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14), LGPD (Lei 13.709/18) e Resoluções do Bacen sobre segurança de meios de pagamento.
- Resumo: fraudes online exigem cooperação entre site, vendedor e consumidor. A responsabilidade é solidária quando há falha na segurança, informação ou prevenção.
Quem responde quando ocorre uma compra com cartão clonado (CNP) no meu pedido?
Em relações de consumo, a regra é de responsabilidade objetiva do fornecedor pelo defeito do serviço (segurança do checkout e informação adequada). O site/marketplace tende a responder quando a transação foi aceita no seu ambiente sem controles razoáveis; o vendedor pode responder solidariamente quando integra a cadeia de fornecimento. Há atenuantes se houver autenticação forte e diligência comprovada.
Se eu paguei PIX para um QR code falso recebido por mensagem, o site pode ser responsabilizado?
O site responde quando induz o consumidor a sair do ambiente seguro ou apresenta QR/links sem validação. Se o golpe ocorreu fora do site, apesar de alertas claros e UX segura, pode haver culpa exclusiva do consumidor, reduzindo a responsabilidade. Provas de comunicação e desenho seguro do fluxo são decisivas.
Boletos adulterados: quem arca com o prejuízo?
Se a plataforma disponibiliza segunda via/boletos sem registro e sem verificação do beneficiário, tende a responder. Quando o boleto foi alterado por terceiro fora do sistema, com orientações claras do site e mecanismos de verificação, a responsabilidade pode ser afastada, dependendo das provas.
“Produto não recebido” (INR): o vendedor é sempre obrigado a estornar?
Não. Quando o vendedor consegue prova robusta de entrega (foto, geolocalização, assinatura digital, eventos logísticos), a tendência é afastar o estorno automático. Na ausência de prova, a responsabilidade recai sobre quem detém o controle da logística e falhou em garantir a entrega.
Conta invadida (account takeover): é culpa do usuário ou do site?
Depende. O site/marketplace deve possuir MFA, alertas de login, confirmação para mudanças críticas e monitoração de risco. Sem isso, a responsabilidade tende a ser do provedor. Se o usuário reutilizou senha vazada e ignorou alertas, pode haver culpa concorrente.
Marketplace com loja fraudulenta: a plataforma pode dizer que é só “intermediadora”?
Em consumo, a intermediação não afasta o dever de segurança e informação. O marketplace deve fazer KYC/KYB do vendedor, monitorar denúncias e retirar anúncios enganosos. A responsabilidade costuma ser solidária pelo risco do empreendimento.
Falha do gateway ou do antifraude terceirizado transfere a responsabilidade?
Não para o consumidor. Internamente, o site pode buscar direito de regresso contra o parceiro. Para o usuário final, prevalece a regra de solidariedade na cadeia de fornecimento quando o dano decorre de defeito do serviço ou informação inadequada.
O que comprova que o site agiu com diligência na prevenção de fraudes?
Registros de autenticação forte (3DS/SCA), logs de risco (IP, device, velocity), políticas de tokenização, verificação de recebedor no PIX, monitoramento de domínios falsos, avisos claros ao consumidor e playbooks de resposta a incidentes documentados.
Como o consumidor deve proceder ao identificar fraude?
Salvar prints, e-mails, protocolos, boletim de ocorrência quando cabível e contatar imediatamente emissor do pagamento e site. Pedir bloqueio/estorno e abrir disputa. Persistindo o problema, recorrer a órgãos de defesa do consumidor e, se necessário, ao Judiciário.
Quais práticas ajudam a reduzir disputas e perdas para todos?
Para plataformas: MFA, 3DS adaptativo, PIX dinâmico validado, KYC/KYB de vendedores, prova de entrega robusta e UX sem dark patterns. Para vendedores: revisão de pedidos de alto risco, verificação de endereço e armazenamento seguro de evidências. Para consumidores: checar URL, usar carteiras/tokenização e evitar pagamentos fora do site.
- Código de Defesa do Consumidor — Lei nº 8.078/1990: responsabilidade objetiva, dever de segurança e informação; vício/defeito do serviço.
- Marco Civil da Internet — Lei nº 12.965/2014: princípios de transparência e guarda de registros úteis à apuração de incidentes.
- LGPD — Lei nº 13.709/2018: princípios de segurança, prevenção e responsabilização; registro e resposta a incidentes envolvendo dados pessoais.
- Decreto do Comércio Eletrônico — Decreto nº 7.962/2013: informação clara sobre fornecedor, atendimento facilitado e resolução de demandas online.
- Normas do Bacen sobre meios de pagamento (cartões, arranjos e PIX): requisitos de segurança e autenticação; prevenção a fraudes nas transações.
- Código Civil (arts. 186 e 927): responsabilidade civil e perdas e danos, de aplicação subsidiária quando cabível.
