Extradição no Brasil: Casos Práticos, Impedimentos e Como o STF Decide
Panorama prático
A extradição é o procedimento pelo qual um Estado entrega a outro um indivíduo para fins de persecução penal ou execução de pena. No Brasil, o instituto é balizado pela Constituição Federal, pela Lei de Migração (Lei 13.445/2017) e seu regulamento (Decreto 9.199/2017), além de tratados bilaterais e multilaterais. A competência para julgar pedidos é do Supremo Tribunal Federal (STF), cabendo ao Poder Executivo decidir politicamente sobre a entrega após autorização judicial.
- Dupla tipicidade: o fato deve ser crime nos dois países.
- Especialidade: o extraditado só pode ser julgado pelos fatos que motivaram o pedido.
- Não extradição por crime político/opinião e por perseguição discriminatória.
- Proibição de pena de morte ou tratamento cruel (exigem-se garantias formais).
- Brasileiro nato não é extraditado; naturalizado apenas por crime comum anterior à naturalização ou por tráfico de drogas (CF, art. 5º, LI).
Fluxo resumido do procedimento
Pedido estrangeiro (via via diplomática/MLAT)
→ Análise do MJSP e PGR
→ Autuação no STF (relator sorteado)
→ Prisão cautelar para fins de extradição (se cabível)
→ Defesa, diligências e parecer da PGR
→ Julgamento colegiado no STF (autoriza ou nega)
→ Fase política (Presidência da República)
→ Entrega e logística (Polícia Federal/cooperação internacional)
Requisitos e impedimentos (checklist)
- Mandado de prisão/decisão condenatória válida no Estado requerente.
- Exposição circunstanciada dos fatos e do enquadramento penal (dupla tipicidade).
- Documentos que identifiquem o extraditando.
- Tradução juramentada ao português.
- Garantias sobre penas incompatíveis (morte/perpétua) e direitos humanos.
- Brasileiro nato.
- Crime político ou de opinião.
- Prescrição segundo a lei brasileira ou do Estado requerente.
- Risco concreto de tortura ou tratamento degradante.
- Falta de dupla tipicidade ou de provas mínimas.
Casos práticos (Brasil em foco)
A seguir, um conjunto de situações concretas, com lições operacionais úteis para quem atua em extradição.
1) Condenação no exterior e execução no Brasil (cooperação x extradição)
Quando a pessoa é brasileira e foi condenada no exterior, costuma-se não falar em extradição: o caminho é a homologação de sentença estrangeira pelo STJ para fins de execução no território nacional (ou transferência de execução penal). Essa via atende ao veto constitucional de extradição de natos e à política de reintegração social sob jurisdição brasileira.
2) Naturalizado e crime anterior à naturalização
Se o investigado é naturalizado e o fato é anterior à naturalização, o STF tende a admitir a extradição quando presentes os requisitos formais e materiais. Em sua defesa, discute-se prescrição, dupla tipicidade e a inexistência de perseguição política. Já em casos de tráfico ilícito de entorpecentes, a extradição é possível mesmo que o fato seja posterior.
3) Risco de pena de morte ou perpétua
Países que preveem pena capital ou perpétua devem prestar garantias diplomáticas de comutação/limitação para que o pedido prospere. Sem essa salvaguarda, o STF costuma negar. Em execuções de pena, a prova de que a sanção restante respeita os parâmetros brasileiros (reprimenda temporária) é indispensável.
4) Crime político e “desvio de finalidade”
O STF analisa se o fato imputado tem natureza política genuína ou se o pedido encobre perseguição por opinião, etnia, religião ou grupo social. Quando o processo estrangeiro revela marcadores de arbitrariedade (tribunais de exceção, falta de defesa mínima, provas ilícitas), a extradição é negada por violação a direitos humanos.
5) Exigências probatórias mínimas
Não se exige prova plena da autoria, mas lastro de materialidade e elementos indiciários suficientes. Pedidos baseados apenas em boletins genéricos, sem decisões ou atos formais, tendem a ser indeferidos.
6) Prisão para fins de extradição
O relator no STF pode decretar prisão cautelar (ou medidas menos gravosas) para assegurar a entrega. A defesa costuma requerer domiciliar quando houver hipervulnerabilidade (doença grave, gestação, crianças pequenas), ponderando proporcionalidade e cooperação.
7) Recusa por nacionalidade e alternativas
Quando o Estado requerente pede brasileiro nato, o Brasil recusa. A solução prática tem sido: a) cooperação para produção de provas aqui; b) execução no Brasil mediante homologação; c) controle migratório e difusão vermelha para impedir fuga internacional.
Quadro comparativo — quando a extradição costuma ser admitida ou negada
| Cenário | Tendência | Pontos de atenção |
|---|---|---|
| Naturalizado por crime comum pré-naturalização | Adequada, se dupla tipicidade e sem prescrição | Comprovar anterioridade e evitar “perseguição política” disfarçada |
| Naturalizado por tráfico de drogas (qualquer data) | Admissível | Elementos suficientes de materialidade; compatibilidade das penas |
| Brasileiro nato | Vedada | Usar transferência de execução ou cooperação probatória |
| Pedido com pena de morte/perpétua | Negada, salvo garantias formais | Exigir notas verbais de comutação/limitação |
| Crime político puro | Negada | Examinar se há violência grave ou terrorismo (que afastam o rótulo) |
Estratégia defensiva e acusatória (passo a passo)
- Impugnar identificação (homonímia, biometria, sinais particulares).
- Demonstrar prescrição (leis dos dois países e marcos interruptivos).
- Atacar dupla tipicidade (elementos normativos divergentes).
- Provar risco a direitos humanos (decisões internacionais, relatórios).
- Classificar o fato como político/opinião, quando couber.
- Pedir medidas alternativas à prisão (comparecimento, retenção de passaporte).
- Remeter mandados/decisões com certificação e tradução juramentada.
- Comprovar lastro probatório e dupla tipicidade.
- Oferecer garantias (sem pena de morte/perpétua; respeito ao devido processo).
- Especificar o limite de especialidade (fatos e capitulações).
- Dar celeridade às respostas do STF e do MJSP; manter cooperação contínua.
Gráfico mental — árvore de decisão
Início → Pessoa é brasileira nata? → Sim → Extradição vedada → Alternativas (cooperação/execução no Brasil)
↘ Não (estrangeiro ou naturalizado)
→ Crime político/opinião? → Sim → Negar
↘ Não
→ Há dupla tipicidade e provas mínimas? → Não → Negar
↘ Sim
→ Pena de morte/perpétua? → Sim → Exigir garantias
↘ Não/garantias dadas
→ Prescrição? → Sim → Negar
↘ Não → STF autoriza? → Sim → Presidente decide entrega → Execução logística
Guia rápido (campo de batalha)
- 1. Identifique o status da pessoa: brasileiro nato (vedado), naturalizado (regras especiais) ou estrangeiro.
- 2. Cheque a base documental: decisão/mandado, relato dos fatos, identificação segura, traduções.
- 3. Faça o teste da dupla tipicidade: descreva os elementos do tipo nos dois ordenamentos.
- 4. Varra impedimentos absolutos: prescrição, crime político, risco de tortura, pena de morte/perpétua sem garantias.
- 5. Mapeie especialidade: delimite fatos e crimes para evitar “ampliação” após a entrega.
- 6. Planeje a audiência de custódia/medidas: proponha cautelares que assegurem a entrega sem excesso.
- 7. Prepare memoriais ao STF: com sumário executivo, cronologia, anexos numerados e índice de provas.
- 8. Após a decisão: articule com PF e chancelarias; confirme rotas, escolta e prazos; registre a cadeia documental.
FAQ (6 perguntas objetivas)
1) O Brasil extradita quem tem filho brasileiro?
Isso, por si só, não impede a extradição. O que veda de forma absoluta é a nacionalidade brasileira nata. Outros fatores (vínculo familiar, melhor interesse de criança) podem influir em cautelares e logística, mas não são escudo automático.
2) É possível extraditar por crime tributário?
Sim, desde que haja dupla tipicidade e que a legislação do país requerente considere o fato penal. Alguns tratados excluem infrações meramente fiscais administrativas.
3) E se o país pedir por “lavagem” mas o fato originário é político?
O STF investiga desvio de finalidade. Se houver vínculo indissociável com crime político/opinião, o pedido pode ser negado.
4) Como se conta a prescrição?
Considera-se a lei brasileira e a do Estado requerente, adotando-se o prazo mais benéfico. Atos interruptivos e sentenças devem ser comprovados.
5) Depois de extraditado, o país pode mudar a acusação?
Não, vigora o princípio da especialidade. Mudanças substanciais exigem consentimento do Brasil.
6) O STF pode autorizar e o Presidente negar?
Sim. O STF autoriza juridicamente. A entrega é ato político do Presidente, que pondera razões diplomáticas. Ainda assim, a negativa costuma ser excepcional e deve respeitar tratados.
Conclusão
A extradição no Brasil combina uma análise técnica rigorosa (STF) com uma decisão política de soberania (Presidência). Para quem atua no contencioso, dominar dupla tipicidade, especialidade, direitos humanos e a prova mínima é o eixo central. Em paralelo, conhecer as alternativas (homologação de sentença estrangeira, transferência de execução, cooperação probatória) é essencial quando houver brasileiro nato ou impedimentos absolutos. Casos práticos mostram que vitórias e derrotas dependem de dossiês bem montados, garantias claras e estratégia processual coesa.
Base técnica e referências legais
- Constituição Federal, art. 5º, incisos LI (extradição) e LII (crime político/opinião); art. 102, I, “g” (competência do STF).
- Lei 13.445/2017 (Lei de Migração) e Decreto 9.199/2017.
- Tratados bilaterais/multilaterais de extradição e instrumentos de assistência mútua (MLATs).
- Regras de direitos humanos (proibição de tortura; salvaguardas contra pena de morte/perpétua; devido processo).
- Jurisprudência do STF sobre dupla tipicidade, especialidade, garantias diplomáticas e impedimentos.
Comunicado importante
Este conteúdo é informativo e não substitui um advogado. Cada caso de extradição tem particularidades de tratado, prova e cronologia que exigem análise profissional e atualização normativa.
