Brasileiros no exterior: seus direitosDireito internacionalDireito tributário

Declaração de Imposto de Renda para Quem Mora Fora: Passo a Passo Completo e Regras da Receita Federal

Quem mora fora precisa declarar imposto de renda no Brasil?

A resposta depende, antes de tudo, do seu status de residência fiscal no Brasil. Para fins de IRPF, há apenas duas situações: residente (tributa o rendimento mundial) e não residente (em regra, suporta IRRF definitivo apenas sobre rendas de fonte situada no Brasil). A forma de declarar — e até a existência de obrigação de entregar declaração anual — muda completamente conforme esse enquadramento. Por isso, entender e formalizar a sua situação é o primeiro passo para não cair em malha fina e evitar bitributação.

Residência fiscal em poucas linhas

  • Residente: mora no Brasil com ânimo definitivo; ou é estrangeiro com visto permanente (da chegada); ou, com visto temporário e vínculo empregatício, desde a entrada; ou permanece no País por mais de 183 dias, consecutivos ou não, em qualquer período de 12 meses.
  • Não residente: quem sai com caráter permanente e cumpre as formalidades de Comunicação de Saída Definitiva do País (CSDP) e Declaração de Saída Definitiva do País (DSDP); ou quem se ausenta por 12 meses contínuos (sem comunicar), tornando-se não residente a partir do 13º mês de ausência.
Regra de ouro: se você formaliza a saída (CSDP + DSDP), passa a ser não residente a partir da data de saída indicada. Sem formalização, você continua residente por até 12 meses, devendo tributar a renda do exterior via carnê-leão e entregar a DIRPF normalmente.

Cenário 1: moro fora e sou não residente no Brasil

Ao se tornar não residente, você deixa de apresentar a declaração anual de IRPF (DIRPF) como regra — exceto pela DSDP no ano-calendário da saída. A partir de então, rendas de fonte no Brasil (aluguéis, juros pagos por banco brasileiro, serviços prestados no país, royalties, aposentadorias de fonte brasileira etc.) sofrem tributação exclusiva na fonte (IRRF), com alíquotas específicas conforme a natureza do rendimento. As fontes pagadoras brasileiras devem ser notificadas sobre seu novo status para aplicar os códigos e as alíquotas de não residente.

Passo a passo da saída definitiva

  1. Fixe a data de saída (do embarque que iniciou a mudança definitiva).
  2. Transmita a CSDP no e-CAC até o último dia de fevereiro do ano calendário subsequente.
  3. Entregue a DSDP até o prazo da DIRPF do ano seguinte, abrangendo o período de 1º de janeiro até a data da saída.
  4. Informe bancos, corretoras, previdência privada, imobiliária e qualquer fonte pagadora no Brasil para que passem a reter IRRF de não residente.
  5. Se mantiver investimentos no Brasil, alinhe com o custodiante o enquadramento como investidor não residente (regra 4.373), quando aplicável.

Como você será tributado no Brasil após a saída

  • Aluguéis: IRRF definitivo sobre o valor bruto. Se não houver intermediário, é necessário procurador no Brasil para cumprir a retenção e recolhimento mensal.
  • Juros e rendimentos financeiros: IRRF específico por produto (poupança, CDB, fundos, debêntures, bolsa). Em bolsa, o regime do investidor não residente pode prever isenções relevantes (varia por instrumento e tipo de operação; day trade não é isento).
  • Serviços prestados no Brasil: regra geral de IRRF na fonte pagadora, com alíquota conforme a natureza e tratados aplicáveis.
  • Aposentadorias/pensões de fonte brasileira: sujeitas a IRRF de não residente; podem existir regras diferenciadas por tratado ou por idade (ex.: parcela isenta a partir de 65 anos em certos casos quando residente, que não necessariamente se aplica ao não residente).
  • Ganho de capital na venda de bens localizados no Brasil (imóvel brasileiro, participação em empresa brasileira): apuração e recolhimento no Brasil com alíquotas progressivas (até 22,5%), via representante legal.
Ponto crítico: receber renda de fonte brasileira como se fosse residente (sem IRRF de não residente) pode gerar diferenças, juros e multas. Garanta que contratos e cadastros refletam o status de não residente.

Cenário 2: moro fora, mas continuo residente no Brasil

Se você não formalizou a saída (CSDP/DSDP) ou não completou 12 meses de ausência, permanece residente. Como residente, você é tributado pelo rendimento mundial: salários, honorários, aposentadorias, aluguéis, juros, dividendos e ganhos de capital obtidos no exterior devem ser apurados e recolhidos no Brasil, respeitados os mecanismos de tratados para evitar a dupla tributação e o crédito unilateral de imposto estrangeiro.

Carnê-leão e declaração anual

  • Recebimentos do exterior (salários, freelas, aluguel de imóvel fora, aposentadoria estrangeira): apuração mensal no carnê-leão (e-CAC), com tabela progressiva. O imposto pago no exterior pode ser compensado, se houver tratado ou pelas regras de crédito unilateral, limitado ao imposto brasileiro devido sobre a mesma renda.
  • Conversão cambial: normalmente pela PTAX do Banco Central do mês do recebimento. Isso vale tanto para recolhimento mensal quanto para lançar na DIRPF.
  • Na declaração anual, consolide os valores já pagos via carnê-leão, informe bens e direitos no exterior e avalie saldos a pagar/compensar.

Ganhos de capital e aplicações no exterior

  • GCAP: utilize o programa de Ganho de Capital para apurar lucros na venda de imóveis, ações, participações, criptoativos e outros bens no exterior. Alíquotas: 15% a 22,5%, por faixas de ganho. Há hipóteses de isenção (p.ex., alienação de small lot em bolsas estrangeiras pode não ter isenção equivalente à brasileira — analise o caso concreto).
  • Dividendos e juros estrangeiros: integram o carnê-leão (quando recebidos diretamente). Fundos e corretoras estrangeiras exigem leitura cuidadosa de comprovantes para evitar dupla tributação e permitir crédito.
Checklist do residente com renda externa

  • Confirme se há tratado Brasil–país da fonte e qual o método (crédito ou isenção com progressividade).
  • Guarde comprovantes do imposto pago fora (recibos, tax vouchers), contratos e extratos.
  • Converta receitas e tributos pela PTAX correta.
  • Informe bens/direitos do exterior na DIRPF pelo custo em reais; avalie obrigação de CBE ao Banco Central quando aplicável.

Tratados para evitar dupla tributação e crédito de imposto: como não pagar duas vezes

O Brasil possui acordos internacionais com diversos países para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal. Eles distribuem a competência tributária por tipo de renda (trabalho, aposentadoria, imóveis, dividendos, juros, royalties) e definem o método de alívio (crédito ou isenção com progressividade). Quando não há tratado, a legislação interna permite o chamado crédito unilateral — compensação do imposto pago no exterior até o limite do imposto brasileiro calculado sobre a mesma renda, desde que a renda seja tributada no Brasil e o imposto estrangeiro esteja comprovado.

Exemplos práticos

  • Salário no exterior (residente no Brasil): recolhe carnê-leão; se houve retenção fora, use tratado/crédito para compensar, limitado ao IR brasileiro desse salário.
  • Aluguel de imóvel no Brasil (não residente): IRRF definitivo na fonte; não há DIRPF, salvo eventos específicos. Se o país de residência tributar, verifique se o tratado concede crédito lá.
  • Aposentadoria pública: muitos tratados reservam a tributação ao Estado pagador; já aposentadoria privada geralmente segue regras de residência — o detalhe está no texto do acordo.
Documentação que salva: tax returns locais, tax vouchers, payroll e certificados de residência fiscal são essenciais para provar direito a créditos e evitar glosas.

Bens e direitos no exterior: como declarar e quando atualizar

Enquanto residente, você deve declarar todos os bens e direitos no exterior na DIRPF, pelo custo de aquisição em reais (convertido pela PTAX da época). Isso inclui imóveis, contas, aplicações, criptoativos, veículos, participações societárias, trusts e obras de arte. Quando você se torna não residente, a nova aquisição e a evolução patrimonial deixam de ser informadas na DIRPF, mas bens localizados no Brasil continuam sujeitos a regras de IRRF/ganho de capital em eventos de alienação.

CBE – Capitais Brasileiros no Exterior

Além do IR, pode existir a obrigação cambial/estatística de declaração ao Banco Central (CBE) quando, em 31 de dezembro, o estoque de ativos externos superar certos limiares (valores que o Bacen atualiza). A CBE é independente do IRPF e o descumprimento gera multas administrativas.

Estruturas no exterior: offshores e trusts

Mudanças recentes na legislação brasileira reforçaram a tributação periódica dos rendimentos auferidos por entidades controladas (as chamadas “offshores”) por pessoas físicas residentes no Brasil, além de regras para transparência/tributação de trusts. Quem migra de volta ao Brasil deve revisar essas estruturas sob a ótica da nova residência e, se for o caso, avaliar regimes de transição e formas de valorização.

Perguntas de diagnóstico:

  • Tenho ativos externos que exigem CBE?
  • Como estão documentados dividendos/juros/retidos em corretoras estrangeiras?
  • Ao voltar a residir no Brasil, minha offshore passa a tributar resultado anual?
  • Possuo trust? Qual o tratamento no IRPF ao receber distribuição ou ao falecimento do instituidor?

Gráfico didático – onde ocorrem mais erros (exemplo ilustrativo)

As barras abaixo são ilustrativas e representam a frequência típica de falhas em atendimentos de quem mora fora. Use como guia de priorização.

Não enviar CSDP/DSDP e seguir como residente sem saber
Ignorar carnê-leão sobre rendas externas (residente)
Não comprovar imposto estrangeiro para crédito
Receber de fonte brasileira sem IR de não residente
Declarar bens externos pelo valor de mercado (em vez do custo)

Roteiros práticos por situação

A) Vou morar fora por tempo indeterminado (expatriado ou nômade digital)

  1. Defina a data de saída e transmita a CSDP.
  2. Comunique fontes pagadoras brasileiras e atualize cadastros de bancos/corretoras.
  3. Entregue a DSDP no ano seguinte.
  4. Mapeie tributação do país de destino e tratado aplicável; peça certificado de residência fiscal.
  5. Se mantiver investimentos no Brasil, alinhe com custodiante o regime de não residente (4.373) e impactos em fundos/bolsa.

B) Fiquei fora sem comunicar, por menos de 12 meses

  1. Permanece residente. Apure carnê-leão sobre rendas externas.
  2. Guarde comprovantes de imposto pago no exterior para crédito.
  3. Se decidir permanecer fora, programe a CSDP/DSDP e ajuste fontes no Brasil.

C) Moro fora há anos, mas nunca formalizei

  1. Verifique a data em que completou 12 meses de ausência (a partir dela você é não residente por presunção).
  2. Regularize pendências do período em que ainda era residente (carnê-leão/DIRPF).
  3. Atualize cadastros de fontes pagadoras e avalie, com suporte técnico, a entrega tardia de DSDP e eventuais retificações.
Boas práticas de governança: mantenha uma pasta fiscal anual com PTAXs, recibos de carnê-leão, tax vouchers estrangeiros, contratos, extratos, comprovantes de IRRF no Brasil e certificados de residência fiscal. Essa disciplina reduz riscos e agiliza comprovações.

Erros comuns e como evitar

  • Confundir visto migratório com residência fiscal: o que manda é a regra tributária (CSDP/DSDP, 183 dias/12 meses, vínculos econômicos).
  • Esquecer de avisar bancos/corretoras sobre a não residência — as retenções e a forma de declarar mudam.
  • Deixar de apurar carnê-leão como residente recebendo do exterior — um dos maiores motivos de malha.
  • Não comprovar imposto pago no exterior: sem documentos, você perde o crédito.
  • Declarar bens pelo valor de mercado (quando o correto, para residentes, é o custo em reais).
  • Vender imóvel no Brasil sendo não residente sem nomear representante para apuração/IR.

Conclusão

Declarar imposto de renda para quem mora fora é menos sobre formular um programa e mais sobre definir corretamente o seu status e orquestrar documentos e prazos. Quem permanece residente deve reportar renda mundial, usar carnê-leão, considerar tratados/créditos e declarar bens externos pelo custo. Quem se torna não residente após CSDP/DSDP passa a sofrer IRRF definitivo apenas sobre fontes brasileiras e não entrega a DIRPF anual (salvo a DSDP), mas precisa ajustar cadastros, contratos e o regime de investimentos. Em ambos os casos, planejamento de datas (saída/retorno, vesting, alienações), guarda de provas (comprovantes, certificados de residência) e atenção às mudanças legislativas evitam bitributação, multas e surpresas. Organização transforma um tema complexo em rotina segura — e garante que a vida internacional seja acompanhada de compliance inteligente.

Aviso importante: este conteúdo é informativo e não substitui a orientação personalizada de profissionais habilitados em tributação internacional e contabilidade. Cada caso depende de tratados específicos, leis locais do país de residência, cronologia de fatos (datas de saída/retorno, local da prestação do trabalho, natureza da renda) e regras vigentes sobre investimentos e estruturas no exterior. Procure assessoria antes de tomar decisões.

Guia rápido

  • Defina sua situação: se você formalizou a saída (CSDP + DSDP), é não residente e não entrega a DIRPF anual; rendas de fonte no Brasil sofrem IRRF definitivo. Sem formalização (ou antes de 12 meses fora), você segue residente e declara renda mundial.
  • Calendário essencial: CSDP até o último dia de fevereiro do ano seguinte; DSDP até o prazo da DIRPF. Residente com renda do exterior recolhe carnê-leão mensal e consolida na anual.
  • Tratados e crédito: verifique se há acordo para evitar bitributação com seu país; sem tratado, use crédito unilateral (limitado ao IR brasileiro sobre a mesma base) se for residente.
  • Investimentos e imóveis no Brasil: como não residente, alinhe IRRF e regras do investidor 4.373; ganho de capital em bens no Brasil tem alíquotas progressivas e exige representante/procurador.
  • Documentos que resolvem: certificados de residência fiscal, comprovantes de IR pago no exterior, PTAX do mês, recibos de carnê-leão/GCAP, contratos e extratos.

FAQ

1) Moro fora e enviei CSDP/DSDP. Ainda preciso entregar a DIRPF?

Após a DSDP referente ao ano da saída, você passa a não residente e deixa de apresentar a DIRPF anual. As rendas de fonte no Brasil serão tributadas por IRRF definitivo conforme a natureza (aluguéis, juros, serviços, aposentadorias etc.).

2) Não avisei a Receita e estou fora há 6 meses: o que declarar?

Sem CSDP/DSDP, você segue residente até completar 12 meses de ausência contínua. Deve recolher carnê-leão sobre rendas do exterior, converter pela PTAX do mês e informar tudo na DIRPF, podendo compensar imposto pago fora (tratado/crédito unilateral).

3) Sou não residente e tenho apartamento alugado no Brasil. Quem recolhe?

O locatário ou a imobiliária deve reter e recolher o IRRF definitivo mensalmente. Em contratos PF-PF, nomeia-se procurador no Brasil para cumprir as obrigações.

4) Recebo salário de empresa estrangeira morando no Brasil. Como tributo?

Sendo residente, o salário do exterior entra no carnê-leão pela tabela progressiva. Se houve retenção fora, use tratado ou crédito unilateral para compensar até o limite do imposto devido no Brasil sobre a mesma renda.

Arcabouço normativo comentado (bases legais e operacionais)

  • Residência fiscal e não residência: regras administrativas da Receita Federal sobre residência, prazo de 183 dias, ausência por 12 meses, Comunicação de Saída Definitiva (CSDP) e Declaração de Saída Definitiva (DSDP); efeitos a partir da data da saída.
  • Rendimento mundial (residente): obrigação de tributar rendas do exterior via carnê-leão e declarar na DIRPF; conversão cambial pela PTAX do mês do recebimento.
  • Crédito do imposto pago no exterior: aplicação de tratados para evitar dupla tributação (método do crédito ou isenção com progressividade) e possibilidade de crédito unilateral quando não houver tratado, limitado ao IR apurado no Brasil sobre a mesma base e condicionado à comprovação documental.
  • Ganhos de capital: apuração via GCAP para residentes e regras específicas para não residentes na alienação de bens localizados no Brasil, com alíquotas progressivas (até 22,5%) e necessidade de representante.
  • Investidor não residente: enquadramento regulatório (regime 4.373) com regras e IRRF próprios por produto (ações, renda fixa, fundos) e eventuais isenções em bolsa (exceto day trade e hipóteses específicas).
  • Patrimônio no exterior (residente): declaração na DIRPF pelo custo em reais e, quando aplicável, Declaração de Capitais Brasileiros no Exterior (CBE) ao Banco Central (limites de valor atualizados periodicamente).
  • Estruturas externas: regras recentes de tributação periódica/transparência de entidades controladas por pessoas físicas residentes e de trusts; atenção a regimes de transição ao retornar ao Brasil.
  • Previdência e acordos internacionais: acordos previdenciários para somar tempo e evitar dupla contribuição; interação com o IR nos benefícios recebidos de fonte brasileira e estrangeira.
Aplicação prática: mantenha um cronograma fiscal com marcos (data de saída/retorno, prazos de CSDP/DSDP, carnê-leão, DIRPF, GCAP e CBE), uma pasta de comprovações (PTAX, recibos, tax vouchers, certificados de residência) e comunique o status às fontes pagadoras brasileiras para evitar retenções equivocadas.

Considerações finais

Para quem mora fora, o segredo é definir corretamente a residência fiscal e alinhá-la ao fluxo de documentos e prazos. Como residente, você declara renda mundial, recolhe carnê-leão e usa tratados/crédito para evitar pagar duas vezes; como não residente, sai do ciclo da DIRPF e passa a sofrer IRRF definitivo sobre rendas de fonte brasileira, com atenção a ganhos de capital e ao enquadramento de investimentos. Planejamento de datas (saída, retorno, vesting, alienações), comunicação às fontes e guarda de provas separam uma vida internacional tranquila de um passivo caro.

Aviso importante: este material é educativo e não substitui a avaliação personalizada de profissionais habilitados em tributação internacional e contabilidade. Sua situação pode variar conforme tratados específicos, leis locais do país de residência, mudanças normativas e detalhes contratuais (natureza da renda, datas de saída/retorno, localização do bem). Consulte um especialista antes de decidir.

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