Sucessão de Estados e Tratados Internacionais: Continuidade, Tábula Rasa e Estabilidade Global
Panorama geral: o que é sucessão de Estados e por que ela importa para os tratados
Sucessão de Estados é a substituição de um Estado por outro na responsabilidade pelas relações internacionais de um território. O tema ultrapassa a teoria: afeta a continuidade de direitos e deveres, a validade de tratados, a titularidade de bens, arquivos e dívidas, a participação em organizações internacionais e a proteção de direitos humanos e investimentos. Em linguagem simples: quando muda o sujeito que governa um território — por descolonização, dissolução, secessão, unificação ou cessão — o Direito Internacional precisa dizer o que fica, o que sai e quem responde pelo quê.
No plano normativo, dois instrumentos estruturam o debate: a Convenção de Viena sobre Sucessão de Estados em matéria de Tratados (1978) e a Convenção de Viena sobre Sucessão de Estados em relação a Bens, Arquivos e Dívidas de Estado (1983). Embora possuam adesão limitada, influenciam fortemente a prática contemporânea, combinando-se com costumes, princípios gerais e práticas depositárias (sobretudo do Secretário-Geral da ONU). Na prática, a resposta varia conforme o tipo de sucessão e a natureza do tratado.
Quadro informativo — Três chaves para ler a sucessão e os tratados
- Tipo de mudança estatal: descolonização, dissolução, secessão, unificação ou cessão territorial.
- Categoria do tratado: fronteiras e regimes territoriais; direitos humanos e humanitário; comércio/investimento; políticos-militares; tratados constitutivos de organizações.
- Rótulo jurídico aplicado: continuidade (um Estado afirma ser o mesmo sujeito internacional) ou sucessão (novo sujeito assume direitos e obrigações do predecessor, com ou sem “limpeza de quadro”).
Tipologias de sucessão e seus efeitos padrão
1) Descolonização
Em processos de independência de territórios coloniais, consolidou-se a regra da “tabula rasa” (clean slate): o novo Estado não herda automaticamente os tratados do poder colonial, mas pode aderir a instrumentos multilaterais de interesse e celebrar novos acordos. Exceção central: tratados de fronteira e regimes territoriais — por razões de estabilidade (uti possidetis juris) — tendem a permanecer intocados.
2) Dissolução de Estado composto
Quando um Estado se fragmenta em vários (ex.: dissoluções europeias do fim do século XX), cada novo Estado costuma ser visto como sucessor, não “continuador”, salvo se um deles demonstrar continuidade jurídica (povo, território essencial, instituições e reconhecimento amplo). Os sucessores em regra notificam sucessão em certos tratados multilaterais e renegociam ou revalidam tratados bilaterais.
3) Secessão
Uma parte do território separa-se do Estado-mãe. Não há regra universal, mas a prática aponta para sucessão seletiva: o novo Estado pode suceder em tratados locais (fronteiras, águas, servidões), enquanto instrumentos políticos e militares em geral não se transmitem automaticamente sem consentimento das demais partes.
4) Unificação ou fusão
Quando dois ou mais Estados se unem para criar um novo, este pode assumir os tratados anteriores se compatíveis com sua nova realidade e com o consentimento das partes. Alternativamente, pode reafirmar a continuidade de um dos ordenamentos (menos comum).
5) Cessão de território
Se apenas uma parte do território é transferida, aplica-se o princípio da “movimentação das fronteiras do tratado” (moving treaty frontiers): salvo estipulação em contrário, os tratados do Estado sucessor passam a valer no território adquirido, enquanto os do cedente deixam de se aplicar ali.
Quadro informativo — Continuidade x Sucessão
- Continuidade: afirmação de que o Estado é o mesmo sujeito (mantém tratados, assentos e patrimônio).
- Sucessão: novo sujeito assume a posição do predecessor no território em questão (podendo aceitar, denunciar ou renegociar tratados).
Tratados: categorias e respostas jurídicas usuais
Tratados de limites e regimes territoriais
Constituem a categoria mais estável. Por razões de ordem pública internacional, a regra é de permanência (stability of boundaries). Mudanças estatais não abrem, por si sós, disputa sobre linhas de fronteira, servidões internacionais, direitos de navegação ou desmilitarização reconhecida. A doutrina descreve esses instrumentos como “objetivos” (vinculam erga omnes partes no sentido do tratado) ou “localizados” (apegados ao território).
Direitos humanos e Direito Internacional Humanitário
A tendência é de continuidade. Mesmo Estados recém-independentes têm sido encorajados (e muitas vezes pressupostos) a confirmar a aplicação de tratados de direitos humanos e de proteção humanitária, seja por notificação de sucessão, seja por adesão acelerada. Cortes e comitês de tratados valorizam a proteção ininterrupta de indivíduos.
Tratados de comércio, investimento e econômicos
Não existe automática universal. Acordos multilaterais (p.ex., regimes de comércio) geralmente exigem ato formal de sucessão/admissão. Tratados bilaterais de investimento (TBIs) foram extensivamente litigados após dissoluções e secessões: muitos tribunais arbitrais admitiram sucessão quando a vontade das partes e a prática posterior apontavam para continuidade de benefícios a investidores.
Tratados políticos e militares
Defesas coletivas, alianças e acordos de status of forces demandam consentimento expresso das partes para continuidade. Em mudanças radicais, a regra prática é a de renegociação ou adesão como novo membro.
Tratados constitutivos de organizações internacionais
Regem-se pelos atos constitutivos. A sucessão não implica ingresso automático. Organizações avaliam pedidos de admissão, notificações de sucessão ou reconhecimento de continuidade caso a caso, segundo seus próprios procedimentos (recomendações, maiorias qualificadas, pareceres jurídicos internos).
Prática depositária e procedimentos formais
Instrumentos de sucessão e notificações
O depositário (frequentemente o Secretário-Geral da ONU) recebe instrumentos de sucessão, adesão ou ratificação. Costuma exigir prova clara da posição do novo Estado (nota oficial, ato constitucional) e, quando pertinente, data de efetividade no território. Não há prazo universal para notificar, mas atrasos prolongados geram incertezas e podem levar o depositário a consultar as partes.
Cláusulas territoriais e reservas
Estados recém-surgidos frequentemente fazem declarações territoriais para indicar como se aplicam tratados em regiões autônomas ou arquipélagos. Reservas pré-existentes do predecessor não se transmitem automaticamente; o sucessor pode confirmá-las ou substituí-las, observada a compatibilidade do tratado.
Passo a passo — Como um sucessor consolida sua posição em tratados multilaterais
- Declarar tipo de sucessão e a data de aquisição de responsabilidade internacional pelo território.
- Inventariar tratados relevantes com auxílio de bases depositárias e arquivos do predecessor.
- Enviar instrumentos de sucessão/adesão ao depositário, com eventuais declarações territoriais e reservas.
- Publicar lista consolidada no diário oficial e orientar órgãos internos quanto à aplicabilidade imediata.
- Negociar entendimentos de transição para áreas sensíveis (comércio, segurança, dívidas, arbitragem).
Casos paradigmáticos e lições práticas
Dissoluções europeias do fim do século XX
Cenários de dissolução geraram três padrões: (i) um Estado assume continuidade (ex.: manutenção de assento em organização, inclusive com responsabilidades prévias) e os demais são sucessores plenos; (ii) todos são considerados novos, exigindo ampla notificação; (iii) reconhece-se continuidade em certos regimes específicos (como armas, fronteiras) e sucessão em outros (comércio, dívida). Em todos, tratados de fronteira permaneceram estáveis e direitos humanos receberam prioridade de continuidade.
Unificações e absorções
Na unificação, a solução jurídica foi reafirmar que o novo Estado permanece vinculado a obrigações centrais do sistema universal (Carta da ONU, direitos humanos) e, quanto a regimes setoriais, depositar notas de confirmação e instrumentos de adesão quando exigidos. A prudência política ditou períodos de transição para acordos econômicos complexos.
Cessões e “mudança de bandeira” territorial
Em cessões, prevaleceu o moving treaty frontiers: os tratados do Estado recebedor passaram a valer no território a partir da data acordada; a população foi informada por legislação interna e acordos administrativos. A continuidade de contratos públicos, licenças e concessões foi tratada em acordos bilaterais de transição para evitar lacunas regulatórias.
Gráficos didáticos
Direito interno, contratos e contencioso
Transformação e recepção
Estados sucessores precisam ajustar o direito interno para refletir a nova situação: regras sobre hierarquia dos tratados, sistema de transformação/incorporação e publicação oficial. Muitas jurisdições adotam leis-quadro para confirmar a vigência de tratados multilaterais e estabelecer procedimentos simplificados de adesão.
Contratos e concessões
Contratos administrativos, licenças e concessões exigem salvaguardas. A solução recorrente são acordos de transição que preservam direitos adquiridos, sem impedir futura re-regulação. Em setores de energia, mineração e telecomunicações, recomenda-se prever cláusulas de estabilização e arbitragem que considerem cenários de sucessão.
Arbitragem de investimento e sucessão de TBIs
Decisões arbitrais indicam que sucessão de TBIs pode ser reconhecida quando existe prática concordante (pagamento de benefícios, invocação do tratado por ambos os lados) ou quando a linguagem do TBI se refere a “Estados sucessores”. Mesmo assim, tribunais avaliam intenção das partes e contexto histórico. Para reduzir litígios, muitos sucessores adotam a estratégia de confirmar por nota a continuidade dos TBIs e renegociar prazos e padrões de proteção.
Boas práticas de governança da sucessão
- Inventário rápido de tratados aplicáveis, com matriz de risco e priorização por impacto social e econômico.
- Comitê interministerial com chanceleria, justiça, fazenda, defesa, comércio e reguladores setoriais.
- Diálogo com depositários para padronizar instrumentos de sucessão e evitar contradições.
- Transparência pública (publicação de listas, guias para empresas e ONGs, hotlines).
- Planos de transição para fronteiras, aduanas, migração, saúde e infraestrutura crítica.
- Proteção de dados e arquivos (cadeia de custódia, digitalização e acordos de acesso).
Checklist — primeiros 180 dias
- Emitir declaração sobre a natureza da sucessão e o compromisso com tratados de DH/DIH.
- Protocolar notificações prioritárias (fronteiras, marítimo, aviação civil, saúde internacional).
- Negociar acordo-quadro com vizinhos e parceiros comerciais para continuidade operacional.
- Definir política de dívida e calendário de negociação com credores multilaterais e privados.
- Lançar portal de tratados com status atualizado e orientações de compliance.
Conclusão
A sucessão de Estados é um mecanismo jurídico de continuidade e estabilidade frente a mudanças políticas profundas. Em matéria de tratados, a experiência internacional aponta três linhas de força: (i) permanência de regimes territoriais e de fronteiras; (ii) proteção ininterrupta em direitos humanos e humanitário; (iii) gestão pragmática de acordos econômicos, investimentos e alianças, com notificações formais, renegociação e adesões rápidas quando necessário. Instrumentos de Viena fornecem a gramática jurídica; a prática depositária e a cooperação interestatal dão a voz
Guia rápido: sucessão de Estados e tratados internacionais
A sucessão de Estados é um fenômeno pelo qual um Estado substitui outro na responsabilidade pelas relações internacionais de determinado território. Essa substituição pode ocorrer por independência, secessão, dissolução, fusão ou cessão territorial. Em cada cenário, surgem dúvidas cruciais: os tratados internacionais continuam válidos? O novo Estado é obrigado a cumprir os acordos firmados pelo anterior? Como ficam as dívidas públicas, os bens do Estado predecessor e a participação em organizações internacionais?
1. Marco jurídico fundamental
O tema é disciplinado principalmente por dois tratados multilaterais: a Convenção de Viena sobre Sucessão de Estados em Matéria de Tratados (1978) e a Convenção de Viena sobre Sucessão de Estados em Relação a Bens, Arquivos e Dívidas de Estado (1983). Embora nem todos os países sejam partes, essas convenções refletem boa parte do costume internacional e orientam a prática dos Estados e das organizações internacionais, especialmente a ONU.
- Estado predecessor: aquele que perde o controle do território;
- Estado sucessor: o novo Estado que assume a soberania;
- Data da sucessão: momento exato em que o poder internacional muda;
- Território afetado: a área geográfica onde se aplicam as mudanças.
2. Tipos de sucessão e consequências
- Descolonização: o novo Estado nasce independente e, pela regra da “tábula rasa”, não é obrigado a manter tratados coloniais, exceto os de fronteira.
- Dissolução: quando um Estado se divide em vários (como ocorreu com a antiga Iugoslávia), cada novo país decide a quais tratados pretende aderir, notificando a sucessão ao depositário.
- Secessão: ocorre quando parte do território se separa. O novo Estado pode escolher quais tratados regionais ou bilaterais manter, mas não herda automaticamente todos.
- Unificação: quando dois Estados se fundem, como na unificação alemã, o novo ente geralmente mantém os tratados considerados essenciais.
- Cessão de território: os tratados do Estado que adquire o território passam a valer na região cedida.
3. Efeitos sobre os tratados internacionais
A regra geral é de continuidade seletiva. Tratados de fronteiras, direitos humanos e direito humanitário costumam permanecer válidos, enquanto acordos militares ou econômicos podem precisar de renegociação. O princípio da estabilidade das fronteiras (uti possidetis juris) garante que os limites estabelecidos anteriormente não sejam questionados em razão da sucessão.
- Tratados territoriais → Alta continuidade (permanecem obrigatórios).
- Tratados de direitos humanos → Fortemente encorajados à continuidade.
- Tratados econômicos → Sujeitos a confirmação e renegociação.
- Tratados políticos/militares → Exigem consentimento das partes.
4. Passos administrativos após a sucessão
O novo Estado deve adotar providências formais para assegurar a transparência jurídica internacional:
- Emitir declaração oficial informando o tipo de sucessão;
- Apresentar notificação de sucessão ou adesão aos tratados multilaterais ao depositário (ONU, OEA etc.);
- Revisar os tratados bilaterais e definir quais serão mantidos;
- Negociar a partilha de bens, dívidas e arquivos do Estado predecessor;
- Garantir a continuidade das obrigações de direitos humanos e humanitárias.
5. Desafios contemporâneos
Os casos recentes de independência e dissoluções mostram que, mais do que uma questão legal, a sucessão envolve diplomacia, estabilidade econômica e direitos humanos. O reconhecimento internacional e a clareza jurídica são vitais para evitar disputas, congelamento de bens, ou controvérsias arbitrais em investimentos estrangeiros. Assim, o manejo jurídico da sucessão deve ser planejado, transparente e cooperativo.
Mensagem-chave: a sucessão de Estados não é um “reinício” das obrigações internacionais, mas uma transição controlada que preserva a segurança jurídica, a paz e o respeito aos compromissos assumidos perante a comunidade internacional.
FAQ — Sucessão de Estados e tratados internacionais (acordeão)
1) O que é sucessão de Estados?
É a substituição de um Estado por outro na responsabilidade pelas relações internacionais de um território. Acontece por descolonização, dissolução, secessão, fusão/unificação ou cessão territorial, e afeta tratados, dívidas, bens e participação em organizações.
2) Sucessão cria um “novo” Estado ou pode haver continuidade?
Depende do caso. Em continuidade, um ente afirma ser o mesmo sujeito internacional (mantém assentos e tratados-chave). Em sucessão, surge um novo sujeito que pode suceder seletivamente aos direitos e deveres do predecessor no território afetado.
3) Quais tratados normalmente permanecem após a sucessão?
Há forte tendência de permanência para tratados de fronteiras e regimes territoriais (estabilidade/uti possidetis) e de continuidade para direitos humanos e direito internacional humanitário. Acordos econômicos e militares costumam exigir confirmação ou renegociação.
4) O que significa a regra da “tábula rasa” na descolonização?
É o princípio pelo qual um Estado recém-independente não herda automaticamente os tratados do poder colonial (salvo os territoriais). Ele pode aderir a tratados multilaterais de interesse por notificação/adesão própria.
5) Como ficam os tratados bilaterais de investimento (TBIs)?
Não há regra automática universal. Muitos casos demonstram sucessão por prática concordante (partes seguem aplicando o TBI) ou por declaração explícita do sucessor. Para segurança jurídica, recomenda-se confirmar por nota ou renegociar os TBIs relevantes.
6) Qual é o papel do depositário (ex.: Secretário-Geral da ONU)?
Receber e circular instrumentos de sucessão, adesões e declarações territoriais; registrar datas de efetividade; consultar partes em caso de dúvida. O depositário não “decide” politicamente, mas opera a parte procedimental dos tratados.
7) Reservas e declarações do predecessor passam ao sucessor?
Em regra, não automaticamente. O sucessor pode confirmar, alterar ou retirar reservas, respeitando as regras do tratado e a admissibilidade de reservas.
8) O que é a doutrina “moving treaty frontiers”?
Em cessões territoriais, considera-se que os tratados do Estado recebedor passam a valer no território transferido a partir da data acordada, enquanto os do cedente deixam de se aplicar naquele espaço, salvo estipulação em contrário.
9) Como a sucessão impacta organizações internacionais (ex.: ONU, OMC)?
Cada organização segue seu ato constitutivo. Sucessão não implica ingresso automático: pode exigir pedido de admissão, notificação de sucessão ou reconhecimento de continuidade, conforme as regras internas e decisões dos membros.
10) Quais passos imediatos um Estado sucessor deve adotar?
(i) Declarar o tipo e a data da sucessão; (ii) Inventariar tratados e priorizar os sensíveis (fronteiras, DH, comércio); (iii) Notificar sucessão/adesão ao depositário; (iv) Tratar de bens, arquivos e dívidas por acordos; (v) Publicar lista consolidada e ajustar o direito interno para aplicação contínua.
Base Técnica — Fundamentos legais, doutrinários e encerramento
A sucessão de Estados e de tratados internacionais é um dos temas mais complexos e sensíveis do Direito Internacional Público, pois conecta mudanças políticas profundas à necessidade de preservar a estabilidade jurídica e a continuidade das relações internacionais. O tratamento jurídico dessa matéria combina normas convencionais, práticas consuetudinárias e princípios gerais reconhecidos pela comunidade internacional.
1. Fontes legais principais
- Convenção de Viena sobre Sucessão de Estados em Matéria de Tratados (1978): principal instrumento jurídico, define os efeitos da sucessão sobre a validade, continuidade ou extinção dos tratados. Estabelece o princípio da tábula rasa para novos Estados e a continuidade para fusões e divisões.
- Convenção de Viena sobre Sucessão de Estados em Relação a Bens, Arquivos e Dívidas de Estado (1983): trata da transferência de patrimônio, documentos e obrigações financeiras entre o Estado predecessor e o sucessor.
- Carta das Nações Unidas (1945): impõe limites ao reconhecimento e sucessão, especialmente no tocante à proibição do uso da força e à preservação da igualdade soberana dos Estados.
- Resolução 2625 (XXV) da Assembleia Geral da ONU: determina que nenhuma aquisição territorial resultante da força deve ser reconhecida, reforçando o dever de não reconhecimento.
- Jurisprudência da Corte Internacional de Justiça (CIJ): casos como Namíbia (1971), Kosovo (2010) e Camarões v. Nigéria (2002) consolidaram a aplicação do princípio da continuidade e da estabilidade das fronteiras.
Resumo jurídico: a sucessão de Estados é regida por normas de direito costumeiro e por convenções específicas, com foco em garantir segurança jurídica e equilíbrio internacional. O objetivo não é redefinir obrigações, mas ajustá-las à nova realidade territorial e política.
2. Doutrina e fundamentos teóricos
- Oppenheim: concebia o reconhecimento e a sucessão como elementos constitutivos da personalidade internacional, visto que o Estado só se integra efetivamente à comunidade quando reconhecido e sucedido juridicamente.
- Ian Brownlie: defendia a visão declaratória, segundo a qual o novo Estado já possui personalidade se atender aos elementos de estatalidade, cabendo ao reconhecimento e à sucessão apenas formalizá-la no plano jurídico.
- Malcolm Shaw: propõe um modelo híbrido, em que a sucessão tem efeitos jurídicos, mas depende de critérios de efetividade, legalidade e consentimento das partes afetadas.
- Kelsen: via o processo sucessório como aplicação da norma fundamental do direito internacional, pela qual se estende a validade da ordem jurídica ao novo sujeito de direito.
3. Jurisprudência e prática internacional
A CIJ e a Comissão de Direito Internacional (CDI) tiveram papel essencial na definição da sucessão. Entre os precedentes mais relevantes:
- Caso Namíbia (1971): fixou o dever de não reconhecimento de situações resultantes de ocupação ilegal e a responsabilidade internacional de Estados que violarem essa regra.
- Caso Camarões vs. Nigéria (2002): reafirmou o princípio da estabilidade das fronteiras pós-coloniais (uti possidetis juris).
- Opinião Consultiva sobre Kosovo (2010): reconheceu que a declaração de independência não viola o direito internacional, mas que a sucessão de tratados depende da manifestação de vontade do novo Estado e dos demais envolvidos.
Nota doutrinária: a prática contemporânea busca compatibilizar a autodeterminação dos povos com a estabilidade das fronteiras. Isso explica por que o direito internacional não impõe fórmulas automáticas, mas exige negociação e notificação formal para cada caso de sucessão.
4. Princípios e diretrizes aplicáveis
- Continuidade jurídica: certos tratados (fronteiras, DH e DIH) mantêm-se vigentes automaticamente para preservar a ordem pública internacional.
- Tábula rasa: novos Estados, principalmente em contextos coloniais, podem optar por não herdar tratados anteriores.
- Efetividade: a sucessão deve refletir a realidade de controle político e administrativo do território.
- Boa-fé e cooperação: Estados envolvidos devem negociar de forma pacífica e transparente a transição de obrigações.
- Proteção de direitos adquiridos: indivíduos e empresas não devem ser prejudicados pela mudança de soberania.
5. Encerramento técnico
A sucessão de Estados e seus efeitos sobre tratados demonstram como o Direito Internacional equilibra mudança e continuidade. Ao garantir que as transições políticas ocorram com segurança jurídica, o sistema evita o colapso normativo e protege a paz entre as nações. A função essencial dessas normas é impedir que o nascimento ou desaparecimento de um Estado resulte em vazio legal, assegurando a responsabilidade internacional e a manutenção dos compromissos coletivos.
Em síntese, o Direito Internacional moderno entende a sucessão como mecanismo de adaptação, não de ruptura. É uma ponte jurídica que conecta o passado ao futuro dos Estados, preservando direitos, limites e obrigações em nome da estabilidade global.

