Bigamia: Crime, Nulidade e Efeitos Civis — O Que Acontece na Prática
Panorama prático
Bigamia é a situação em que uma pessoa, já casada, contrai novo casamento. No Brasil, ela produz dois conjuntos de efeitos: (a) penais — o fato é crime; e (b) civis — o segundo casamento incorre em nulidade absoluta por impedimento matrimonial. Além disso, podem surgir reflexos em previdência, registro civil, patrimônio e responsabilidade civil.
- Crime de bigamia: “Contrair alguém, sendo casado, novo casamento” — pena de reclusão de 2 a 6 anos. Incorre também quem casa com pessoa sabidamente casada. (CP, art. 235 e §1º). 0
- Impedimento absoluto: pessoa casada não pode casar novamente; o matrimônio é nulo (CC, art. 1.521, VI; art. 1.548). 1
- Casamento putativo: se ao menos um cônjuge estava de boa-fé, preservam-se efeitos civis enquanto durou a relação (art. 1.561). 2
- União estável: obedece aos impedimentos do art. 1.521; exceção: pessoa casada separada de fato ou judicialmente pode constituí-la (art. 1.723, §1º). 3
- Relação paralela (concubinato “impuro”): não se equipara a união estável; efeitos patrimoniais, se houver, costumam ser obrigacionais (p.ex., sociedade de fato, esforço comum). 4
Mapa do tema (gráfico textual)
├─ Penal (CP 235) → reclusão 2–6 anos; também para quem casa sabendo do vínculo
└─ Civil
├─ Impedimento absoluto (CC 1.521 VI) → casamento 2 é NULO (CC 1.548)
├─ Putatividade (CC 1.561) → protege boa-fé e filhos
├─ União estável: veda-se com pessoa casada, salvo separada de fato (CC 1.723 §1º)
└─ Relação paralela: sem status de entidade familiar; possíveis efeitos obrigacionais
Dimensão penal: condutas, sujeito ativo e pena
O art. 235 do Código Penal tipifica a bigamia: “Contrair alguém, sendo casado, novo casamento”. Pena: reclusão, de 2 a 6 anos. O §1º estende a mesma pena a quem, não sendo casado, contrai casamento com pessoa sabidamente casada. A razão de política criminal é proteger a fé pública registral e a organização da família. 5
- Sujeito ativo: quem já é casado; e coautor que sabe do impedimento (CP 235, §1º).
- Consumação: com a celebração do segundo casamento perante autoridade.
- Elementos probatórios: certidões de casamento, habilitação, proclamas, testemunhas.
- Excludentes: erro de proibição inevitável (p.ex., registro indevido de óbito do cônjuge).
- Cartório detecta impedimento (sistema CRC) e comunica o MP/autoridade policial.
- Inquérito reúne certidões e ouve envolvidos.
- Denúncia e instrução probatória.
- Sentença: condenação/absolvição; efeitos secundários (custas, etc.).
Dimensão civil: nulidade do casamento superveniente
Quem já é casado está alcançado por impedimento matrimonial absoluto (art. 1.521, VI), e o casamento celebrado em afronta a impedimento é nulo (art. 1.548). Nulidade absoluta pode ser arguida por qualquer interessado ou pelo Ministério Público, não convalesce pelo tempo e exige sentença para efeitos perante terceiros. 6
A putatividade protege o cônjuge de boa-fé (e sempre os filhos). 7
Casamento putativo: quando há boa-fé
Se o segundo casamento foi contraído por ambos de boa-fé (ou por um deles), aplica-se o casamento putativo (CC, art. 1.561): preservam-se os efeitos civis (pessoais e patrimoniais) até a sentença que reconheça a nulidade; se só um estava de boa-fé, os efeitos civis aproveitam apenas a ele e aos filhos; se ambos estavam de má-fé, apenas aos filhos. 8
│ │ │
└── Efeitos civis preservados se houver boa-fé (até a sentença) ───────┘
União estável, separação de fato e relações paralelas
A união estável segue os impedimentos do art. 1.521: em regra, não se constitui com pessoa casada; exceção: se a pessoa casada estiver separada de fato ou judicialmente, admite-se união estável com terceiro (art. 1.723, §1º). 9
Relações paralelas sem separação de fato são tratadas como concubinato “impuro”, em regra sem status de entidade familiar; o STJ tem decidido que não se confunde com união estável, podendo gerar apenas efeitos obrigacionais para evitar enriquecimento sem causa (p.ex., sociedade de fato com partilha proporcional ao esforço comum, ou indenização). 10
Reflexos práticos: registro civil, previdência e patrimônio
- Registro civil: decretada a nulidade do 2º casamento, o cartório averba a sentença e os cônjuges retornam ao estado civil anterior — preservados os efeitos putativos. 11
- Benefícios previdenciários: a putatividade e a boa-fé podem influenciar a análise administrativa/judicial (dependência econômica, pensão), mas não “convalidam” o vínculo nulo.
- Patrimônio: com putatividade, admitem-se efeitos de meação/partilha de aquestos enquanto durou a relação; sem putatividade, prevalecem soluções obrigacionais (sociedade de fato, ressarcimento). 12
- Responsabilidade civil: dolo — como induzir alguém a casar ocultando casamento anterior — pode gerar indenização por danos morais/materiais.
Procedimentos: como os casos chegam ao Judiciário
- Comunicação/Notícia de crime (cartório ou vítima).
- Inquérito: juntada de certidões e oitiva de partes/testemunhas.
- Denúncia por bigamia (CP 235) contra o cônjuge já casado e, se for o caso, contra quem sabia do impedimento.
- Sentença e eventuais efeitos (regime, substituição, etc.). 13
- Ação de nulidade de casamento (impedimento absoluto).
- Pedidos acessórios: putatividade, guarda, alimentos, partilha de aquestos, alteração de nome.
- Comunicação ao Registro Civil para averbação. 14
Guia rápido
- Bigamia é crime (CP 235) e o segundo casamento é nulo (CC 1.521, VI; 1.548). 15
- Casamento putativo protege boa-fé e sempre os filhos (CC 1.561). 16
- União estável com pessoa casada só é possível se separada de fato/judicialmente (CC 1.723, §1º). 17
- Relação paralela sem separação de fato não vira união estável; pode gerar efeitos apenas obrigacionais (STJ). 18
- Na esfera civil, peça averbação da nulidade e avalie putatividade para partilha/ALIMENTOS.
- Na penal, verifique ciência do impedimento do 3º e eventuais defesas (erro inevitável, etc.).
FAQ — 6 perguntas objetivas
1) O segundo casamento “vale” até a sentença?
Ele é nulo, mas, se houver boa-fé, aplicam-se os efeitos putativos até a sentença (pessoais e patrimoniais) — e sempre para os filhos. 19
2) Quem responde por bigamia: só quem já era casado?
Responde quem já era casado e também quem casa sabendo que o outro era casado (CP 235, §1º). 20
3) É possível reconhecer união estável com pessoa casada?
Em regra, não. Só se admite quando a pessoa casada está separada de fato ou judicialmente, nos termos do art. 1.723, §1º, do CC. 21
4) A “amante” tem direito à meação?
Sem separação de fato, a relação é, via de regra, concubinato impuro e não recebe tutela de união estável; o STJ reconhece, quando cabível, apenas efeitos obrigacionais (sociedade de fato, esforço comum). 22
5) Como fica o nome e os documentos?
Com a nulidade do segundo casamento, o cartório averba a sentença e os cônjuges retornam ao estado civil anterior; o juiz pondera boa-fé/putatividade para tratar de uso de sobrenome. 23
6) E se o cônjuge “sumido” reaparecer?
Se o novo casamento ocorreu sob erro inevitável (p.ex., crendo-se viúvo por declaração oficial), pode afastar a culpabilidade; no civil, discutem-se putatividade e efeitos na partilha/guarda — tudo dependerá das provas.
Conclusão
A bigamia rompe a segurança do sistema registral e das relações familiares: acarreta responsabilidade penal e, na esfera civil, a nulidade do segundo casamento. O ordenamento, contudo, equilibra justiça e proteção pela putatividade, preservando o cônjuge de boa-fé e sempre os filhos. Na prática, o profissional deve verificar: (i) existência do vínculo anterior, (ii) boa-fé dos contraentes, (iii) separação de fato para eventuais uniões estáveis, (iv) medidas de averbação e (v) eventual responsabilidade civil por dano moral/material. Um diagnóstico documental rigoroso é decisivo para uma solução justa e eficaz.
Base técnica (referências legais e institucionais)
- Código Penal, art. 235 (bigamia) — caput e §1º: pena de reclusão de 2 a 6 anos; também para quem casa com pessoa sabidamente casada. 24
- Código Civil, art. 1.521, VI (impedimento: pessoa casada) e art. 1.548 (casamento nulo por impedimento). 25
- Casamento putativo — art. 1.561 do CC: efeitos para cônjuges de boa-fé e para os filhos. 26
- União estável — art. 1.723, §1º do CC: impedimentos e exceção para pessoa casada separada de fato/judicialmente. 27
- TJDFT (material educativo): casamento inválido, nulidade e impedimentos. 28
- STJ (notícia institucional): concubinato adulterino não se equipara à união estável; efeitos patrimoniais exigem prova de esforço comum. 29
- Súmula 380/STF (sociedade de fato entre concubinos, partilha por esforço comum) — linhas gerais. 30
Comunicado importante
Este conteúdo é informativo e não substitui um advogado. Cada caso apresenta particularidades (boa-fé, provas, registros, separação de fato, filhos, previdência). Para agir com segurança, procure orientação jurídica especializada e leve toda a documentação ao profissional.
