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Despejo por Denúncia Vazia: Quando o Locador Pode Retomar o Imóvel Legalmente

Conceito e função da “denúncia vazia” no despejo

Denúncia vazia” é o direito potestativo do locador de resilir a locação e reaver o imóvel sem necessidade de justificar motivo, desde que cumpridos os pressupostos legais de cada modalidade de locação (residencial ou não residencial) e observados os prazos e procedimentos previstos na Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/1991). Não se confunde com a “denúncia cheia”, em que há fundamento específico (inadimplemento, necessidade de reparos urgentes, uso próprio etc.).

Para saber se a denúncia vazia é permitida, é indispensável: (i) identificar o tipo de locação; (ii) verificar o prazo contratual e se houve prorrogação por tempo indeterminado; (iii) conferir a existência de regras especiais e de notificação/aviso prévio. Os parâmetros legais estão principalmente nos arts. 46, 47, 56 e 57 da Lei 8.245/1991, além do art. 59 (liminar em despejo) e dispositivos gerais (arts. 4º, 6º e 8º, entre outros). 0

Resumo-chave: a denúncia vazia é permitida (a) em locação residencial com prazo ≥ 30 meses, ao fim do prazo (e, se prorrogada, a qualquer tempo com 30 dias de aviso); (b) em locação residencial com prazo < 30 meses, apenas quando a locação estiver por tempo indeterminado e a vigência ininterrupta tiver ultrapassado 5 anos; (c) em locação não residencial, se prorrogada por tempo indeterminado, o locador pode denunciar a qualquer tempo com 30 dias de desocupação (art. 57). 1

Locação residencial por escrito e prazo igual ou superior a 30 meses

O art. 46 é a base legal clássica da denúncia vazia nas locações residenciais com prazo contratual ≥ 30 meses. A lei determina que, findo o prazo, o contrato se resolve automaticamente — não exige motivo — e, se o locatário permanecer por mais de 30 dias sem oposição do locador, presume-se a prorrogação por tempo indeterminado. Nessa hipótese de prorrogação, o locador pode denunciar a qualquer tempo com prazo de 30 dias para a desocupação. 2

Requisitos práticos

  • Contrato escrito e prazo ≥ 30 meses (um único instrumento com esse prazo — a jurisprudência do STJ consolidou que a soma de contratos sucessivos menores não supre o requisito). 3
  • Ao término, o locador pode não renovar (denúncia vazia) e propor ação de despejo; se houve prorrogação por tempo indeterminado, basta notificar e conceder 30 dias para desocupação. 4
Ponto de atenção: embora a lei dispense motivo, é recomendável notificação formal (judicial ou extrajudicial) fixando o prazo de 30 dias, sob pena de controvérsia sobre prorrogação e mora. 5

Locação residencial com prazo inferior a 30 meses (ou verbal)

Nas locações residenciais escritas com prazo inferior a 30 meses (ou verbais), prevalece a proteção da estabilidade: terminado o prazo, a locação prorroga-se automaticamente por tempo indeterminado e o locador somente pode reaver o imóvel em hipóteses taxativas (denúncia cheia) ou, por denúncia vazia, após 5 anos de vigência ininterrupta (art. 47, V). O STJ fixou que esse prazo quinquenal conta-se desde o início da locação (e não da prorrogação). 6

Quando a denúncia vazia é admitida aqui?

  • Somente quando a locação estiver por tempo indeterminado e a vigência ininterrupta tiver ultrapassado cinco anos (art. 47, V). 7
  • Antes dos cinco anos, o locador precisa enquadrar-se nas hipóteses legais de denúncia cheia (uso próprio, reparos, demolição/reforma aprovada, retomada para cônjuge/ascendente/descendente etc.). 8
Jurisprudência relevante: a Quarta Turma do STJ decidiu que, para fins do art. 47, V, o termo inicial do prazo de cinco anos conta-se do início da locação. Essa orientação evita driblar a proteção legal por meio de renovações contratuais sucessivas com prazos pequenos. 9

Locação não residencial (comercial): fim do prazo e denúncia vazia

Para locações não residenciais, a disciplina é distinta e mais flexível ao locador. O art. 56 prevê que o contrato por prazo determinado cessa de pleno direito com o término, independentemente de notificação. Se, porém, o locatário permanece por mais de 30 dias sem oposição, há prorrogação por tempo indeterminado, situação em que o art. 57 autoriza a denúncia vazia por escrito, com 30 dias para desocupação. 10

Liminar na ação de despejo

Em contratos não residenciais, a Lei do Inquilinato permite liminar de desocupação em 15 dias (mediante caução de 3 aluguéis), quando a ação tiver por fundamento exclusivo, entre outros, o término do prazo ou o descumprimento de notificação (art. 59, §1º, VIII). A jurisprudência exige que a ação seja proposta dentro de 30 dias do termo ou do fim do prazo concedido na notificação. 11

Atenção a exceções: certas locações não residenciais especiais (p.ex., imóvel locado por pessoa jurídica para moradia de preposto, regida pelo art. 55) podem não admitir a aplicação direta do art. 56/57, conforme precedentes do STJ, exigindo análise casuística do regime jurídico. 12

Regras transversais que limitam a denúncia vazia

Vigência do contrato e proteção contra arrependimento

Durante o prazo determinado, o locador não pode reaver o imóvel (art. 4º), salvo causas legais (mora, infração, denúncia cheia). A denúncia vazia não se aplica “no meio” do contrato — ela serve, em regra, ao pós-prazo ou às hipóteses de prorrogação por tempo indeterminado, conforme cada artigo. 13

Forma e prazo de aviso

Quando a lei exige, o prazo de 30 dias para desocupação deve constar de notificação escrita (judicial ou extrajudicial), e o descumprimento faculta o ajuizamento de ação de despejo. Na locação não residencial, a lei ainda abre a porta para liminar de desocupação em 15 dias nas hipóteses do art. 59, §1º. 14

Boa-fé e vedação ao abuso

Mesmo na denúncia vazia, valem os princípios de boa-fé e função social. O exercício do direito potestativo não pode contrariar a lei, a boa-fé objetiva ou o pacto (ex.: renovações de locação comercial com direito à renovação compulsória exigem análise própria que, em certos casos, restringe a denúncia imotivada).

Passo a passo operacional do locador

1) Diagnóstico jurídico

  • Identifique a natureza da locação (residencial × não residencial) e o prazo pactuado.
  • Verifique se está em vigência (prazo determinado) ou prorrogada por tempo indeterminado.
  • Checar se há hipóteses limitadoras (art. 47 para < 30 meses, regime de renovação de ponto comercial etc.). 15

2) Notificação

  • Quando exigido, notifique o locatário por escrito, concedendo 30 dias para a desocupação (art. 46, §2º; art. 57). 16
  • Para locação não residencial, se a desocupação não ocorrer, avalie a ação em até 30 dias para buscar liminar. 17

3) Ação de despejo

  • Pondere a via judicial com pedido de liminar (quando preenchidos os requisitos do art. 59, §1º).
  • Mantenha provas da notificação, do contrato e do cálculo de eventuais aluguéis devidos no período de permanência.
Checklist rápido (por tipo de locação)

  • Residencial ≥ 30 meses: fim do prazo → pode denunciar (sem motivo); se prorrogou → denunciar a qualquer tempo, 30 dias de aviso. 18
  • Residencial < 30 meses: só denúncia vazia após 5 anos de vigência ininterrupta e locação por tempo indeterminado. 19
  • Não residencial: fim do prazo → cessa de pleno direito (art. 56); prorrogou por indeterminado → denúncia vazia com 30 dias (art. 57) e chance de liminar (art. 59, §1º, VIII). 20

Riscos comuns e como evitá-los

  • Somar prazos de contratos menores para “fingir” 30 meses: o STJ não admite — exige-se um único instrumento com prazo ≥ 30 meses para incidir o art. 46. 21
  • Deixar passar os 30 dias de oposição ao “pós-prazo”, permitindo prorrogação indeterminada involuntária. 22
  • Tentar denunciar dentro do prazo do contrato: viola o art. 4º e pode gerar indenização. 23
  • Em não residencial, perder o timing para pleitear liminar (30 dias a contar do termo ou do fim do prazo notificado). 24
  • Ignorar regimes especiais (art. 55 e direito de renovação compulsória do ponto), que podem afastar a denúncia vazia. 25
Visual didático – frequência típica de erros (exemplo ilustrativo)

Usar contratos sucessivos (<30 meses) para forçar denúncia vazia
Notificar sem conceder 30 dias (onde a lei exige)
Confundir regra de residencial com não residencial
Perder prazo para liminar em não residencial

Casos práticos comparados

Residencial – contrato de 36 meses, término próximo

O contrato foi firmado por 36 meses e vence em 31/07. O locador, sem interesse em renovar, pode não justificar motivo; recomenda-se notificar com antecedência para evitar discussões sobre prorrogação. Se o inquilino prosseguir no imóvel e o locador não se opuser por 30 dias, a locação se torna indeterminada, mas ainda assim o locador pode denunciar a qualquer tempo com 30 dias. 26

Residencial – contrato de 24 meses já prorrogado

Nesta hipótese, a denúncia vazia só é possível se a vigência ininterrupta já superou 5 anos, pois a proteção do art. 47 restringe o locador. Se ainda não alcançou cinco anos, o locador precisa invocar denúncia cheia ou negociar. 27

Não residencial – contrato de 48 meses prorrogado

Depois do fim do prazo, se o locatário ficou e não houve oposição, a locação está por prazo indeterminado. O locador pode denunciar por escrito, concedendo 30 dias. Se não houver desocupação, a ação pode trazer pedido liminar (art. 59, §1º, VIII) dentro da janela temporal indicada pela jurisprudência. 28

Quadro síntese – quando a denúncia vazia é permitida

Modalidade Condições Prazo de aviso Base legal
Residencial ≥ 30 meses Ao término; se prorrogada por tempo indeterminado, a qualquer tempo 30 dias (quando prorrogada) Art. 46, §§ 1º-2º
Residencial < 30 meses (ou verbal) Somente após 5 anos de vigência ininterrupta e prorrogação por indeterminado 30 dias Art. 47, V; STJ (prazo conta do início)
Não residencial Se prorrogada por indeterminado (art. 57); fim do prazo (art. 56) extingue de pleno direito 30 dias (art. 57); liminar possível (art. 59, §1º, VIII) Arts. 56, 57 e 59

Fontes: Lei 8.245/1991 e precedentes do STJ. 29

Conclusão

A denúncia vazia é uma ferramenta legítima para o locador encerrar a locação sem justificativa, mas seu uso depende de regras específicas. Em locações residenciais com prazo ≥ 30 meses, ela é ampla ao final do contrato — e, se houver prorrogação, pode ser exercida a qualquer tempo com 30 dias de aviso. Nas residenciais < 30 meses, a lei protege a estabilidade: a denúncia vazia só aparece após 5 anos de vigência ininterrupta quando o contrato está por prazo indeterminado (entendimento reforçado pelo STJ quanto ao marco inicial). Nas não residenciais, o término do prazo extingue o contrato de pleno direito, e a denúncia vazia é possível quando prorrogada por indeterminado, inclusive com liminar de desocupação nos moldes do art. 59, §1º, VIII.

Para reduzir litígios, os melhores passos são: diagnosticar corretamente o regime aplicável, comunicar com clareza (notificação com 30 dias quando houver exigência), guardar provas e, em locações comerciais, observar o timing para pedido de liminar. Em cenários especiais (p. ex., art. 55, moradia de preposto; renovações compulsórias comerciais), a denúncia vazia pode ser inaplicável ou exigir leitura sistemática do título e da jurisprudência. Em suma, a pergunta “quando é permitido?” sempre pede a resposta “depende do tipo de locação, do prazo e do momento processual” — com a Lei 8.245/1991 como bússola e a prática forense calibrando o caminho. 30

Aviso: este conteúdo é informativo e não substitui a análise personalizada de profissional habilitado. A aplicação dos arts. 46, 47, 56, 57 e 59 da Lei 8.245/1991 pode variar conforme o contrato, a prova documental, notificações, peculiaridades do ponto comercial e a jurisprudência do seu Tribunal. Consulte advogado(a) antes de adotar qualquer medida.

Guia rápido

  • Residencial ≥ 30 meses (art. 46, Lei 8.245/91): ao final do prazo, o locador pode não renovar sem motivo. Se prorrogar por tempo indeterminado, pode denunciar a qualquer tempo com 30 dias para desocupação.
  • Residencial < 30 meses ou verbal (art. 47): regra é estabilidade. Denúncia vazia só quando a locação estiver por tempo indeterminado e a vigência ininterrupta tiver ultrapassado 5 anos. Antes disso, apenas denúncia cheia (hipóteses legais).
  • Não residencial (arts. 56 e 57): contrato a prazo termina de pleno direito. Se prorrogar por indeterminado, cabe denúncia vazia com 30 dias de aviso. Possível liminar de desocupação em 15 dias (art. 59, §1º, VIII) com caução de 3 aluguéis.
  • Durante o prazo contratual (art. 4º): não cabe denúncia vazia; somente motivos legais (mora, infração, obras urgentes etc.).
  • Jurisprudência STJ: (i) não se pode “somar” contratos curtos para simular 30 meses; (ii) o prazo dos 5 anos conta desde o início da locação.

FAQ

1) Tenho contrato residencial de 36 meses que vai vencer. Posso simplesmente pedir o imóvel?

Sim. Em locação residencial com prazo ≥ 30 meses, ao término do contrato o locador pode não renovar sem apresentar motivo (denúncia vazia). Se o inquilino permanecer e o locador não se opuser por 30 dias, a locação prorroga-se por tempo indeterminado; nessa fase, também é possível denunciar, concedendo 30 dias para desocupar.

2) Meu contrato é residencial de 24 meses e já prorrogou. Posso denunciar sem motivo?

Regra geral, não. Para contratos residenciais < 30 meses (ou verbais), a denúncia vazia só é possível se a locação já estiver por tempo indeterminado e a vigência ininterrupta tiver ultrapassado 5 anos. Antes disso, a retomada exige denúncia cheia (uso próprio, obras, demolição etc.).

3) Em loja/comércio, o contrato venceu e o inquilino ficou. Posso denunciar com 30 dias?

Sim. Em não residencial, se o contrato venceu e houve prorrogação por indeterminado, o locador pode denunciar com 30 dias de aviso (art. 57). Se houver resistência, é possível liminar de desocupação em 15 dias (art. 59, §1º, VIII) mediante caução de três aluguéis, observados os requisitos processuais.

4) Posso somar contratos de 12+12 meses para dizer que o prazo foi de 24/36 meses?

Não para fins de art. 46. A orientação do STJ é que o prazo de 30 meses, que autoriza denúncia vazia ao fim do termo, deve constar de um único instrumento. Em contrato < 30 meses, aplica-se o art. 47 com a proteção de 5 anos antes de admitir denúncia vazia.

Dossiê normativo comentado (bases legais para consulta)

  • Art. 4º, Lei 8.245/91 — Durante o prazo determinado, o locador não pode reaver o imóvel sem motivo legal. A denúncia vazia opera após o prazo ou na prorrogação quando a lei permitir.
  • Art. 46Locação residencial ≥ 30 meses: findo o prazo, o contrato cessa; se houver prorrogação por tempo indeterminado, o locador pode denunciar a qualquer tempo, garantindo 30 dias para desocupação.
  • Art. 47Residencial < 30 meses ou verbal: prorroga-se por tempo indeterminado ao término. O locador só retoma por denúncia cheia (incisos I–IV) ou por denúncia vazia após 5 anos de vigência ininterrupta (inciso V). Entendimento do STJ: o quinquênio conta do início da locação.
  • Arts. 56 e 57Não residencial: o contrato a prazo cessa de pleno direito ao fim. Havendo prorrogação por indeterminado, cabe denúncia vazia por escrito com 30 dias para a desocupação.
  • Art. 59, §1º, VIII — Autoriza liminar de desocupação em 15 dias (caução: 3 aluguéis) quando a ação se funda no término do prazo ou descumprimento de notificação para desocupação (entre outras hipóteses). Observe prazos e requisitos processuais.
  • Jurisprudência do STJ — (i) vedada a “soma” artificial de contratos curtos para atingir 30 meses; (ii) quinquênio do art. 47, V inicia-se no começo da locação; (iii) necessidade de boa-fé no exercício do direito potestativo e atenção a regimes especiais (art. 55 e renovatória comercial).
Aplicação prática: antes de denunciar, confira tipo de locação, prazo, se há prorrogação, e comunique por escrito, fixando 30 dias quando a lei exigir. Em não residencial, avalie liminar e o tempo para ajuizar a ação após o termo/notificação.

Considerações finais

A denúncia vazia é um direito potestativo do locador, mas não é universal: depende do prazo e da natureza da locação. Em residencial ≥ 30 meses, concede mobilidade ao proprietário ao final do termo (ou na prorrogação, com 30 dias). Em residencial < 30 meses, a lei protege a estabilidade e só admite denúncia vazia após 5 anos contados do início. Em não residencial, o término resolve o contrato e, se houver prorrogação, a denúncia é possível com 30 dias, inclusive com liminar de desocupação. A leitura combinada da lei e da jurisprudência — e um procedimento de notificação bem documentado — é o que reduz litígios, acelera a restituição do imóvel e evita nulidades processuais.

Aviso importante: este material é informativo e não substitui a avaliação individual de profissional habilitado. A viabilidade do despejo por denúncia vazia varia conforme cláusulas do contrato, datas (termo, prorrogação, quinquênio), provas de notificação e entendimentos do Tribunal local. Consulte advogado(a) para definir a estratégia adequada antes de notificar ou ajuizar ação.

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