Direito médico e da saúde

Direito Médico Descomplicado: Fundamentos, Princípios e Regras Essenciais

Guia completo, prático e didático para entender o que é o Direito Médico, suas bases normativas e os princípios que organizam a relação entre profissionais de saúde, pacientes, hospitais, operadoras e o Estado.

Conceito e escopo do Direito Médico

Direito Médico é o ramo que estuda e disciplina as relações jurídicas decorrentes da assistência à saúde — pública e privada —, abrangendo responsabilidade civil, penal e ética de profissionais e instituições, direitos dos pacientes, proteção de dados em saúde, contratos de prestação de serviços, pesquisa clínica, telemedicina, regulação de planos de saúde e de produtos/serviços sujeitos à vigilância sanitária. É um campo interdisciplinar: dialoga com a bioética, o Direito do Consumidor, o Direito Administrativo, o Direito Civil, a LGPD e o Direito Constitucional.

Na prática, o Direito Médico funciona como um manual de segurança jurídica para consultórios, clínicas, hospitais, laboratórios, operadoras e gestores públicos, organizando deveres de informação, consentimento, sigilo, registro e gestão de riscos, sempre orientado pela dignidade da pessoa humana e pela centralidade do paciente.

Mensagem-chave: o núcleo do Direito Médico é equilibrar autonomia e proteção do paciente com a segurança e a viabilidade técnica da assistência, prevenindo danos e litígios.

Base constitucional e legal

Constituição Federal

A saúde é direito de todos e dever do Estado, assegurado mediante políticas sociais e econômicas. O texto constitucional ampara a dignidade, a intimidade, a vida privada e a inviolabilidade do sigilo, além de organizar o SUS com princípios de universalidade, integralidade e equidade.

Leis e normas infraconstitucionais de referência

  • Código Civil: responsabilidade civil (dano, culpa, nexo), contratos e boa-fé objetiva.
  • Código de Defesa do Consumidor: proteção do usuário de serviços de saúde privados; reforça dever de informação e qualidade.
  • Lei do Ato Médico: delimita atos privativos do médico e práticas multiprofissionais.
  • LGPD: disciplina o tratamento de dados pessoais sensíveis de saúde, segurança da informação, base legal, transparência e direitos do titular.
  • Estatutos protetivos (criança e adolescente, pessoa idosa, pessoa com deficiência): regras específicas de consentimento, prioridade e acessibilidade.
  • Regulação sanitária e de planos de saúde: normas de vigilância sanitária, protocolos de segurança do paciente e regras de cobertura contratual.
  • Código de Ética Médica e resoluções dos conselhos profissionais: deveres éticos, prontuário, sigilo, telemedicina, publicidade médica e relacionamento interprofissional.
Como interpretar: comece pela Constituição, verifique leis gerais (civil/consumidor/LGPD), aplique normas sanitárias e éticas do conselho, e só então detalhe o caso com contratos, protocolos e políticas internas.

Princípios estruturantes do Direito Médico

Dignidade da pessoa humana

É o alicerce. Impõe respeito ao valor intrínseco do paciente: tratamento humano, confidencialidade, privacidade, não discriminação e cuidado centrado na pessoa.

Autonomia

O paciente decide sobre o próprio corpo e tratamento, após informação adequada. A autonomia se expressa no consentimento livre e esclarecido, no direito de recusar procedimentos e nas diretivas antecipadas de vontade (DAV), respeitados limites técnicos e a proteção de vulneráveis.

Beneficência e não maleficência

Dever de agir no melhor interesse do paciente e de evitar danos. Na prática, sustentam a medicina baseada em evidências, a avaliação de riscos e benefícios e a gestão de segurança (checklists, dupla checagem, rastreabilidade).

Justiça

Distribuição equitativa de recursos e acesso, sem discriminações. No SUS, representa universalidade e integralidade; no setor privado, exige transparência contratual e vedação de práticas abusivas.

Confidencialidade, privacidade e transparência

O sigilo médico protege dados de saúde; a transparência garante que o paciente compreenda indicações, alternativas, riscos e custos. A LGPD articula ambos: trata dados com minimização, finalidade e segurança.

Proporcionalidade e precaução

Intervenções devem ser proporcionais ao benefício esperado e precedidas de análise de riscos, sobretudo em inovações tecnológicas, pesquisas, terapias experimentais e uso de IA.

Consentimento livre e esclarecido (TCLE)

É o instrumento que materializa a autonomia. Exige informação compreensível, ambiente sem coação e tempo para deliberar. Deve registrar: diagnóstico provável, objetivo, técnica, benefícios, riscos frequentes e relevantes, alternativas, cuidados pós-procedimento, custos e a possibilidade de revogação a qualquer tempo.

  • Capacidade e representação: em menores ou incapazes, o consentimento é dado por responsável, ouvindo-se o melhor interesse da criança/adolescente e sua opinião conforme maturidade.
  • Urgência/emergência: diante de risco iminente e impossibilidade de manifestação, o profissional atua para salvar a vida ou evitar dano grave, registrando justificativa no prontuário.
  • Diretivas antecipadas: documento do paciente capaz, orientando condutas futuras (limites de suporte, recusa terapêutica, representante).
Checklist do TCLE: linguagem simples; finalidade e alternativas; riscos comuns e graves; cuidados e efeitos; possibilidade de dúvidas; revogação; assinatura do paciente/representante e do profissional; data; duas vias; anexação ao prontuário.

Sigilo profissional e proteção de dados (LGPD)

O sigilo médico é regra. Pode ser relativizado apenas por dever legal (ex.: notificações compulsórias), justa causa (risco concreto a terceiros) ou autorização expressa do paciente. A LGPD classifica dados de saúde como sensíveis e exige:

  • Base legal adequada ao tratamento (assistência em saúde, tutela da saúde, obrigação legal, consentimento etc.).
  • Governança: políticas internas, inventário de dados, gestão de terceiros (operadores), incidentes e planos de resposta.
  • Segurança: controle de acesso, criptografia, backup, logs, rastreabilidade e prontuário eletrônico com integridade.
  • Direitos do titular: acesso, correção, portabilidade e esclarecimentos.

Prontuário: documento técnico e jurídico

O prontuário é do paciente; a guarda é do serviço/profissional. Deve conter anamnese, evoluções, exames, prescrições, procedimentos, consentimentos, alta e comunicações relevantes. O registro claro e cronológico é a melhor prova de diligência e o eixo de segurança assistencial. Em auditorias, forneça cópia observando sigilo e a finalidade.

Responsabilidade civil, penal e ética

Responsabilidade civil

Em regra, a obrigação do médico é de meios: empenho técnico diligente, segundo a lex artis. Há exceções discutidas (p.ex., cirurgias estéticas puramente eletivas, que muitas vezes são analisadas como obrigação de resultado). Hospitais e clínicas podem responder objetivamente por falha na prestação do serviço (estrutura, equipes de apoio, infecção, equipamentos), sobretudo em relações regidas pelo CDC. É essencial mapear o nexo causal, a culpa (negligência, imprudência, imperícia) e a existência de protocolo e registro.

Responsabilidade penal

Incide em hipóteses de lesão corporal e homicídio culposo, omissão de socorro, violação de segredo profissional, falsidade documental, entre outras. A fronteira entre erro honesto e conduta culposa é definida por diligência, previsibilidade e respeito a protocolos.

Responsabilidade ética

Conselhos profissionais apuram infrações éticas (publicidade irregular, abandono de paciente, desrespeito à autonomia, sigilo etc.). Sanções variam de advertência a suspensão do exercício profissional, após devido processo.

Boa prática: consentimento bem feito, prontuário completo, protocolos atualizados e comunicação empática reduzem sensivelmente o risco de demandas cíveis, penais e éticas.

Relação médico-paciente e comunicação clínica

Relações de confiança exigem informação clara, escuta ativa e registro. Para comunicações difíceis (más notícias), utilize abordagem estruturada (p.ex., SPIKES): Setting, Perception, Invitation, Knowledge, Emotions, Strategy. Em fim de vida, respeite paliativismo, limitação de tratamentos fúteis e DAV.

Telemedicina, inovação e IA

A telemedicina é válida se cumprir requisitos: identificação das partes, registro em prontuário, consentimento, segurança da informação, sigilo e rastreabilidade. Deve respeitar competência profissional, territorialidade (inscrição no conselho) e continuidade do cuidado. O uso de IA, wearables e aplicativos demanda avaliação de risco, transparência ao paciente e contratos robustos com fornecedores (papéis de controlador/operador na LGPD).

Direitos dos pacientes em situações específicas

  • Crianças e adolescentes: prioridade absoluta, consentimento pelos responsáveis com respeito ao melhor interesse e participação do menor conforme maturidade.
  • Pessoas idosas e com deficiência: acessibilidade, atendimento preferencial, comunicação adequada e prevenção de negligência/abuso.
  • Saúde reprodutiva e obstetrícia: informação sobre riscos/benefícios, respeito à autonomia e ao plano de parto quando existente; vedação à violência obstétrica.
  • Saúde ocupacional: confidencialidade em atestados, limites de informação ao empregador e vigilância de ambientes de trabalho.
  • Pesquisa clínica: aprovação ética, consentimento específico, monitoramento e indenização por danos.

Contratos, compliance e gestão de risco

  • Contratos de prestação de serviços médicos: objeto, escopo, responsabilidade, assistência 24h quando aplicável, honorários, cobrança, cobertura por planos, LGPD, SLA de prontuário e guarda.
  • Políticas internas: segurança do paciente, incidentes e notificação, controle de infecção, comissão de ética, prontuário eletrônico, gestão documental.
  • Treinamento: consentimento, comunicação de eventos adversos, segurança da informação e privacidade.
  • Auditorias e indicadores: adesão a protocolos, taxa de eventos adversos, tempo de resposta a incidentes de dados.
10 cláusulas úteis em contratos de saúde

  1. Escopo técnico e limites do serviço.
  2. Informação e consentimento (deveres conjuntos).
  3. Sigilo e LGPD (papéis, segurança, incidentes, DPO).
  4. Registros e guarda do prontuário.
  5. Responsabilidades e exclusões compatíveis com a lex artis.
  6. Gestão de riscos e adesão a protocolos oficiais.
  7. Comunicação de eventos adversos e cooperação em perícias.
  8. Remuneração, glosas e mediação com operadoras.
  9. Resolução de conflitos (mediação/arbitragem/foro) e lei aplicável.
  10. Vigência, rescisão e continuidade assistencial.

Quadro comparativo — obrigação de meios x obrigação de resultado

Categoria Meios (regra) Resultado (exceções)
Definição Empenho técnico diligente segundo a lex artis; não garante cura. Promessa de resultado específico (p.ex., certas cirurgias estéticas eletivas), avaliada caso a caso.
Ônus da prova Paciente demonstra dano e nexo; médico prova diligência. Foco no resultado não alcançado e nas excludentes estipuladas.
Gestão de risco Protocolos, consentimento, registro robusto. Escopo contratual preciso e limites claros do que é prometido.

Três exemplos práticos

1) Emergência com paciente inconsciente

Sem possibilidade de consentimento e com risco iminente, a equipe intervém segundo a lex artis e registra minuciosamente decisão, alternativas e desfechos. Após estabilização, atualiza a família, coleta consentimentos pendentes e completa o prontuário.

2) Teleconsulta de seguimento

Médico e paciente se identificam, confirmam localização, CRM e consentimento. A consulta é registrada, receitas são emitidas com requisitos formais e dados trafegam em ambiente seguro. Se sinais exigem exame físico, agenda-se atendimento presencial.

3) Vazamento de dados de prontuário

Acionamento do plano de resposta a incidentes: contenção, investigação, comunicação a autoridades quando aplicável e notificação ao titular com orientações. Revisão de controles de acesso e contratos com terceiros.

Erros que geram litígios: consentimento genérico, falta de registro, comunicação falha após evento adverso, publicidade irregular de resultados, guarda precária do prontuário, contratos silenciosos sobre LGPD e sobre continuidade assistencial.

Conclusão

O Direito Médico organiza o cuidado em torno de princípios claros: dignidade, autonomia, beneficência, não maleficência, justiça, confidencialidade e proporcionalidade. A partir deles nascem boas práticas — consentimento efetivo, prontuário qualificado, proteção de dados, protocolos de segurança e comunic

Guia rápido — Direito Médico (antes da FAQ)

Este guia relâmpago resume o essencial para quem atua em consultórios, clínicas, hospitais, laboratórios e operadoras. O foco é prevenir riscos jurídicos e padronizar rotinas conforme Constituição, Código de Ética Médica, LGPD, legislação sanitária e consumerista.

O que saber em 60 segundos

  • Direito Médico organiza a assistência com base em dignidade, autonomia, beneficência, não maleficência, justiça, sigilo e proporcionalidade.
  • O núcleo operacional está em TCLE bem feito, prontuário completo, protocolos e proteção de dados.
  • Relações privadas tendem a envolver o CDC; serviços e estruturas respondem por falhas de organização, além da atuação individual do médico.

Para quem se aplica

  • Médicos e equipes multiprofissionais (enfermagem, fisioterapia, psicologia etc.).
  • Gestores de hospitais, clínicas, laboratórios, home care e telemedicina.
  • Operadoras e prestadores credenciados; comissões de ética e de prontuário.

Documentos e rotinas essenciais

  • TCLE: objetivos, alternativas, riscos frequentes e relevantes, custos, cuidados e possibilidade de revogação. Linguagem clara, duas vias, assinatura e anexação ao prontuário.
  • Prontuário: anamnese, evolução, exames, prescrições, procedimentos, interconsultas, consentimentos, alta e comunicações relevantes. Registros cronológicos e legíveis.
  • Políticas LGPD: base legal, minimização, controle de acesso, criptografia, logs, plano de resposta a incidentes e contratos com operadores.
  • Protocolos assistenciais: segurança do paciente, medicação, cirurgia segura, queda/lesão por pressão, comunicação de eventos adversos.

Riscos comuns e como evitá-los

  • Consentimento genérico → padronize modelos específicos por procedimento e registre explicações dadas.
  • Prontuário incompleto → use checklists de evolução e rastreabilidade de decisões.
  • Publicidade irregular → siga regras éticas (sem promessa de resultado, sem sensacionalismo).
  • Sigilo fragilizado → política de confidencialidade, perfis de acesso e treinamento periódico.
  • Telemedicina sem trilha → identificação das partes, consentimento específico, registro e encaminhamento presencial quando necessário.

Checklist relâmpago de compliance

  1. Confirme base legal para tratar dados (assistência/tutela da saúde, obrigação legal, consentimento).
  2. Garanta informação adequada ao paciente e colha TCLE específico.
  3. Atualize protocolos e guarde evidências de treinamento das equipes.
  4. Implemente plano de incidentes (clínicos e de dados) com fluxo de comunicação.
  5. Revise contratos (escopo, sigilo, LGPD, auditoria, continuidade assistencial e resolução de conflitos).

Quando acionar jurídico/comissão

  • Eventos adversos graves, erro potencial com dano, conflito sobre diretivas antecipadas ou recusa informada.
  • Notificações compulsórias, requisições judiciais e pedidos de acesso a prontuário.
  • Suspeita de incidente de segurança com dados sensíveis de saúde.
Mensagem-chave: três pilares derrubam litígios e glosas: consentimento real, prontuário robusto e governança de dados. Se isso estiver sólido, ética, técnica e direito caminham juntos.

FAQ — Direito Médico (fundamentos e princípios)

1) O que é Direito Médico e como se diferencia do “direito à saúde”?

Direito Médico é o conjunto de normas que regula as relações geradas pela assistência à saúde (pública e privada): responsabilidade civil, penal e ética, consentimento, prontuário, sigilo, LGPD, contratos e regulação sanitária. Já o direito à saúde é um direito fundamental assegurado pela Constituição (universalidade, integralidade, equidade) e se concretiza por políticas do SUS e regulação do setor privado. Em suma: o primeiro organiza como a assistência deve acontecer; o segundo garante que a saúde seja protegida como direito de todos.

2) Quais são os princípios estruturantes do Direito Médico?

Os eixos são: dignidade da pessoa humana; autonomia (decisão informada do paciente); beneficência e não maleficência (agir no melhor interesse e evitar dano); justiça (acesso e tratamento equitativo); confidencialidade/privacidade (sigilo + LGPD); e proporcionalidade/precaução (intervenções adequadas ao risco/benefício). Esses princípios guiam decisões clínicas, contratos, políticas internas e solução de conflitos.

3) O que não pode faltar no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)?

O TCLE deve conter: finalidade do procedimento; diagnóstico provável; técnica; benefícios; riscos frequentes e relevantes; alternativas (incluindo não realizar); cuidados e efeitos esperados; custos e limitações; possibilidade de retirada do consentimento a qualquer tempo; espaço para dúvidas; data, identificação e assinaturas de paciente/representante e profissional. Em urgência com risco iminente e impossibilidade de manifestação, a equipe pode intervir e registrar a justificativa no prontuário.

4) Quando o sigilo médico pode ser relativizado e como a LGPD se aplica?

O sigilo é regra. Só cede por dever legal (notificações compulsórias), justa causa (risco concreto a terceiros) ou autorização expressa do paciente. A LGPD exige base legal para tratar dados sensíveis de saúde (assistência/tutela da saúde, obrigação legal, consentimento etc.), minimização de dados, controles de acesso, segurança (criptografia, logs) e plano de resposta a incidentes, além de transparência e respeito aos direitos do titular.

5) Quem responde civilmente por um dano: médico, hospital ou operadora?

Em regra, a obrigação do médico é de meios (atua com diligência segundo a lex artis). Hospitais/serviços respondem por falhas estruturais/organizacionais (infecção, equipe de apoio, equipamentos), muitas vezes sob o CDC. Operadoras respondem por condutas contratuais (negativas indevidas, rede, comunicação). A responsabilidade pode ser solidária conforme o caso. Provas essenciais: prontuário, protocolos e consentimentos.

6) Prontuário: de quem é, quem pode acessar e por quanto tempo deve ser guardado?

O prontuário é do paciente e a guarda é do serviço/profissional. Deve conter registros completos e cronológicos de toda a assistência. O paciente (ou representante legal) tem direito de acesso/cópia, preservado o sigilo de terceiros. Prazos de guarda seguem normas sanitárias e de conselhos (longos ou indeterminados para registros estratégicos). No eletrônico, adote integridade, rastreabilidade e backup.

7) Quais são os requisitos mínimos para telemedicina segura e válida?

Exigem-se: identificação médico/paciente; registro completo no prontuário; consentimento específico; ambiente com segurança da informação; respeito à competência profissional e à territorialidade (inscrição no conselho); rastreabilidade de receitas/exames; e encaminhamento presencial quando necessário. As mesmas regras de sigilo/LGPD do presencial se aplicam.

8) O que é permitido na publicidade médica e o que é vedado?

Permitido: informação educativa, identificação profissional (nome, CRM, especialidade reconhecida), horários e contatos. Vedado: promessa de resultado, sensacionalismo, divulgação de antes/depois como garantia, autopromoção desmedida, uso de termos como “o melhor”, exploração de medo, exposição de paciente sem autorização e sem anonimização. Campanhas devem citar fontes e evitar conflito de interesse oculto.

9) Como agir diante de um evento adverso ou suspeita de erro?

Priorize o cuidado ao paciente, registre minuciosamente no prontuário (fatos, horários, condutas), comunique a equipe e notifique conforme protocolo institucional/autoridade. Faça análise de causa, implemente ações corretivas e comunique de forma empática e transparente. Em vazamento de dados, acione o plano de incidentes de segurança (contenção, avaliação de risco, notificações aplicáveis e orientação ao titular).

10) Como aplicar diretivas antecipadas e a recusa informada de tratamento?

As Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV) registram preferências do paciente capaz sobre cuidados futuros (p.ex., limites de suporte). Devem ser acessíveis no prontuário e respeitadas quando o paciente não puder se manifestar. A recusa informada é legítima quando há capacidade e informação adequada; a equipe deve explicar riscos/alternativas, registrar a decisão e ofertar cuidados proporcionais. Em risco iminente sem manifestação possível, vale o dever de proteger a vida, com registro justificativo.

Referências legais e técnicas (Direito Médico)

Esta seção consolida as fontes normativas que dão sustentação ao Direito Médico e indica como aplicá-las no dia a dia de consultórios, clínicas, hospitais, laboratórios, operadoras e serviços de telemedicina. Use como roteiro de compliance, treinamento e auditoria interna.

1) Núcleo constitucional

  • Direito fundamental à saúde e à dignidade da pessoa humana (bases para universalidade, integralidade, equidade e vedação de discriminação).
  • Direitos da personalidade: intimidade, vida privada, honra e imagem — suporte para sigilo médico e proteção de dados.
  • Organização do SUS e repartição de competências entre União, Estados e Municípios.

2) Leis gerais de aplicação direta

  • Código Civil: responsabilidade civil (dano, culpa, nexo), contratos, boa-fé e abuso de direito.
  • Código de Defesa do Consumidor: dever de informação adequada, qualidade e segurança dos serviços de saúde privados; responsabilidade do fornecedor.
  • Lei do Ato Médico: delimita atos privativos e colaboração multiprofissional.
  • LGPD (dados pessoais de saúde como sensíveis): bases legais, transparência, segurança, governança, direitos do titular e resposta a incidentes.
  • Estatutos protetivos: criança e adolescente; pessoa idosa; pessoa com deficiência — regras específicas para consentimento, prioridade e acessibilidade.

3) Regulação sanitária e setorial

  • Vigilância sanitária: normas sobre segurança do paciente, prontuário, controle de infecção, medicamentos, pesquisa clínica e Boas Práticas.
  • Planos de saúde: regras de cobertura, comunicação com beneficiário, rede credenciada, auditorias e negativa de procedimentos.
  • Segurança do paciente: protocolos obrigatórios (cirurgia segura, medicação, quedas, lesão por pressão, identificação, comunicação).

4) Ética profissional e conselhos

  • Código de Ética Médica: deveres, publicidade, relacionamento com paciente e equipe, sigilo, prontuário e documentação.
  • Resoluções e pareceres dos conselhos: telemedicina, diretivas antecipadas, prontuário eletrônico, emissão de receitas e atestados, comissões de ética e auditoria.
Como aplicar na prática: (i) parta da Constituição e dos princípios; (ii) verifique leis gerais (Civil, CDC, LGPD) e sanitárias; (iii) alinhe condutas ao Código de Ética e às resoluções; (iv) traduza tudo em contratos, políticas internas e checklists.

5) Instrumentos indispensáveis

  • TCLE específico por procedimento, linguagem clara, riscos frequentes/relevantes, alternativas, custos e revogabilidade.
  • Prontuário completo, cronológico e íntegro (evoluções, exames, prescrições, interconsultas, consentimentos e alta), com trilha de auditoria no eletrônico.
  • Políticas LGPD: mapa de dados, base legal, controles de acesso, criptografia, gestão de terceiros, plano de resposta a incidentes e canal do titular.
  • Protocolos assistenciais e treinamentos com evidência de adesão (listas de presença, relatórios, indicadores).

6) Mapa de conformidade rápido

Domínio Exigências essenciais Evidências
Consentimento TCLE por procedimento; diretivas antecipadas e recusa informada Formulários assinados, registro em prontuário, versões atualizadas
Prontuário Registro completo, guarda, acesso do titular, trilha de auditoria Política de prontuário, logs, comprovantes de entrega de cópia
LGPD Base legal, minimização, segurança, contratos com operadores Relatórios de impacto, inventário de dados, testes de segurança
Segurança do paciente Protocolos mandatórios e notificação de eventos adversos Indicadores, atas de comissões, planos de ação
Publicidade Informativa, sem promessa de resultado, sem sensacionalismo Guia de comunicação, aprovação interna de peças
Fontes recomendadas para consulta

  • Constituição Federal (saúde como direito social; dignidade; sigilo e privacidade).
  • Código Civil e CDC (responsabilidade e consumo em saúde privada).
  • LGPD (dados sensíveis de saúde, bases legais, segurança e direitos do titular).
  • Estatutos da criança e adolescente, do idoso e da pessoa com deficiência.
  • Código de Ética Médica e resoluções/pareceres dos conselhos sobre prontuário, publicidade, telemedicina e DAV.
  • Normas de vigilância sanitária e diretrizes de segurança do paciente.
  • Regulação de planos de saúde (cobertura, rede, prazos e comunicação com beneficiários).

Encerramento prático

O Direito Médico é a ponte entre ética, técnica e segurança jurídica. Para operar com previsibilidade, estruture três pilares: (1) informação e decisão — TCLE e comunicação clara; (2) rastreabilidade — prontuário íntegro, protocolos e indicadores; (3) proteção de dados — LGPD aplicada do cadastral ao pós-alta. Quando esses pilares estão ativos, reduzem-se litígios e glosas, aumenta-se a confiança do paciente e a assistência torna-se mais humana, segura e conforme.

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