Direito imobiliário

Direito de Preferência do Inquilino: Como Garantir a Compra do Imóvel Antes de Terceiros

Panorama prático do direito de preferência do inquilino

O direito de preferência assegura ao locatário a oportunidade de adquirir o imóvel locado em igualdade de condições com terceiros quando o proprietário decide vender. Previsto na Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/1991), especialmente nos arts. 27 a 34, o instituto pretende equilibrar a posição do inquilino — que já ocupa, conhece e muitas vezes investiu no bem — com o interesse do proprietário de alienar. Na prática, a preferência é exercida mediante notificação escrita do locador, contendo o preço e todas as condições da venda, e um prazo legal de 30 dias para o inquilino manifestar a intenção de comprar. Se o imóvel for negociado com terceiro sem observância da preferência, o locatário pode buscar a adjudicação (sub-rogação na compra) por meio da “ação de preferência”, dentro do prazo decadencial de 6 meses contado do registro da transmissão no cartório de imóveis.

Mensagem-chave: a preferência não obriga o locador a vender, mas, se decidir vender, deve oferecer ao inquilino nas mesmas condições ofertadas ao mercado. Descumprida a regra, o locatário pode tomar o lugar do comprador (adjudicar) se agir rapidamente e depositar o preço.

Quem tem direito e em quais contratos

O direito de preferência alcança locações residenciais e não residenciais (comerciais), enquanto houver contrato válido, ainda que por prazo indeterminado. O locatário precisa estar em dia com suas obrigações (aluguel, encargos, multas) quando do exercício da preferência. Em contratos comerciais, a preferência perfaz papel estratégico: manter o ponto e proteger fundo de comércio. O instituto é autônomo em relação à cláusula de vigência e ao registro do contrato; estes servem para tornar a locação oponível ao comprador, mas a preferência existe independentemente de registro — embora seja sempre recomendável o registro para reforçar a segurança jurídica das posições de inquilino e fiador.

Exceções em que a preferência não se aplica

  • Venda judicial (arrematação em leilão);
  • Doação, permuta sem torna, dação em pagamento em certas hipóteses, integralização de capital em sociedade, cisão/fusão/incorporação que impliquem transferência do bem;
  • Alienação fiduciária ou execução de garantia real sobre o imóvel;
  • Venda em conjunto de unidades indivisíveis por razão econômica (ex.: venda de edifício inteiro para incorporação), nos termos e limites da lei.

Essas exceções decorrem da própria Lei nº 8.245/1991 e de interpretações consolidadas em tribunais, considerando que a preferência visa à compra voluntária do imóvel pelo locador, e não a atos de disposição forçada ou complexos empresariais.

O que deve constar da notificação de preferência

Para ser válida, a notificação escrita do locador (ou de seu mandatário com poderes para vender) precisa trazer todas as condições essenciais da compra, de modo claro e completo, permitindo ao inquilino decidir com segurança:

  • Preço total de venda e forma de pagamento (à vista, financiamento, parcelamento, sinal, prazo, juros);
  • Vencimentos e eventuais correções das parcelas;
  • Comissão de intermediação (se houver) e quem a paga;
  • Encargos e tributos que incidirão até a escritura/registro;
  • Estado do imóvel (ocupação, onerações, hipotecas, penhoras, locações adicionais);
  • Prazo legal de resposta (30 dias) e destinatário para manifestação;
  • Eventuais condições precedent es (ex.: aprovação de financiamento, quitação de débitos condominiais).
Alerta: omissões relevantes (como esconder financiamento obrigatório ou hipoteca) podem inviabilizar o exercício consciente da preferência e, se a venda prosseguir, abrir espaço para ação de preferência do locatário.

Como o inquilino exerce a preferência

Manifestação no prazo legal

Recebida a notificação, o inquilino tem 30 dias para aceitar integralmente as condições da venda. A manifestação deve ser escrita e inequívoca, preferencialmente por meio que gere prova de recebimento (cartório, e-mail certificado, plataforma eletrônica com aceite, ou notificação extrajudicial).

  • Se o inquilino aceita, as partes marcam a escritura ou o instrumento particular com força de escritura, conforme a forma de pagamento; se há financiamento, encaminha-se a aprovação.
  • Se o inquilino silencia ou recusa, o locador fica livre para vender a terceiros — mas nas mesmas condições comunicadas (preço e forma). Mudança significativa exige nova notificação.

Depósito do preço e ação de preferência

Se o locador vende a terceiro sem notificar o inquilino ou por condições melhores que as notificadas, o inquilino pode, no prazo de 6 meses contados do registro do título translativo na matrícula, ajuizar a ação de preferência para ser sub-rogado na posição do comprador (adjudicação). Requisitos usuais:

  • Comprovar a locação ativa à época da venda (contrato, recibos, certidões);
  • Provar o descumprimento (ausência de notificação válida ou venda por preço/condições mais favoráveis a terceiro);
  • Depositar o preço pago pelo terceiro (ou provar capacidade de pagamento) e as despesas do comprador, nos termos do art. 33 da Lei do Inquilinato; o depósito pode ser integral ou mediante caução judicial conforme orientação do juízo;
  • Respeitar o prazo decadencial (6 meses do registro), sob pena de perda do direito de adjudicar.
Boa prática do inquilino: ao suspeitar da venda sem notificação, solicite certidão de matrícula do imóvel para verificar se houve registro de compromisso/ escritura. Isso dá o marco inicial do prazo de 6 meses para eventual ação.

Relação entre preferência, cláusula de vigência e registro do contrato

Embora temas distintos, eles costumam caminhar juntos nos negócios bem estruturados:

  • Cláusula de vigência (art. 8º, par. único, Lei do Inquilinato): permite que a locação continue contra o comprador quando houver alienação do imóvel, desde que a cláusula esteja expressa no contrato e este averbado na matrícula antes da venda. Sem isso, o comprador pode denunciar a locação para uso próprio nos prazos legais.
  • Registro/averbação do contrato: aumenta transparência ao mercado e inibe a venda sem ciência do inquilino. Para a preferência, o registro não é condição de existência, mas melhora a prova e a oponibilidade.
  • Preferência: mesmo sem registro, subsiste; porém, o inquilino desatento pode perder o prazo da ação se não controlar a matrícula.

Estratégias do locador para cumprir a lei e reduzir litígios

  • Redigir notificação completa com todas as condições e prova de entrega (AR, cartório, meio eletrônico validado).
  • Fixar prazo de resposta de 30 dias corridos, apontando canal para aceite e orientações para assinatura/financiamento.
  • Reiterar a comunicação por meios alternativos, sem abrir mão do formal (boa-fé e redução de risco).
  • Se a venda a terceiro tiver mudança relevante (preço menor, parcelamento mais suave), renovar a notificação ao inquilino.
  • Manter documentação do imóvel regular (certidões, ônus, IPTU, condomínio) para não imputar ao inquilino riscos que desvirtuem a equivalência de condições.
Checklist do locador (compliance de preferência)

  1. Contrato de locação e addendos localizados e assinados.
  2. Redação da notificação com preço, forma de pagamento, prazo e demais condições.
  3. Prova de envio/recebimento ao inquilino e, quando houver, ao fiador.
  4. Controle de prazo de 30 dias para resposta; calendário de follow-up.
  5. Arquivamento de evidências para eventual due diligence do comprador.

Aspectos comerciais: financiamento, sinal e comissão

Oferta com financiamento bancário é frequente. Na preferência, o inquilino tem direito de adquirir com o mesmo financiamento que seria dado ao terceiro, quando a oferta estiver vinculada a instituição específica e condições padronizadas (taxa, prazos, exigências). Se o terceiro obteve condição mais vantajosa (redução de taxa, alongamento de prazo) e isso foi decisivo para a compra, a alteração substancial pode exigir reapresentação da proposta ao inquilino.

  • Sinal/arras: se a venda a terceiro previu arras, a preferência impõe que o inquilino iguale esse adiantamento (ou dê garantia equivalente) no aceite.
  • Comissão de corretagem: se prevista para o terceiro comprador, deve estar explícita na notificação; a assimetria de informação pode invalidar a comparabilidade.

Indenizações e perdas e danos

Se a adjudicação não for possível (ex.: o prazo decadencial de 6 meses expirou), o locatário prejudicado pela violação da preferência ainda pode buscar perdas e danos, demonstrando culpa do alienante e o prejuízo concreto (ex.: perda do ponto, despesas de mudança, investimentos não amortizados). A jurisprudência é sensível quando há má-fé do locador (simulação para contornar a preferência).

Linhas do tempo usuais (ilustrativo)

Notificação + 30 dias para resposta

Aceite do inquilino → preparo de escritura

Venda a terceiro sem preferência

Prazo de 6 meses desde o registro para ação

*Alturas meramente ilustrativas para comparar janelas de tempo; verifique prazos processuais locais.

Casos especiais e dúvidas recorrentes

Condomínio edilício (várias unidades)

Se o locador vende apenas a unidade autônoma que você ocupa, a preferência é sua, nos termos da Lei do Inquilinato. Se a venda envolver o bloco inteiro (edifício) como operação econômica única, pode incidir a exceção legal de venda global, afastando a preferência individual do inquilino de cada unidade, segundo a casuística dos tribunais.

Direito de preferência x preferência do condômino (CC, art. 504)

Em condomínio em comunhão (sem divisão de frações ideais autônomas), o condômino tem preferência legal para aquisição da parte de outro condômino (art. 504 do CC). Essa preferência convive com a do inquilino, e conflitos se resolvem conforme a natureza do negócio e a anterioridade das notificações. Em geral, a preferência do condômino tem hierarquia quando se trata de venda de fração ideal, enquanto a do inquilino prevalece na venda da unidade locada com autonomia registral.

Venda com múltiplas propostas

O locador pode negociar com o mercado, mas, ao firmar uma proposta vinculante com terceiro, deve oferecer ao inquilino nas mesmas bases. Se após a notificação surgirem condições melhores para o terceiro, é prudente renotificar o inquilino com a melhoria — sob pena de controvérsia judicial.

Roteiro de documentos e provas

  • Contrato de locação e aditivos (preferencialmente com cláusula de vigência e fiador identificados).
  • Recibos de pagamento de aluguel/encargos (adimplência).
  • Notificação ao inquilino (conteúdo e prova de recebimento).
  • Propostas, minutas ou contratos firmados com terceiros (comparabilidade).
  • Certidões de matrícula, ônus e ações reais sobre o imóvel (transparência e prazos).
Tip de negociação: muitos litígios se resolvem com direito de preferência condicionado ao cumprimento de etapas (financiamento, vistoria, certidões) em cronograma claro. Prazos e consequências devem ser escritos.

Boas práticas do inquilino

  1. Organize finanças para demonstrar capacidade de pagamento em 30 dias (pré-aprovação de crédito ajuda).
  2. Monitore a matrícula a cada 30–60 dias se houver rumor de venda; assim você não perde o prazo da ação de preferência.
  3. Responda por escrito à notificação; aceite integral (sem condicionantes não previstos) evita dúvida sobre a firmeza da sua intenção.
  4. Guarde mensagens, e-mails e minutas; eles provam a boa-fé e a comparabilidade de condições.

Conclusão

O direito de preferência é um instrumento poderoso de proteção do inquilino e de segurança jurídica na alienação de imóveis locados. Ele não impede o proprietário de vender, mas exige transparência e igualdade de condições. Para o inquilino, conhecer prazos — 30 dias para aceitar a proposta e 6 meses para a ação em caso de violação — e manter documentação e finanças organizadas faz a diferença entre perder o ponto ou consolidar a propriedade que já ocupa. Para o locador, cumprir a lei e documentar a preferência reduz risco, evita nulidades e preserva o valor do negócio na due diligence. Em uma palavra: prevenção — com informação completa, comunicação formal e respeito aos prazos — é o caminho mais curto para uma venda eficiente e sem litígio.

Guia rápido — Direito de preferência do inquilino na compra do imóvel
  • Quando surge: sempre que o proprietário decidir vender o imóvel locado (Lei 8.245/1991, arts. 27–34).
  • Como aciona: o locador notifica por escrito o inquilino com preço e todas as condições da venda.
  • Prazo do inquilino: 30 dias para aceitar integralmente as condições (resposta escrita).
  • Descumprimento: se o imóvel for vendido a terceiro sem observância da preferência, o inquilino pode ajuizar ação de preferência para adjudicar o bem, em até 6 meses do registro da venda, depositando o preço (art. 33).
  • Exceções: arrematação judicial, doação, permuta sem torna, dação para quitar dívida ou integralização de capital, alienação fiduciária, venda global do empreendimento, entre outras hipóteses legais.
  • Vigência e registro: a preferência independe de registro, mas a cláusula de vigência registrada torna a locação oponível ao comprador (art. 8º, par. único).
  • Condições “iguais”: qualquer melhoria ofertada a terceiro (preço menor, parcelamento melhor) exige nova oferta ao inquilino.
  • Boa-fé e provas: guarde notificações, propostas, recibos e certidão de matrícula para controlar prazos.

Fundamentação normativa e entendimentos essenciais

  • Lei do Inquilinato (Lei 8.245/1991): arts. 27–34 — preferência do locatário; conteúdo mínimo da notificação; prazo de 30 dias; direito de adjudicação e prazo de 6 meses a partir do registro do título para a ação; obrigação de o locador manter as mesmas condições ofertadas a terceiros.
  • Art. 8º, par. único: cláusula de vigência registrada na matrícula torna a locação oponível ao adquirente. Tema distinto, mas estratégico para continuidade do contrato após a venda.
  • Código Civil (art. 421-A e princípios contratuais): reforçam a boa-fé objetiva e a vinculação às condições informadas na notificação.
  • Provas e prazos: o marco dos 6 meses é o registro da transferência no Cartório de Registro de Imóveis; sem registro, não corre o prazo decadencial para adjudicar.
  • Exceções legais e negociais: preferências afastadas quando a alienação não é venda voluntária típica (arrematação, doação etc.) ou quando a operação é global e inviável economicamente fatiar as unidades — avaliação casuística em jurisprudência.

Como o locador deve notificar

  1. Enviar comunicação escrita (cartório/AR, e-mail certificado ou outro meio com prova de entrega) ao inquilino (e, por cautela, ao fiador).
  2. Informar preço total, forma de pagamento (à vista/parcelado/financiado), sinal, prazos, correção, existência de comissão de corretagem e quem a paga, condições suspensivas e ônus do imóvel.
  3. Fixar prazo de 30 dias corridos para resposta e indicar o canal para aceite.
  4. Manter as mesmas condições ao negociar com terceiros; se ajustar preço/parcelas, reofereça ao inquilino.
Checklist do inquilino para exercer a preferência

  • Verificar prazo de 30 dias e responder por escrito com aceite integral.
  • Ter capacidade de pagamento comprovada (pré-aprovação de financiamento ou recursos para sinal/arras).
  • Solicitar certidão de matrícula periodicamente; se constar registro de transferência sem notificação válida, considerar ação de preferência (6 meses do registro) com depósito do preço.
  • Guardar cópias de propostas e minutas que mostrem eventual condição mais vantajosa dada a terceiro.

FAQ — Perguntas frequentes

1) Sou inquilino. O proprietário decidiu vender. Ele é obrigado a me oferecer antes?

Sim. A preferência é do inquilino, e a oferta deve ser feita por escrito com preço e condições completas. O prazo para sua resposta é de 30 dias.

2) Preciso aceitar “do meu jeito” ou tenho que igualar tudo?

Você deve aceitar integralmente as condições comunicadas (preço, sinal, parcelas, financiamento, comissão). Alterações unilaterais descaracterizam o exercício da preferência.

3) E se o locador vender por preço menor a um terceiro?

Houve violação. Você pode propor ação de preferência para ser sub-rogado na compra (adjudicar), dentro de 6 meses do registro da venda, depositando o preço efetivamente pago.

4) O direito vale para contratos por prazo indeterminado?

Sim. Enquanto a locação estiver vigente e você estiver adimplente, a preferência existe, seja a locação residencial ou comercial.

5) Preciso ter o contrato registrado na matrícula para ter preferência?

Não. O registro não é requisito da preferência. Ele é útil para vigência oponível ao comprador e para reforçar a prova, mas a preferência subsiste sem registro.

6) Quais são as principais exceções à preferência?

Arrematação judicial, doação, permuta sem torna, dação, integralização de capital, execuções de garantia e algumas vendas globais de empreendimento. São situações em que a lei não exige oferta prévia.

7) Posso exigir as mesmas condições de financiamento que seriam dadas ao terceiro?

Sim, se a oferta incluir financiamento com condições determinadas. A equivalência de condições é a essência da preferência; melhora substancial para o terceiro deve ser reoferecida a você.

8) Se eu aceitar e depois não conseguir o crédito, perco a preferência?

O aceite deve ser firme. Se sua proposta dependia de financiamento e ele é negado, a venda pode não se concretizar; o locador pode voltar a negociar com terceiros. Por isso, tenha pré-aprovação ou alternativas.

9) O prazo de 6 meses para a ação conta de quando recebi a notícia da venda?

O prazo decadencial conta do registro da transferência na matrícula. É prudente consultar a matrícula para ter a data exata do início do prazo.

10) Não consegui adjudicar a tempo. Ainda posso buscar alguma reparação?

Em certos casos, sim: é possível pleitear perdas e danos se demonstrada a violação dolosa da preferência e o prejuízo (ex.: perda de ponto comercial, despesas de mudança), mesmo sem adjudicar.

Considerações finais

O direito de preferência equilibra a relação entre locador e locatário na alienação do imóvel. Para o proprietário, cumprir as formalidades e manter condições uniformes reduz riscos e preserva o valor do negócio. Para o inquilino, dominar os prazos (30 dias para aceitar; 6 meses para adjudicar) e organizar documentos e crédito é decisivo para transformar a oportunidade em compra efetiva. Transparência, comunicação formal e controle de prazos são os melhores antídotos contra litígios caros e demorados.

Aviso importante

Este material é informativo e não substitui a atuação de um profissional qualificado. Cada negociação envolve particularidades de contrato, matrícula, prazos e financiamento que podem alterar a estratégia jurídica adequada. Para tomar decisões com segurança, busque orientação personalizada de advogado especializado em locação e direito imobiliário.

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