Exclusões Indevidas no Seguro Saúde: quando a negativa é ilegal e como reagir
Exclusões indevidas em contratos de seguro/plano de saúde: como identificar, contestar e prevenir
Exclusão indevida é toda negativa de cobertura baseada em cláusula nula, interpretação abusiva do contrato ou desrespeito ao marco regulatório da saúde suplementar. Embora as operadoras possam delimitar riscos (p. ex., tipo de acomodação, rede, segmentação ambulatorial/hospitalar), elas não podem reduzir a cobertura mínima obrigatória nem impor restrições contrárias à Lei 9.656/1998, ao Código de Defesa do Consumidor (CDC) e às Resoluções Normativas da ANS. Desde a Lei 14.454/2022, o Rol da ANS passou a ter natureza exemplificativa (com critérios técnicos), reforçando a ilicitude de exclusões que ignoram evidências científicas e diretrizes de cobertura.
Essência: cláusulas que esvaziam a finalidade do contrato, restringem procedimentos obrigatórios do Rol (e seus equivalentes terapêuticos) ou violam direitos básicos (p. ex., urgência/emergência em 24h) são nulas. A negativa deve ser motivada por escrito e suportada em critérios técnico-assistenciais transparentes.
Base normativa essencial
Lei 9.656/1998
- Art. 10 e 12: definem coberturas e prazos de carência por segmentação (ambulatorial, hospitalar com/sem obstetrícia, odontológico).
- Art. 35-C: garante cobertura para urgências e emergências após 24h da contratação, observadas as regras do plano.
- Arts. 30 e 31: manutenção do plano para demitidos/aposentados (evita exclusões travestidas de perda de elegibilidade).
Lei 14.454/2022
Consolidou que o Rol da ANS é exemplificativo: procedimentos não listados podem ser cobertos se houver eficácia comprovada, recomendações técnicas e ausência de substituto terapêutico incorporado, entre outros critérios. Isso limita negativas baseadas apenas no argumento “não consta do Rol”.
CDC e regras da ANS
- CDC: proíbe cláusulas abusivas (art. 51), impõe informação adequada e transparência (art. 6º).
- Resoluções do Rol (e atualizações): definem cobertura mínima e diretrizes clínicas (p. ex., terapias multiprofissionais, saúde mental, TEA).
Exclusões legítimas x exclusões abusivas
Exclusões que costumam ser legítimas (se expressas e compatíveis com a segmentação)
- Procedimentos estéticos sem finalidade reparadora clínica.
- Materiais importados/experimentais sem registro na Anvisa, quando inexistem evidências e alternativas terapêuticas equivalentes.
- Serviços extra-hospitalares não relacionados à assistência à saúde (hotelaria premium, acompanhante além do legal, etc.).
Exclusões com forte risco de abusividade
- Negar urgência/emergência em 24h alegando carência integral ou segmentação ambulatorial quando há risco imediato.
- Recusar home care substitutivo de internação (indicação médica e critérios clínicos), sob argumento genérico de “não previsto”.
- Limitar terapias multiprofissionais (p. ex., TEA, reabilitação) por teto de sessões anual sem base técnica ou contra diretrizes da ANS.
- Negar saúde mental de forma mais restrita que outras condições clínicas, contrariando a paridade de cobertura.
- Recusar próteses/órteses ligadas ao ato cirúrgico (quando imprescindíveis) sob argumento contratual genérico.
- Condicionar cobertura a marca específica de material/medicamento quando há equivalentes terapêuticos aprovados.
- Negar procedimento moderno com eficácia comprovada apenas por não constar nominalmente no Rol (após a Lei 14.454/2022).
Ponto de atenção: mesmo quando a exclusão é lícita em regra, a indicação médica, o quadro clínico e a substitutividade (ex.: home care em vez de hospital) podem atrair a cobertura por interpretação pro consumidor e finalidade do contrato.
Glosa, coparticipação e rede: o que não é “exclusão” (mas vira abuso se mal aplicado)
- Glosa é recusa de pagamento ao prestador por falha documental ou divergência técnica. Se repassada ao paciente sem justificativa, desvirtua o contrato.
- Coparticipação não pode funcionar como franquia disfarçada que inviabilize o acesso (percentuais excessivos, teto inexistente).
- Rede referenciada exige amplitude e substituição equivalente. Descredenciamento abrupto e falhas de oferta geram cobertura fora da rede por reembolso integral em casos de necessidade.
Casos recorrentes de exclusões indevidas (mapa prático)
1) Urgência/emergência durante carência
Após 24h, há cobertura obrigatória para estabilização do quadro. Negativas gerais (“está em carência”) costumam ser ilícitas, sobretudo quando há risco de vida ou lesões irreparáveis.
2) Oncologia e medicamentos de alto custo
Recusas por “fora do Rol” ou “off label” devem ser analisadas à luz da Lei 14.454/2022 e evidências clínicas. Havendo diretriz de utilização ou comprovação científica, a negativa genérica é abusiva.
3) Terapias para TEA e reabilitação
Limitação por número fixo de sessões contraria diretrizes recentes da ANS e a necessidade de plano terapêutico individualizado. Tabelamento sem avaliação clínica é indevido.
4) Home care
Se indicado como substituto de internação, com critérios técnicos preenchidos, a negativa genérica é frequentemente revista pelo Judiciário. O contrato não pode servir para descontinuidade do cuidado.
5) Cirurgia com órteses/próteses
Dispositivos intracirúrgicos essenciais integram o ato médico; exclusão ampla (“próteses não cobertas”) tende a ser nula quando imprescindíveis ao sucesso do procedimento coberto.
Como reagir a uma exclusão indevida
- Exija a negativa por escrito com código CID, procedimento e fundamento normativo indicado.
- Anexe evidências: relatório médico, exame, diretrizes clínicas, registro Anvisa (quando aplicável) e comparativo terapêutico.
- Registre reclamação na ANS (NIP) e, em urgência, busque tutela de urgência judicial para garantir cobertura imediata.
- Se a exclusão decorre de rede insuficiente, requerer reembolso integral fora da rede ou indicação imediata de prestador equivalente.
- Guarde protocolos, e-mails, laudos e comprovantes de despesas (para eventual reembolso e danos materiais).
Indicadores de risco e auditoria de negativas (ilustrativo)
Os times de conformidade costumam monitorar a natureza das negativas e a aderência às diretrizes técnicas. O painel abaixo é didático (percentuais hipotéticos):
Substitua por dados reais do seu contencioso/ANS. A análise por causa de negativa orienta treinamentos e revisões contratuais.
Boas práticas contratuais para evitar litígios
- Transparência na redação: listar coberturas, exclusões e diretrizes com linguagem clara, sem generalidades.
- Governança clínica: comitê técnico para alinhar decisões a provas científicas, diretrizes e atualizações de Rol.
- Canal rápido para segunda opinião e case management em situações de alta complexidade (oncologia, neuro, cardio).
- Rede dinâmica: monitorar capacidade e descredenciamentos; prever substituições equivalentes e regras de reembolso.
- Treinamento das centrais de autorização para evitar negativas padronizadas sem lastro técnico.
Quadros rápidos de consulta
Checklist do beneficiário
- Solicitou negativa escrita com motivo normativo?
- Juntou relatório médico com indicação e justificativa clínica?
- Há diretriz da ANS/associações médicas corroborando a terapia?
- Registrou NIP e, se necessário, pediu liminar?
Red flags de cláusulas abusivas
- “Coberturas a critério da operadora”.
- “Próteses nunca incluídas” sem exceção para o ato cirúrgico.
- “Urgências só após carência total”.
- “Tratamentos de saúde mental limitados a X sessões/ano” sem base técnica.
- “Home care não coberto em nenhuma hipótese”.
Conclusão
Exclusões contratuais têm limites jurídicos e técnico-assistenciais. O contrato de saúde suplementar deve cumprir sua função social e garantir a finalidade essencial: assistência à saúde em condições dignas. São indevidas as exclusões que afrontam a Lei 9.656/1998, o CDC, a paridade de cobertura, as diretrizes clínicas e, sobretudo, a Lei 14.454/2022, que consolidou a permeabilidade do Rol para tecnologias eficazes. A resposta correta à negativa passa por documentação, justificativa clínica, reclamação regulatória e, quando preciso, tutela judicial — caminhos que, combinados, têm alto índice de reversão quando se trata de exclusões abusivas ou incompatíveis com a finalidade do contrato.
Guia rápido — Exclusões indevidas em contratos de seguro/plano de saúde
- O que é exclusão indevida: negativa que contraria Lei 9.656/1998, CDC, Resoluções da ANS ou a Lei 14.454/2022 (Rol exemplificativo).
- Exclusões legítimas: itens puramente estéticos, serviços não assistenciais, tecnologias sem registro e sem evidência, desde que expressos e coerentes com a segmentação.
- Red flags: negar urgência/emergência em 24h, home care substitutivo, terapias multiprofissionais (TEA/reabilitação) por tetos arbitrários, órteses/próteses intracirúrgicas, saúde mental sem paridade.
- Rol da ANS: desde a Lei 14.454/2022 é exemplificativo; cobertura possível quando houver eficácia comprovada e ausência de substituto terapêutico adequado.
- Como o consumidor reage: exigir negativa por escrito (CID/procedimento/fundamento), reunir laudo médico, registrar NIP na ANS, buscar liminar em urgência.
- Documentos-chave: contrato/condições gerais, diretrizes clínicas, registro Anvisa, exames, prontuário, comprovantes de despesas.
- Rede e reembolso: descredenciamento/insuficiência de rede pode gerar reembolso integral fora da rede ou obrigação de oferta equivalente.
- Para operadoras: motivar tecnicamente, alinhar decisões a diretrizes e evidências, treinar centrais de autorização, usar comitê clínico.
1) A operadora pode negar atendimento de urgência nas primeiras 24 horas?
Após 24h da contratação há cobertura obrigatória para urgência/emergência visando estabilização (art. 35-C da Lei 9.656). Negativa genérica por carência costuma ser ilegal.
2) “Não está no Rol da ANS” basta para negar?
Não. A Lei 14.454/2022 tornou o Rol exemplificativo. Havendo eficácia comprovada, diretrizes reconhecidas e inexistência de substituto adequado, a negativa tende a ser abusiva.
3) Home care pode ser totalmente excluído?
Se for substitutivo de internação e houver indicação médica com critérios clínicos, a recusa genérica é frequentemente afastada pelos tribunais. O contrato não pode esvaziar a finalidade assistencial.
4) O plano pode limitar sessões de terapias (TEA/reabilitação) por um teto fixo?
Limites arbitrários sem base técnica violam diretrizes da ANS e a lógica de plano terapêutico individualizado. Cortes automáticos tendem a ser indevidos.
5) Órteses e próteses ligadas ao ato cirúrgico podem ser negadas?
Quando imprescindíveis ao procedimento coberto, integram o ato cirúrgico. Exclusão ampla (“nunca cobertas”) é normalmente nula.
6) A operadora pode recusar medicamento off label?
Depende. Exige evidência científica, diretrizes e avaliação de alternativas registradas. A negativa automática apenas por “off label” pode ser abusiva após a Lei 14.454/2022.
7) Negaram por “glosa do prestador”. Isso é exclusão?
Glosa é questão entre operadora e prestador. Repassar ao beneficiário sem justificativa técnica/documental pode configurar abuso e gerar obrigação de cobertura/reembolso.
8) Como comprovo que a negativa foi indevida?
Peça negativa escrita com fundamento, junte relatório médico, diretrizes, registro Anvisa, exames e protocole NIP. Em urgência, busque liminar com esses documentos.
9) Rede insuficiente permite atendimento fora da rede?
Sim. Ante insuficiência/descredenciamento sem substituição equivalente, cabe reembolso integral ou indicação imediata de prestador compatível.
10) O que fazer se a exclusão gerar dano?
Além de garantir a cobertura, é possível pleitear danos materiais (despesas) e, em hipóteses graves (interrupção de tratamento/risco), danos morais.
Base de referência normativa e técnica
- Lei 9.656/1998 — arts. 10 e 12 (coberturas/carências por segmentação), art. 35-C (urgência/emergência em 24h), arts. 30/31 (manutenção ex-empregado/aposentado).
- Código de Defesa do Consumidor — arts. 6º (informação), 39 e 51 (práticas/cláusulas abusivas), boa-fé objetiva.
- Lei 14.454/2022 — consolida o Rol exemplificativo e critérios: eficácia, recomendações técnicas, custo-efetividade e ausência de substituto adequado.
- Resoluções da ANS (Rol e diretrizes) — cobertura mínima, paridade em saúde mental, terapias multiprofissionais (TEA), regras de NIP e sanções.
- Regulação assistencial — exigência de motivação escrita e transparência nas negativas; obrigação de manter rede equivalente.
- Entendimento jurisprudencial — prioriza finalidade do contrato, substitutividade (home care x hospital) e proteção do paciente em urgência.
Observação: a aplicação concreta depende da segmentação (ambulatorial/hospitalar, com ou sem obstetrícia), data do contrato e versões vigentes das RNs do Rol.
Considerações finais
Exclusões são válidas apenas quando claras, compatíveis com a segmentação e fundadas em normas e evidências. Negativas que frustrem a finalidade do contrato, afrontem a Lei 9.656/1998, o CDC ou ignorem a Lei 14.454/2022 tendem a ser nulas. Beneficiários devem exigir motivação escrita, juntar relatórios clínicos e acionar os canais regulatórios/judiciais para assegurar o tratamento.
Aviso importante: Este conteúdo é informativo e educativo e não substitui a análise personalizada de um advogado ou especialista em saúde suplementar.
Cada caso envolve contrato, segmentação, quadro clínico e diretrizes específicas; por isso, procure orientação profissional antes de aceitar uma negativa ou ajuizar medidas.
