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Fraude em Seguros: o que acontece? Regras, crimes e como se defender

Panorama: o que é “fraude em seguros” e por que o assunto importa

“Fraude em seguros” abrange toda conduta dolosa destinada a obter vantagem indevida de uma apólice, seja na contratação (ex.: omitir doenças, declarar endereço/uso do bem diverso, inflar capitais), seja no sinistro (ex.: sinistro armado, simulação, superfaturamento de orçamentos, documentos falsos). A prática afeta todos: encarece prêmios, desorganiza o mutualismo, distorce a subscrição e, não raro, termina em litígios criminais, civis e administrativos.

Base técnica (núcleo legal): Código Civil — arts. 757 (conceito de seguro), 760 (apólice/proposta), 765 (boa-fé e veracidade), 766 (declaração inexata/reticente com dolo: perda do direito), 768 (agravamento intencional do risco: perda da garantia), 771 (dever de aviso do sinistro; atraso só prejudica se causar dano à prova); CDC — arts. (informação e inversão do ônus da prova), 14 (responsabilidade), 51 (cláusulas abusivas); CP — art. 171 (estelionato), 297/298 (falsidade documental), 288 (associação criminosa); Lei 12.850/2013 (organização criminosa); Lei 9.613/1998 (lavagem de dinheiro e COAF); LGPD 13.709/2018 (tratamento de dados para prevenção à fraude). Normas SUSEP/CNSP (ex.: CNSP 382/2020 – conduta de mercado; Circular SUSEP 667/2022 – regras operacionais em seguro de pessoas) e circulares setoriais específicas por ramo.

Taxonomia prática da fraude: onde ela aparece no ciclo do seguro

1) Fase de subscrição (contratação/renovação)

  • Declaração inexata/reticente dolosa (art. 766/CC): omitir doença preexistente relevante, subdeclarar quilometragem/uso profissional, simular endereço/garagem, declarar atividade/ocupação diversa para reduzir prêmio.
  • Capitais/limites dissociados do interesse (sobreseguro intencional) para lucrar no sinistro.
  • Interpostas pessoas (laranjas) para burlar critérios de risco ou restrições cadastrais.

2) Fase de sinistro (regulação e liquidação)

  • Sinistro armado (incêndio proposital, auto-furto, encenação de roubo, autoatropelamento etc.) — típico agravamento intencional (art. 768/CC).
  • Simulação e superfaturamento (orçamentos combinados, peças/serviços não executados, up-coding em saúde), falsidade ideológica/material (arts. 297/298/CP).
  • Fabricar nexo (vincular dano antigo a evento novo; alterar lugar/hora; testemunhas combinadas).
  • Fraude de terceiros (oficina, hospital, prestadora, regulador conluiado) — coautoria/participação penal e sanções administrativas.

Nota técnica: erro honesto e divergências menores são fenômenos distintos de dolo. Em juízo, a seguradora precisa de prova robusta do elemento subjetivo para negar por fraude; o consumidor, por sua vez, tem direito à informação clara e decisão fundamentada. Negativas levianas geram dano moral e multa por prática abusiva.

Incidência relativa por modalidade (ilustrativo)

O gráfico abaixo representa, de forma meramente ilustrativa, a distribuição relativa de tentativas de fraude observáveis em programas de anti-fraud multirramos.

Distribuição ilustrativa Subscrição 25%

Sinistro armado 35%

Superfat. 30%

Falsidade 10%

Consequências jurídicas — civis, penais e administrativas

I) Esfera civil (relação segurado–seguradora–beneficiário)

  • Perda do direito à indenização quando comprovados dolo na contratação (art. 766/CC) ou agravamento intencional do risco (art. 768/CC). A prova deve ser objetiva (laudos, perícia, metadados, geolocalização, inconsistências materiais).
  • Resolução do contrato por infração grave; possibilidade de retenção ou perda do prêmio pago em hipóteses dolosas (segundo as condições e princípios de boa-fé).
  • Dever de restituição de valores recebidos indevidamente (repetição do indébito) e eventual direito de regresso contra coautores (oficinas/hospitais/prestadores).
  • Indenização por perdas e danos se a fraude causar prejuízos adicionais (perícia, salvado inutilizado, imagem).
  • Para a seguradora: negativa infundada, acusação genérica de fraude, mora na regulação ou comunicação opaca podem gerar danos morais, multa por práticas abusivas (CDC) e condenação em honorários/sucumbência. É indispensável fundamentar a negativa com documentação técnica e acesso ao contraditório.

II) Esfera penal

  • Estelionato (art. 171/CP): obter vantagem ilícita em prejuízo da seguradora/terceiro; penas de reclusão e multa.
  • Falsidade material/ideológica (arts. 297/298/CP) — atestados, orçamentos, notas fiscais, boletins de ocorrência, laudos adulterados.
  • Associação criminosa (art. 288/CP) e organização criminosa (Lei 12.850/2013) quando a fraude é sistêmica.
  • Lavagem de dinheiro (Lei 9.613/1998) na utilização de indenizações fraudulentas para ocultar/dissimular valores.
  • Concurso de crimes: incêndio doloso, fraude processual, denunciação caluniosa, conforme o caso.

III) Esfera administrativa e regulatória

  • Comunicação obrigatória ao COAF de operações suspeitas (Lei 9.613/1998) por seguradoras e supervisionadas.
  • Sanções SUSEP/CNSP por infrações às normas de mercado (multas, suspensão, inabilitação de administradores, condicionantes regimentais, conforme o caso).
  • Prestadores credenciados (oficinas, clínicas, reguladores): descredenciamento, comunicação aos órgãos de classe e responsabilização solidária se houver conluio.

Prova, contraditório e boa-fé: como os tribunais analisam

Em litígios, o ponto sensível é demonstrar o dolo. A jurisprudência exige evidência concreta — não bastam meras suspeitas. Elementos típicos: inconsistências objetivas (horário/lugar incoerentes), vestígios periciais, padrões repetidos (ex.: múltiplos sinistros semelhantes em curto prazo), metadados digitais (EXIF de fotos, logs de aplicativos, rotas de GPS), cotejo médico-hospitalar e pareceres independentes.

Diretrizes práticas

  • Seguradora: (i) mantenha trilhas de auditoria; (ii) use perícia independente; (iii) aplique análise de dados (detecção de outliers); (iv) forneça cópia integral do dossiê ao segurado; (v) fundamente a negativa por escrito, apontando cláusulas e provas.
  • Segurado/beneficiário: (i) preserve documentos/boletins/notas; (ii) evite “orçamentos combinados”; (iii) peça segunda opinião pericial; (iv) conteste tecnicamente a presunção de dolo; (v) utilize a inversão do ônus da prova quando aplicável (CDC).

Quadros informativos — passo a passo para reduzir risco jurídico

Checklist antifraude (seguradora)

  1. Clareza contratual (definições de acidente, agravamento, deveres, documentos).
  2. KYC e validações em subscrição (ocupação, uso, endereço, histórico).
  3. Modelos de machine learning + revisão humana (governança de vieses).
  4. Perícia técnica padronizada; cadeia de custódia de evidências digitais.
  5. Canal de denúncia e matrizes de decisão; relatórios auditáveis para SUSEP/COAF.

Boas práticas (segurado/beneficiário)

  1. Preencha a proposta com veracidade; informe mudanças relevantes (uso do bem, endereço, profissão).
  2. Guarde comprovantes (pagamentos, notas, atestados, fotos originais com metadados).
  3. Ao sinistro, faça BO (se aplicável), busque atendimento e avise a seguradora (art. 771/CC).
  4. Solicite protocolo e checklist de documentos; acompanhe a regulação.
  5. Negativa? Peça fundamentação técnica; avalie NIP/SUSEP, Procon e assessoria jurídica.

Casos especiais que costumam gerar conflito

Sobreseguro e enriquecimento sem causa

Capitais dissociados do interesse real sugerem intenção de ganho no sinistro. A solução jurídica inclui redução proporcional, anulação ou, havendo dolo, perda do direito e responsabilização.

Declaração de saúde/risco em seguro de pessoas

Negativas por doença preexistente exigem comprovar má-fé na omissão e o nexo causal com o evento. Questionários genéricos fragilizam a tese da seguradora; perguntas específicas fortalecem a subscrição.

Demora no aviso do sinistro

O atraso não extingue automaticamente a garantia. O art. 771/CC condiciona a perda do direito à demonstração de prejuízo efetivo à apuração. Em dúvida, comunique imediatamente e reforce com documentos.

Negativa por “inconsistências” sem perícia

Recusas genéricas violam o CDC (dever de informação e decisão fundamentada). Sem lastro probatório, a negativa é passível de reversão judicial e de indenização por dano moral/material.

Compliance, LGPD e investigação: limites e possibilidades

  • Base legal para tratamento de dados em prevenção à fraude: art. 7º, X, da LGPD (proteção ao crédito e prevenção à fraude), além de legítimo interesse com relatório de impacto quando envolver dados sensíveis.
  • Compartilhamento entre seguradoras: observe finalidade, minimização e anonimização quando possível; governe acessos e retenção.
  • Perfilhamento de risco: documentação de modelos, validação estatística e não discriminação — políticas de fairness e auditoria.
  • Cooperação com autoridades (COAF, polícia, MP) preservando cadeia de custódia de evidências e direitos do investigado.

Playbook de resposta a indícios de fraude (seguradora e segurado)

Seguradora — 6 passos

  1. Registrar indício (alerta sistêmico, denúncia, inconsistência documental).
  2. Preservar provas (fotos originais, logs, gravações) e abrir investigação técnica.
  3. Oficiar perícia independente (médica/engenharia/forense digital).
  4. Garantir contraditório — oportunizar manifestação do segurado e juntar documentos.
  5. Decidir com fundamentação (cláusula + prova). Se fraude: comunicar COAF/SUSEP quando cabível.
  6. Documentar lições e ajustar subscrição (ex.: perguntas específicas, inspeção prévia, limites).

Segurado — 6 passos

  1. Comunicar o sinistro e pedir o checklist documental.
  2. Entregar originais/PDFs nativos com metadados preservados; evitar orçamentos “copiados”.
  3. Se suspeitarem de fraude, exigir decisão escrita com relatório técnico e acesso ao dossiê.
  4. Contestar tecnicamente (laudo próprio, testemunhas, geodados), invocando CDC e boa-fé (art. 765/CC).
  5. Negativa infundada: considerar NIP/SUSEP, Procon e vias judiciais com pedido de tutela.
  6. Revisar a apólice periodicamente (beneficiários, capitais, mudanças de risco) para evitar ruídos.

Conclusão — “Tolerância zero ao dolo; transparência total no contrato”

A fraude em seguros é ilegal, desorganiza o mutualismo e retira proteção de quem realmente precisa. O ordenamento brasileiro fornece ferramentas claras: perda da garantia (arts. 766 e 768/CC), responsabilidade penal (estelionato, falsidades, organização criminosa), sanções administrativas (COAF/SUSEP) e remédios processuais que preservam o contraditório. A prevenção começa na linguagem contratual clara, segue com subscrição diligente e culmina em regulação técnica e fundamentada. Do outro lado, o segurado que age de boa-fé tem o direito de ver sua pretensão decidida com provas e respeito, não com presunções.

Se você é segurado, trate a proposta como uma declaração formal e documente o sinistro de ponta a ponta. Se você é seguradora ou corretor, invista em compliance, dados de qualidade e cultura de prova técnica. Assim, o seguro volta ao seu propósito: entregar liquidez e paz no pior dia, sem espaço para oportunismo nem para negativas arbitrárias.

PRÉ-FAQ — Guia rápido: Fraude em Seguros e suas Consequências Jurídicas

O que é fraude em seguros? É qualquer conduta dolosa destinada a obter vantagem indevida de uma apólice. Pode ocorrer na contratação (omitir doenças, declarar uso/endereços falsos, inflar capital segurado, usar “laranjas”) ou no sinistro (simulação de roubo/incêndio, auto-furto, superfaturamento de orçamentos, atestados/boletins falsos, manipulação de fotos e metadados). Diferencie erro honesto de dolo: divergências menores e de boa-fé não se confundem com fraude.

1) Quais são as consequências jurídicas principais?

  • Esfera civil: perda do direito à indenização quando há declaração dolosa/reticente ou agravamento intencional do risco; resolução do contrato; devolução de valores indevidos; indenização por perdas e danos; ação regressiva contra coautores (oficina, hospital, prestador).
  • Esfera penal: enquadramentos frequentes em estelionato, falsidade material/ideológica, associação/organização criminosa e, em certos contextos, lavagem de dinheiro. Penas de reclusão e multa.
  • Esfera administrativa/regulatória: comunicação de operações suspeitas ao COAF; fiscalização e sanções da SUSEP/CNSP; descredenciamento de prestadores conluiados.

2) O que a seguradora precisa provar para negar por fraude?

Evidência concreta do dolo: laudos periciais, inconsistências objetivas (hora/lugar/versões), padrões reiterados de sinistros, forense digital (EXIF, geolocalização, logs), documentos originais, testemunhos independentes. Negativa genérica ou sem lastro técnico é abusiva e pode gerar condenação por danos morais/materiais.

3) Direitos do segurado e do beneficiário

  • Receber decisão escrita e fundamentada indicando cláusulas e provas utilizadas.
  • Acessar o dossiê do sinistro e apresentar contraprovas (segunda perícia, documentos, testemunhas, metadados originais).
  • Invocar regras do CDC (informação adequada e, quando cabível, inversão do ônus da prova).
  • Acionar NIP/SUSEP, Procon e o Judiciário quando houver negativa infundada ou demora injustificada.

4) Boas práticas para prevenir problemas (checklist em 10 passos)

  1. Preencha a proposta com veracidade; informe mudanças relevantes (endereço, uso do bem, profissão, hábitos de risco).
  2. Guarde boletins, notas fiscais, laudos e fotos originais do evento (sem reenviar por apps que removem metadados).
  3. Comunique o sinistro imediatamente e peça o checklist documental.
  4. Evite “orçamentos combinados” e nunca aceite alterar datas/itens para “ajudar”.
  5. Se houver suspeita contra você, exija o relatório técnico e o acesso ao processo; responda ponto a ponto.
  6. Se a negativa citar “inconsistências” sem perícia, peça perícia independente e registre sua discordância.
  7. Beneficiários: mantenha indicação nominal (nome/CPF) e substitutos atualizados; protocole endossos.
  8. Corretores/Prestadores: formalizem atendimentos, mantenham cadeia de custódia de evidências e recusem pedidos ilícitos.
  9. Seguradoras: adotem governança antifraude (KYC, análises estatísticas, perícia independente, trilha de auditoria, comunicação a COAF quando cabível).
  10. LGPD: tratem dados na base legal adequada (prevenção à fraude/legítimo interesse), com minimização, registros e segurança da informação.

5) Erro honesto x fraude: linha de corte

Erro honesto é incompatível com intenção de enganar. Divergências explicáveis (ex.: atraso no aviso sem prejuízo à prova, documento incompleto suprido depois) não autorizam, por si, a perda da garantia. Já a reticência dolosa ou o sinistro provocado resultam em perda do direito, devolução do que foi pago indevidamente e responsabilização criminal/administrativa.

Decisão em uma frase

Fraude em seguros tem tolerância zero: quem frauda perde a proteção e responde civil, penal e administrativamente; quem é honesto tem direito a regulação técnica, transparente e fundamentada, com acesso às provas e vias de contestação.

FAQ — Fraude em Seguros: consequências jurídicas

1) O que caracteriza “fraude em seguros”?

É a conduta dolosa destinada a obter vantagem indevida de uma apólice, na contratação (omitir informações relevantes, usar dados falsos, inflar capitais) ou na regulação de sinistro (simulação de roubo/incêndio, auto-furto, orçamentos combinados, laudos/BOs falsos).

Fraude viola a boa-fé objetiva (art. 765/CC) e pode gerar efeitos civis, penais e administrativos.

2) Qual a diferença entre erro honesto e fraude (dolo)?

Erro honesto é divergência sem intenção de enganar (ex.: data trocada, documento faltante que é suprido). Dolo é a intenção consciente de enganar para obter indenização ou prêmio menor.

Sem prova concreta do dolo, a negativa por “fraude” tende a ser considerada abusiva (CDC) e reversível.

3) Quais são as consequências civis para quem frauda?

Perda do direito à indenização por: (i) declaração dolosa/reticente na proposta (art. 766/CC); (ii) agravamento intencional do risco (art. 768/CC).

Além disso, pode haver: resolução do contrato, devolução do que recebeu indevidamente, indenização por perdas e danos e ação de regresso contra coautores (oficina, clínica, corretor).

4) Quais crimes podem ser imputados em fraudes de seguro?

Os enquadramentos mais comuns são: estelionato (art. 171/CP), falsidade material/ideológica (arts. 297/298/CP), associação criminosa (art. 288/CP) e, em casos estruturados, organização criminosa (Lei 12.850/2013) e lavagem de dinheiro (Lei 9.613/1998).

As penas incluem reclusão e multa, além de efeitos secundários (perda de bens, antecedentes, custas).

5) Existem sanções administrativas/regulatórias?

Sim. Há comunicação de operações suspeitas ao COAF (Lei 9.613/1998) e sanções da SUSEP/CNSP por condutas irregulares. Prestadores (oficinas, clínicas, reguladores) envolvidos podem ser descredenciados e comunicados a órgãos de classe.

6) O que a seguradora precisa demonstrar para negar por fraude?

Prova robusta do dolo: laudos periciais, inconsistências objetivas (tempo/lugar/versões), padrões repetidos, forense digital (EXIF de fotos, geolocalização, logs), depoimentos independentes e conexão entre a conduta e o sinistro.

Negativas genéricas sem lastro probatório violam o CDC (dever de informação) e podem gerar dano moral e condenação judicial.

7) Quais são os direitos do segurado/beneficiário acusado de fraude?

Receber decisão escrita e fundamentada com as cláusulas aplicadas e as provas usadas; acessar o dossiê, apresentar contraprovas (perícia própria, documentos, metadados originais) e invocar, quando cabível, a inversão do ônus da prova (CDC).

Persistindo abuso, é possível acionar NIP/SUSEP, Procon e o Judiciário.

8) Prazo para pagar o sinistro e impacto da suspeita de fraude

Com documentação completa, o mercado pratica prazo contratual padrão de até 30 dias para liquidar. Havendo investigação por suspeita de fraude, a seguradora deve justificar a suspensão, informar faltas específicas e dar acesso às diligências essenciais, evitando demora injustificada.

9) LGPD e prevenção à fraude: o que pode ser feito com meus dados?

Dados podem ser tratados para prevenção à fraude e proteção do crédito (base legal da LGPD), observando finalidade, minimização, segurança, registros de acesso e governança de modelos (para evitar discriminação).

Compartilhamentos entre seguradoras devem ser justificados, com controles e, quando possível, anonimização.

10) Como prevenir problemas: boas práticas rápidas
  • Na proposta: responda com veracidade; informe mudanças relevantes (uso, endereço, profissão).
  • No sinistro: comunique rápido; preserve provas originais (fotos com EXIF, notas, laudos, BO).
  • Documentação: evite orçamentos combinados; peça checklist e protocole tudo.
  • Negativa: exija relatório técnico; se infundada, busque NIP/SUSEP, Procon e tutela judicial.
  • Prestadores e corretores: mantenham trilha de auditoria, cadeia de custódia e independência pericial.

# ARQUITETURA JURÍDICA — Fraude em Seguros: consequências e fundamentos normativos

> **Escopo**: delinear as consequências **civis, penais, regulatórias e de dados** quando há **fraude** na contratação ou no sinistro de seguros (vida, pessoas, patrimoniais), com **pontos operacionais** para seguradoras, corretores e segurados.

## 1) Conceitos-chave e taxonomia de fraude
– **Fraude na contratação**: omissões/declarações inexatas sobre risco, saúde, atividade, bens.
– **Fraude no sinistro**: criação simulação de evento, agravamento intencional do risco, documentos falsos, conluio.
– **Fraude documental/dados**: laudos, notas, recibos, identidades ou cadastros falsificados; uso indevido de dados.

**Princípio basilar**: **boa-fé objetiva** e **cooperação** na relação securitária (deveres de lealdade, informação e mitigação do risco).

## 2) Efeitos civis (Código Civil)
**a) Perda do direito à indenização** quando houver:
– **Declaração inexata ou omissão** do segurado sobre o risco **que influencie a aceitação** ou o prêmio.
– **Agravamento intencional do risco** pelo segurado/beneficiário.
– **Inobservância do dever de avisar o sinistro** no tempo e modo devidos, quando isso causar **prejuízo** à apuração.

**b) Outras repercussões**
– **Resilição/cancelamento** da apólice por violação grave de deveres contratuais.
– **Direito de regresso** da seguradora contra causadores do dano/conluiados.
– **Sub-rogação** da seguradora após pagar o sinistro legítimo.

> **Bases CC**: arts. **757** (núcleo do contrato), **760** (apólice e cláusulas), **765** (boa-fé), **766** (declaração inexata/reticente), **768** (agravamento intencional), **771** (aviso do sinistro).

## 3) Esfera do consumidor (CDC)
– **Informação adequada e clara** é direito básico; deveres de transparência na pré-venda e na regulação.
– **Cláusulas abusivas** são **nulas** (ex.: que exonerem indevidamente o fornecedor, transfiram responsabilidades ou criem desvantagem exagerada).
– **Materiais, formulários e laudos** devem ser redigidos em linguagem acessível; negativa de sinistro deve ser **motivada**.

> **Bases CDC**: **art. 6º** (informação) e **art. 51** (nulidade de cláusulas abusivas).

## 4) Repercussões penais (Código Penal)
– **Estelionato**: obter vantagem ilícita induzindo a seguradora em erro (ex.: sinistro simulado, notas frias, “carro fantasma”).
– **Falsificações**: documento público (**297**), particular (**298**) ou **falsidade ideológica** (**299**) em orçamento, prontuário, atestado, boletim, laudo, nota fiscal etc.
– **Associação/organização criminosa**: quando há **reiteração e estrutura** (captação de terceiros, clínicas/oficinas conluiadas, “centrais de sinistro”).

> **Bases CP**: **art. 171** (estelionato); **arts. 297–299** (falsidades).
> **Lei 12.850/2013**: define **organização criminosa**.

## 5) Regulação setorial e conduta (SUSEP/CNSP)
– **Regras de relacionamento e conduta** com consumidores e deveres de **governança** e **compliance** (políticas, controles internos, trilhas de auditoria, registro de contato, resposta fundamentada, prevenção a conflitos de interesse).
– **Processos de investigação de sinistro** devem observar proporcionalidade, rastreabilidade e **não podem** degradar direitos do consumidor (p. ex., exigências excessivas sem nexo).
– **Sanções administrativas**: advertência, multa, suspensão, entre outras, em caso de infração regulatória.

> **Base**: **Resolução CNSP 382/2020** (conduta, transparência e relacionamento no mercado).

## 6) PLD/FT, COAF e dados pessoais (LGPD)
– Seguradoras e supervisionados **são “pessoas obrigadas”** em **PLD/FT**: **identificar clientes/beneficiários**, manter **registros**, avaliar **operações atípicas** e **comunicar** ao **COAF** (arts. 9º–11 da **Lei 9.613/1998**).
– **Sanções** por descumprimento de PLD/FT: **advertência**, **multas** (até R$ 20 milhões ou limites atrelados à operação) e outras.
– **LGPD**: tratamento de dados para **prevenção à fraude** e **segurança do titular** é **base legal autônoma**; exige **minimização**, **proporcionalidade**, **registro de bases legais** e **gestão de riscos** (art. 7º, **g**).
– **Integração**: políticas de **fraude** devem alinhar **LGPD + PLD/FT + CDC + SUSEP**, com **matriz de risco**, **KYC/KYB**, **monitoramento** e **governança de terceiros** (oficinas, clínicas, reguladoras).

## 7) Roteiro operacional (antifraude e resposta)
1. **Antes da venda**
– Questionário **claro e aderente** ao risco (evitar perguntas vagas; registrar aceite).
– **Explicar** consequências de omissões/reticências (perda do direito à indenização).
– Due diligence de parceiros (oficinas, clínicas, reguladoras, assistências).

2. **Na regulação**
– **Checklists proporcionais** ao tipo de sinistro; trilhas de coleta de evidências; preservação de logs.
– **Análise antifraude** baseada em **critérios objetivos** e registro de **fundamentos legais** para cada exigência.
– **Decisão motivada** (linguagem acessível, fundamento civil/penal/CDC) e guarda probatória.

3. **Quando houver indícios**
– **Suspender** pagamento; **abrir investigação** formal; **comunicar COAF** quando cabível; **preservar dados**.
– **Notificar autoridades** (polícia/MP) em hipóteses de crime; **acionar regresso** contra coautores.

4. **Governança & dados**
– **Mapa de bases legais LGPD** (prevenção à fraude; obrigação legal/regulatória).
– **Registros de tratamento**, **DPIA** quando necessário; **segregação de acesso** e retenção mínima.

## 8) Encerramento executivo
– **Fraude** em seguros **não é “risco do negócio”**: gera **perda de cobertura** ao segurado/beneficiário, **sanções administrativas**, **responsabilidade penal** dos envolvidos e **dever** de comunicação regulatória.
– A **seguradora** que investiga e decide **com proporcionalidade e lastro normativo** reduz litígios (CDC), mitiga riscos sancionatórios (SUSEP/COAF) e cumpre a **LGPD**.
– O **segurado** bem orientado (boa-fé, informações completas, colaboração) **protege seu direito** e evita consequências civis e penais.

> **Checklist de conformidade** (usar como anexo de procedimento): matriz de riscos por produto; inventário de perguntas de subscrição; política antifraude alinhada a CC/CDC/LGPD; plano PLD/FT (identificação, monitoramento, comunicação); protocolo de decisão motivada; trilhas de auditoria; treinamento contínuo.

### Fontes legais (ver rodapé)
[CC arts. 757, 760, 765, 766, 768, 771] — [CDC arts. 6º, 51] — [CP arts. 171, 297–299] — [Lei 12.850/2013] — [Lei 9.613/1998 (COAF, PLD/FT)] — [Res. CNSP 382/2020] — [LGPD art. 7º, g].

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