Estupro no Brasil: entenda o crime, as penas e os agravantes previstos em lei
Conceito jurídico e elementos do tipo (art. 213 do Código Penal)
O estupro, no direito penal brasileiro, consiste em constranger alguém, mediante
violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar (ou permitir que se pratique)
outro ato libidinoso. O verbo constranger indica a supressão da liberdade sexual por meio
de força física ou intimidação séria. Desde a Lei 12.015/2009, os antigos tipos de “conjunção carnal”
e “outros atos libidinosos” foram unificados, ampliando a tutela da dignidade sexual. O bem jurídico protegido é a
liberdade e autodeterminação sexual — isto é, o direito de dizer “sim” ou “não” sem coação.
Sujeitos do crime: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo ou passivo. Consentimento somente é válido
quando livre e informado; o que decorre de medo, violência, embriaguez completa ou incapacidade não legitima o ato.
A materialidade pode ser demonstrada por laudos (quando houver), vestígios, testemunhos, imagens, comunicações digitais e
coerência do relato, respeitada a cadeia de custódia probatória.
- Núcleo: constranger.
- Meios: violência ou grave ameaça (inclusive psicológica).
- Objeto: conjunção carnal ou outro ato libidinoso relevante.
- Consumação: com a prática do ato; tentativa admitida.
Penas e qualificadoras (art. 213, §§)
A pena do caput é de reclusão de 6 a 10 anos. Se do crime resultar lesão corporal de natureza grave,
a pena passa para 8 a 12 anos. Se resultar morte, aplica-se 12 a 30 anos. A forma qualificada por
resultado exige nexo causal entre a conduta e a lesão/morte. O delito é classificado como hediondo,
atraindo consequências mais severas na execução penal (regime e benefícios mais restritivos).
Gráfico — faixas de pena em anos (ilustrativo)
Estupro de vulnerável (art. 217-A) — distinções
O estupro de vulnerável ocorre quando há conjunção carnal ou ato libidinoso com menor de 14 anos ou com quem,
por enfermidade ou qualquer outra causa, não tem discernimento para consentir, ou não pode oferecer resistência.
A pena do caput é de 8 a 15 anos, chegando a 10 a 20 com lesão grave e 12 a 30 em caso de morte.
É crime hediondo em todas as formas. A distinção prática central é que não se exige violência ou ameaça
— a própria lei presume a ausência de consentimento válido.
Agravantes, causas de aumento e concurso
Além das qualificadoras por resultado, o Código Penal e leis especiais trazem hipóteses de incremento de pena:
- Causas de aumento (art. 226 do CP): quando o crime é cometido por pai/mãe, ascendente, padrasto/madrasta, tutor, curador,
empregador ou por quem se prevalece de autoridade sobre a vítima; e em concurso de pessoas. O aumento varia conforme o inciso aplicado. - Lei 13.718/2018: introduziu as majorantes do estupro coletivo e do estupro corretivo
(voltado a “punir” comportamento da vítima), com acréscimo de 1/3 a 2/3. - Agravante genérica (art. 61, II, “f”, CP): violência contra a mulher por razões da condição de sexo feminino ou em contexto
doméstico/familiar pode incidir na segunda fase da dosimetria. Jurisprudência recente admite a
cumulação desta agravante com as majorantes do art. 226 quando os fundamentos fáticos forem distintos,
evitando bis in idem.
- + Estupro praticado por grupo com divisão de tarefas → coletivo (+1/3 a +2/3).
- + Autor ascendente ou que detém autoridade (tutor/empregador) → causa de aumento do art. 226.
- + Contexto de violência doméstica com humilhação e manipulação → agravante do art. 61, II, “f”.
- + Resultado lesão grave ou morte → qualificadoras do art. 213, §§.
Ação penal, investigação e proteção da vítima
A ação penal nos crimes sexuais é pública incondicionada. A investigação deve observar
acolhimento humanizado, preservação imediata de vestígios (CPP, arts. 158-A a 158-F) e respeito à intimidade.
Em se tratando de criança ou adolescente, aplica-se o depoimento especial (Lei 13.431/2017). Quando houver
relação doméstica, podem ser requeridas medidas protetivas nos termos da Lei 11.340/2006 (Maria da Penha).
A prova não se restringe a laudos físicos: relatos consistentes, registros de mensagens/áudios, câmeras, testemunhos
e indicadores de comportamento podem formar um conjunto robusto. O importante é manter a cadeia de custódia e
a integridade do material coletado, sob pena de nulidade.
Dosimetria da pena: roteiro sintético
- 1ª fase (art. 59, CP): culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade, motivos, circunstâncias e consequências.
Ex.: emprego de arma, planejamento, humilhação extrema podem justificar pena-base acima do mínimo. - 2ª fase: agravantes/atenuantes (v.g., art. 61, II, “f” e art. 65, I — menoridade relativa do réu).
- 3ª fase: causas de aumento/diminuição (art. 226; coletivo/corretivo; tentativa). Evitar bis in idem entre fases.
Estupro de vulnerável: notas complementares
Em menores de 14 anos, não há espaço para “consentimento”; a lei presume sua inexistência. Em pessoas com
incapacidade transitória ou permanente de compreensão/manifestação de vontade, a análise é médico-pericial e
fático-jurídica, com foco na proteção e no respeito à autonomia possível. O legislador reforça o caráter protetivo
do tipo, sem afastar garantias processuais do acusado.
Conclusão
O tratamento penal do estupro no Brasil conjuga amplitude do tipo (constrangimento por violência/ameaça ou
incapacidade da vítima) com respostas severas na pena — elevadas ainda mais por qualificadoras e
majorantes quando presentes fatores como resultado grave, morte, concurso de agentes ou relações de autoridade.
A hediondez intensifica os efeitos na execução. Para uma aplicação justa, é indispensável somar
acolhimento à vítima, prova técnica com cadeia de custódia, respeito às garantias de defesa e
dosimetria cuidadosa, evitando duplicidade de motivos. Esse equilíbrio fortalece a proteção da liberdade sexual,
promove responsabilização adequada e reduz revitimização no processo penal.
Guia rápido sobre o crime de estupro
- Base legal: Art. 213 do Código Penal, alterado pela Lei nº 12.015/2009.
- Conduta típica: Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar outro ato libidinoso.
- Pena: Reclusão de 6 a 10 anos (forma simples); 8 a 12 anos se houver lesão grave; 12 a 30 anos em caso de morte.
- Estupro de vulnerável (art. 217-A): ocorre com menor de 14 anos ou pessoa sem discernimento — pena de 8 a 15 anos.
- Natureza jurídica: Crime hediondo, inafiançável e insuscetível de anistia, graça ou indulto.
• Mais de 60 mil casos de estupro são registrados anualmente no Brasil.
• Estima-se que apenas 10% das vítimas denunciam.
• 70% dos casos envolvem vítimas menores de 18 anos.
• Em 8 de cada 10 casos, o agressor é conhecido da vítima.
Fatores agravantes e qualificadoras
- Resultado de lesão grave ou morte da vítima.
- Crime cometido por ascendente, padrasto, tutor ou empregador (art. 226 do CP).
- Prática em concurso de pessoas (estupro coletivo ou corretivo – Lei nº 13.718/2018).
- Violência contra mulher em razão do gênero (art. 61, II, “f”, CP – agravante genérica).
Proteção e medidas legais
O processo deve garantir acolhimento humanizado e sigilo. A vítima pode solicitar:
- Atendimento médico e psicológico imediato pelo SUS (Lei nº 12.845/2013);
- Medidas protetivas conforme a Lei Maria da Penha, quando aplicável;
- Depoimento especial para crianças e adolescentes (Lei nº 13.431/2017);
- Defensoria Pública e atendimento gratuito especializado.
FAQ
O que diferencia estupro de vulnerável do estupro comum?
No estupro de vulnerável (art. 217-A), a vítima é menor de 14 anos ou não tem discernimento para consentir. Não se exige violência física — o consentimento é juridicamente inválido.
Existe prescrição para o crime de estupro?
Sim, mas os prazos são longos. Quando a vítima é menor de 18 anos, o prazo começa a contar apenas após completar a maioridade (art. 111, V, CP).
O que fazer após uma violência sexual?
Procurar atendimento médico imediato para coleta de vestígios e uso da PEP (profilaxia de doenças e gravidez). Depois, registrar boletim de ocorrência e solicitar acompanhamento jurídico e psicológico.
É possível condenar sem prova física?
Sim. O depoimento da vítima, se coerente e harmônico com outros elementos (testemunhos, mensagens, comportamento), pode sustentar a condenação — conforme precedentes do STJ e STF.
Fundamentação jurídica
- Código Penal: arts. 213 a 217-A (crimes contra a dignidade sexual).
- Lei nº 8.072/1990: classificação como crime hediondo.
- Lei nº 13.718/2018: introduz estupro coletivo e corretivo.
- Lei nº 12.845/2013: atendimento obrigatório e integral às vítimas de violência sexual.
- Lei nº 13.431/2017: depoimento especial de crianças e adolescentes.
Considerações finais
O combate ao estupro exige não apenas rigor penal, mas também prevenção, educação e acolhimento das vítimas.
O Estado e a sociedade têm o dever de assegurar suporte físico, psicológico e jurídico, garantindo que a dignidade e o silêncio forçado não sejam perpetuados.
Essas informações têm caráter educativo e não substituem a orientação de um advogado ou profissional jurídico especializado.

