Direito do consumidor

Fraudes Bancárias: Responsabilidade do Banco e Direitos do Consumidor

Panorama geral da judicialização da saúde

A chamada judicialização da saúde descreve o recurso ao Poder Judiciário por cidadãos, Ministério Público e
defensores públicos para exigir prestações de saúde do Estado ou de operadoras privadas — como acesso a
medicamentos, procedimentos, leitos, tecnologia diagnóstica e tratamentos fora do rol ou protocolo. No Brasil, o fenômeno ganhou
relevância a partir da década de 2000 e se consolidou com decisões estruturantes dos tribunais superiores.

Seu fundamento jurídico se ancora, sobretudo, no direito fundamental à saúde (art. 6º e art. 196 da Constituição),
na Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080/1990), nas normas do SUS e, no setor suplementar,
na Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656/1998) e regulação da ANS. As cortes têm conciliado esse direito com a
reserva do possível, a separação de poderes e a eficiência alocativa, criando balizas para concessão de tutelas.

Em uma frase: Judicializar é pedir ao juiz que assegure, em tempo razoável, uma prestação de saúde
quando políticas públicas, protocolos clínicos ou contratos não entregam o necessário ao caso concreto.

Cadeia de causas mais frequentes

1) Falhas de acesso e gestão pública

  • Filas e tempos de espera para consultas especializadas, cirurgias eletivas e exames de alta complexidade.
  • Desabastecimento ou logística frágil para medicamentos estratégicos, oncológicos e órfãos.
  • Variações regionais na capacidade instalada (UTI, hemodinâmica, radioterapia) e desigualdades federativas.
  • Protocolos desatualizados ou não implementados, dificultando a padronização terapêutica baseada em evidências.

2) Gaps regulatórios e assimetria de informação

  • Diferença entre o que está incorporado ao SUS e a velocidade de inovação terapêutica no mercado.
  • Comunicação opaca sobre critérios de incorporação (CONITEC), riscos e efetividade comparada.
  • Incerteza probatória em doenças raras, uso off label e terapias personalizadas (farmacogenômica).

3) Saúde suplementar (planos e seguros)

  • Negativas de cobertura por exclusão contratual, diretrizes de utilização ou controvérsias sobre o rol da ANS.
  • Coparticipações e franquias com impacto econômico relevante ao usuário, agravando o risco de subutilização.
  • Rede credenciada insuficiente ou descredenciamentos abruptos que empurram o consumidor ao Judiciário.
Quadro informativo — Direitos-chaves invocados

  1. Direito à vida e à dignidade (CF, art. 1º, III; art. 5º, caput).
  2. Direito à saúde como dever solidário do Estado (CF, art. 196 e 198).
  3. Defesa do consumidor contra práticas abusivas na saúde suplementar (CDC; Lei 9.656/1998).
  4. Prioridade absoluta à criança/adolescente e proteção à pessoa idosa (ECA e Estatuto do Idoso).

Como chegam ao Judiciário: fluxos típicos

Fluxo no SUS

  1. Paciente procura unidade básica ou especializada; protocolo clínico define elegibilidade.
  2. Se falta insumo/serviço ou o protocolo não contempla o caso, inicia-se pedido administrativo.
  3. Persistindo a negativa/omissão, aciona-se a Defensoria Pública ou o Ministério Público.
  4. Propositura de ação com tutela de urgência, laudo médico fundamentado e parecer técnico (NATJus/e-NATJus).

Fluxo na saúde suplementar

  1. Solicitação à operadora com relatório do médico assistente.
  2. Negativa de cobertura ou autorização tardia.
  3. Reclamação à ANS, Procons e, se necessário, ação judicial com pedido liminar.
Boas práticas probatórias: laudos claros (CID, evolução clínica, alternativas tentadas e riscos), diretrizes de sociedades médicas,
pareceres NATJus, notas técnicas CONITEC, registro/regulação (ANVISA/ANS), orçamentos e comparativos de custo-efetividade.

Decisões judiciais e critérios que têm prevalecido

A jurisprudência construiu parâmetros para reduzir a aleatoriedade e dar coerência às decisões:

  • Urgência e risco: perigo de dano grave e irreversível justifica tutelas antecipadas e priorização.
  • Comprovação técnica: exigência de evidência científica mínima, respaldo em diretrizes e ausência de alternativa terapêutica eficaz.
  • Registro sanitário (ANVISA) como filtro; exceções são analisadas de modo mais restritivo.
  • Solidariedade federativa: União, estados e municípios respondem solidariamente, com possibilidade de ressarcimento entre entes.
  • Planos de saúde: aplicação do CDC, vedação a cláusulas abusivas e interpretação das diretrizes do rol da ANS conforme necessidade e evidência.
  • Execução/Compliance: multas diárias (astreintes), bloqueio via Sisbajud, obrigação de fazer e compra judicial direta.

Impactos: sanitários, econômicos e institucionais

Impacto sanitário

  • Ganho individual: acesso célere a prestações críticas (UTI, onco, transplante, órfãos).
  • Risco sistêmico: priorização judicial pode furar filas e deslocar recursos sem avaliação de valor em saúde.
  • Aprendizado: decisões estimulam atualização de protocolos e incorporação tecnológica com base em evidências.

Impacto orçamentário

  • Despesa judicial imprevista pressiona a alocação de recursos e compras emergenciais menos eficientes.
  • Economias de escala perdidas por aquisições fragmentadas determinadas por liminares.
  • Custo de transação: litígio, perícias, cumprimento de sentença e logística dedicada.

Impacto institucional

  • Integração interinstitucional: criação de NATJus/e-NATJus, Câmaras Técnicas, comitês do CNJ e núcleos no MP/Defensorias.
  • Governança regulatória: reforço à CONITEC/ANS e à transparência nos processos de incorporação e atualização do rol.
  • Segurança jurídica: teses vinculantes reduzem assimetrias e incentivam políticas estruturantes.
Nota metodológica: A intensidade dos impactos varia por estado, judicial, e perfil de demandas (SUS vs. planos). A análise responsável
considera séries históricas oficiais (CNJ, CONASS, CONASEMS, ANS, TCU) e relatórios de tribunais.

Mapa das demandas mais comuns

  • Medicamentos e insumos: oncológicos, imunobiológicos, órfãos, nutrição enteral/parenteral, fraldas e dietas especiais.
  • Procedimentos e internações: leitos de UTI, cirurgias eletivas urgentes, terapias especializadas.
  • Diagnóstico: exames de alta complexidade (PET-CT, sequenciamento genético) e transporte sanitário.
  • Saúde mental: cobertura de internação psiquiátrica, terapias contínuas e caps.
  • Saúde suplementar: negativas por diretrizes/rol, home care, órteses e próteses, rede e coparticipação.

Distribuição ilustrativa das demandas judicializadas (%)

Medic. Proced. Diagn. UTI Mental Planos

44% 30% 35% 25% 18% 22%

Valores ilustrativos para fins didáticos; a composição real varia por estado, ano e segmento (SUS/planos).

Ferramentas para decisões mais qualificadas

NATJus e e-NATJus

Os Núcleos de Apoio Técnico do Judiciário e o sistema e-NATJus fornecem pareceres baseados em evidências
(health technology assessment) para embasar o juízo na concessão ou negativa de pedidos. Pareceres costumam abordar
efetividade clínica, segurança, custo-efetividade e alternativas disponíveis.

CONITEC e protocolos

A CONITEC analisa a incorporação de tecnologias ao SUS a partir de critérios de evidência e de impacto orçamentário.
Decisões judiciais dialogam com esse processo: quando a tecnologia já foi incorporada, a execução tende a ser facilitada;
quando não foi, o ônus argumentativo do autor se eleva.

Regulação da ANS

A atualização do rol de procedimentos e eventos em saúde e suas Diretrizes de Utilização orienta cobertura mínima nos
planos. A jurisprudência, todavia, pondera casos em que o médico assistente demonstra necessidade e evidência
mais robusta do que a restrição regulatória.

Checklist prático para petições

  • Laudo médico com diagnóstico, prognóstico, alternativas testadas e justificativa técnica.
  • Referências (sociedades médicas, revisões sistemáticas) e parecer NATJus quando possível.
  • Prova de negativa administrativa ou omissão relevante.
  • Comprovação de urgência (risco de dano grave/irreversível) e inadequação de outras vias.
  • Pedido de tutela de urgência bem calibrado (proporcionalidade, cronograma e logística).

Critérios de proporcionalidade e eficiência

Ao decidir, juízes têm aplicado uma análise de proporcionalidade em três passos:

  1. Adequação: a medida requerida é apta a alcançar o fim terapêutico, conforme evidência?
  2. Necessidade: há alternativa menos onerosa e com eficácia similar?
  3. Proporcionalidade em sentido estrito: o benefício individual supera custos e riscos sistêmicos?

Essa abordagem permite proteger a pessoa sem desorganizar o sistema, estimulando soluções estruturantes (compras
centralizadas, atualização de protocolos, melhoria de logística) em vez de apenas respostas caso a caso.

Boas práticas para reduzir a litigiosidade

Do lado do gestor público

  • Planejamento de demanda com dados epidemiológicos e monitoramento de decisões judiciais recorrentes.
  • Compras estratégicas (ATS, pregão internacional, consórcios) para itens judicializados crônicos.
  • Governança de fila com transparência, auditoria e critérios clínicos explícitos.
  • Portais de acesso e vias administrativas rápidas para casos urgentes, evitando a necessidade de liminares.

Do lado das operadoras de planos

  • Comunicação clara de negativas com base técnica e oferta de segunda opinião e COC (cobertura assistencial contínua).
  • Auditoria clínica alinhada a diretrizes atualizadas; revisão periódica de rede e protocolos.
  • Mediação e SAC resolutivo integrado a Procons/ANS, diminuindo judicialização por ruído informacional.

Para magistrados, MP e Defensorias

  • Uso sistemático de NATJus, diálogo com CONITEC e câmaras técnicas.
  • Preferência por soluções estruturais quando se identificam falhas sistêmicas repetitivas.
  • Execução escalável (compras compartilhadas, cronogramas factíveis) e monitoramento de cumprimento.

Riscos, dilemas e caminhos de equilíbrio

Dois riscos são frequentemente mencionados: (i) o de captura — quando pressões mercadológicas ou interesses difusos
distorcem a pauta das ações — e (ii) o de inequidade, quando quem judicializa mais acessa primeiro. O contrapeso
está em reforçar a base técnica das decisões, ampliar vias administrativas efetivas e investir em educação em saúde
e literacia para reduzir assimetrias de informação.

Três mensagens finais

  1. Direito à saúde é exigível, mas sua concretização deve ser tecnicamente justificada.
  2. Proporcionalidade e evidência são o idioma comum entre clínica, gestão e jurisdição.
  3. Integração institucional reduz litígios e melhora o cuidado ao paciente no tempo certo.

Conclusão

A judicialização da saúde não é anomalia do sistema, mas sinal de tensões entre necessidades clínicas,
inovação tecnológica, restrições orçamentárias e proteção de direitos. Transformá-la em vetor de melhoria
implica fortalecer NATJus/e-NATJus, qualificar a regulação (CONITEC/ANS), promover transparência decisória
e investir em caminhos administrativos efetivos que resolvam com rapidez e fundamento técnico. Assim, o Judiciário
seguirá como última linha de garantia — excepcional e célere — enquanto políticas públicas e contratos fazem a sua
parte em primeira instância.

Perguntas frequentes

Quando faz sentido acionar a Justiça para obter tratamento ou medicamento?

Quando houver risco de dano grave/irreversível, negativa administrativa injustificada (SUS ou plano),
inexistência de alternativa terapêutica adequada e fundamentação técnica (laudo médico + evidências).
Em regra, decisões ponderam adequação, necessidade e proporcionalidade, além do registro na ANVISA.

É obrigatória a tentativa administrativa antes da ação?

Não há norma que sempre imponha prévia exaustão da via administrativa, mas
comprovar o pedido e a negativa/omissão fortalece o fumus boni iuris e
pode ser determinante para a tutela de urgência.

União, Estado e Município são solidários nas ações de saúde?

Sim. O STF, no Tema 793, assentou a responsabilidade solidária dos entes federativos
pela prestação do direito à saúde, permitindo direcionar a demanda contra qualquer deles, com
posterior ajuste/ressarcimento interno.

Planos de saúde podem negar cobertura com base no rol da ANS?

O STJ fixou a tese do rol da ANS como “taxativo mitigado”: a regra é observar o rol e as Diretrizes de Utilização (DUT),
mas admitem-se exceções quando houver evidência científica, recomendação de órgãos técnicos, inexistência de
substituto no rol e indicação médica fundamentada, entre outros critérios.

Quais documentos aumentam a chance de concessão da liminar?
  • Laudo médico detalhado (CID, histórico, alternativas tentadas, riscos e urgência).
  • Parecer técnico (NATJus/e-NATJus) e referências de guidelines ou revisões sistemáticas.
  • Comprovação de negativa (SUS/operadora) e registro ANVISA do insumo.
  • Orçamento/custos e logística de fornecimento (execução viável).

Referencial jurídico e técnico

  • Constituição Federal: art. 6º (direitos sociais) e art. 196 (saúde como direito de todos e dever do Estado).
  • Lei 8.080/1990 (Lei Orgânica da Saúde) e Lei 12.401/2011 (incorporação de tecnologias/CONITEC).
  • Lei 9.656/1998 (Planos de Saúde) e regulação da ANS (Rol de Procedimentos e DUT).
  • CDC — Lei 8.078/1990: proteção contratual do consumidor na saúde suplementar.
  • ECA — Lei 8.069/1990 e Estatuto do Idoso — Lei 10.741/2003 (prioridades e proteção especial).
  • CNJ: Resolução nº 238/2016 (Política Judiciária de Saúde) e e-NATJus; Recomendação nº 31/2010 (boas práticas).
  • STF, Tema 793 (RE 855.178): responsabilidade solidária dos entes federativos na saúde.
  • STJ: Súmula 608 (CDC aplica-se aos planos, salvo autogestão); EREsp 1.886.929 e 1.889.704 (rol ANS taxativo mitigado).

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