Crimes Militares no CPM: Entenda Tipos, Competência e Procedimentos em 10 Minutos
Panorama: o que é crime militar e quando o CPM se aplica
O sistema penal castrense brasileiro é regido primordialmente pelo Decreto-Lei nº 1.001/1969 (Código Penal Militar – CPM), complementado pelo Decreto-Lei nº 1.002/1969 (Código de Processo Penal Militar – CPPM) e pelas regras constitucionais do art. 124 da Constituição (competência da Justiça Militar da União) e dos arts. 125, §4º e §5º (Justiça Militar dos Estados). Para saber se um fato é crime militar, a pergunta-chave é: há nexo com a função militar, com a administração ou com o serviço/atividade castrense, ou com bens e interesses militares?
Em regra, é crime militar o previsto no CPM (crimes propriamente militares) ou qualquer crime da legislação comum quando praticado por militar em determinadas circunstâncias funcionalmente vinculadas (ampliação promovida pela Lei nº 13.491/2017). O recorte envolve local (dependência militar, área sob administração), sujeito (militar da ativa, da reserva convocado, assemelhado), finalidade (serviço, ordem, disciplina) e objeto (patrimônio/segredo/serviço militares).
Classificações centrais para estudo e prática
Crimes propriamente militares x impropriamente militares
Próprios são os que somente podem ser cometidos por militar e guardam relação intrínseca com a disciplina e o serviço (p. ex., motim e revolta; deserção; abandono de posto; dormir em serviço). Já os impróprios são aqueles também tipificados no Código Penal comum, mas que se tornam militares em razão do contexto (p. ex., peculato, corrupção, concussão, lesões, homicídio) quando ocorrentes em cenário e condições castrenses após a Lei nº 13.491/2017.
Eixo | Próprios (típicos do CPM) | Impróprios (comuns em contexto militar) |
---|---|---|
Bem jurídico | Ordem, disciplina, hierarquia, serviço militar | Patrimônio, administração, vida, integridade, fé pública |
Exemplos | Motim, revolta, deserção, recusa de obediência, abandono de posto, dormir em serviço | Peculato, corrupção, fraude, estelionato, crimes contra a pessoa em ato de serviço |
Sujeitos | Militares (da ativa, convocados, mobilizados; em certos casos, assemelhados) | Militar como autor e, em hipóteses definidas, civil coautor/partícipe quando o fato é militar por conexão |
A Lei nº 13.491/2017 ampliou o conceito de crime militar do art. 9º do CPM para abarcar crimes da legislação penal comum quando praticados por militar em serviço, em razão da função, em local sob administração militar ou em operações específicas. Em certas hipóteses, crimes dolosos contra a vida de civis praticados por militares das Forças Armadas em operações de GLO, defesa da pátria ou missão militar são de competência da Justiça Militar da União.
Estrutura típica do CPM por grupos de bens jurídicos protegidos
Os tipos penais do CPM podem ser estudados por macrogrupos, o que facilita a compreensão do bem jurídico e da dosimetria usuais:
1) Crimes contra a autoridade, a hierarquia e a disciplina
- Motim e revolta – reunião de militares para desobedecer ordem superior, recusar obediência, ocupar quartéis ou armamento; a revolta agrava pelo emprego de arma. A tutela é a autoridade e a hierarquia.
- Insubordinação e desrespeito – incluem desobediência, resistência, publicação ou crítica indevida a ato de superior, palavras ou gestos ofensivos a autoridade militar em serviço.
- Desacato, violência ou ameaça a superior – reforçam a tutela da cadeia de comando, com qualificadoras em serviço, em formatura ou com arma.
Em todos esses, a pena varia conforme meios (arma, violência), circunstâncias (serviço/guarnição) e resultado. O concurso de agentes e a liderança no movimento costumam agravar, e a participação minorada pode atenuar.
2) Crimes contra o serviço militar e o dever
- Deserção – afastamento por prazo legalmente relevante sem ânimo de retorno, pressupõe vínculo ativo e é tradicionalmente crime permanente até captura/apresentação.
- Abandono de posto e dormir em serviço – vulneram diretamente a segurança do serviço; há agravos em zona de operações, guarda de presos, vigilância de arsenal.
- Omissão de lealdade militar – recusa de elemento essencial de dever, inclusive retenção indevida de documento, informação ou objeto do serviço.
3) Crimes contra a administração e o patrimônio sob gestão militar
- Peculato (apropriação, desvio, culposo) – por militar ou funcionário equiparado, em razão do cargo ou função; peculato-uso tem contornos próprios na caserna.
- Concussão e corrupção – solicitação/recebimento de vantagem indevida (passiva) ou oferecimento (ativa) para ato de ofício; proteção da probidade administrativa militar.
- Estelionato, fraude, falsidade em licitações/contratos militares – desde que em ambiente e finalidade castrenses (após a Lei nº 13.491/2017).
4) Crimes contra a pessoa em contexto militar
Incluem lesões, homicídios, crimes sexuais, quando presentes as hipóteses de militarização do fato. O bem jurídico é a vida, integridade e dignidade, mas a competência pode se deslocar à Justiça Militar conforme o art. 9º do CPM (na redação atual) e normas especiais. Há exceções e debates envolvendo a competência do Tribunal do Júri em certos cenários fora das hipóteses legais ampliadas.
5) Crimes contra a segurança externa, instituições e serviço em operações
- Violação de dever em operação – p. ex., abandono de serviço em frente ao inimigo, covardia, colaboração culposa com o inimigo.
- Espionagem e violação de segredo militar – proteção de segredos de Estado e de operação; podem envolver civis por conexão.
- Sabotagem – dano a meios, instalações, material bélico, com animus de comprometer a defesa ou missão militar.
Elementos comuns de tipicidade: sujeito, tempo, lugar e nexo funcional
Para além do tipo, a militarização do fato exige análise de quatro vetores:
- Sujeito: militares das Forças Armadas (ativa; reserva/aposentados em certas hipóteses de serviço), policiais e bombeiros militares (âmbito estadual), assemelhados por lei. Civis somente por conexão, coautoria/participação ou se o tipo expressamente permitir.
- Tempo e lugar: em serviço, formatura, dependência militar, área sob administração militar, acampamentos, navios, aeronaves e congêneres.
- Nexo funcional: relação direta com o dever militar, com a ordem e disciplina, com o serviço ou com a administração castrense.
- Finalidade e risco: exposição de bem jurídico militar (segurança, segredo, material bélico, tropa) ou comprometimento do serviço.
- O fato está previsto no CPM ou é crime comum ocorrido sob as condições do art. 9º (Lei 13.491/2017)?
- Há militar no polo ativo e nexo com serviço/administração/ordem?
- O lugar é dependência militar, navio, aeronave, aquartelamento ou área sob administração militar?
- Há competência da Justiça Militar (União ou Estado) ou do Júri (situações não abrangidas pelas hipóteses ampliadas)?
Dosimetria e penas no CPM: notas essenciais
O CPM adota penas de reclusão e detenção, além de impedimento, suspensão do exercício do posto/graduação e prisão simples em alguns tipos. Para oficiais, podem incidir perda do posto e da patente (decisão judicial específica) e, para praças, exclusão das Forças (nos termos da legislação). Na dosimetria, aplicam-se critérios análogos ao sistema trifásico da lei penal comum: pena-base (culpabilidade, antecedentes, circunstâncias, consequências), agravantes/atenuantes e causas de aumento/diminuição específicas do CPM.
Exemplos de circunstâncias frequentemente consideradas
- Em serviço ou em formatura – agravação usual quando o ato afronta diretamente a cadeia de comando e o serviço.
- Emprego de arma – releva nos tipos de revolta, violência a superior, etc.
- Zonas de operação – contextos de campanha, GLO, fronteira ou missão no exterior tendem a agravar.
- Retratação espontânea/apresentação voluntária – relevante em deserção e outros delitos de permanência.
Procedimento e persecução: do Inquérito Policial Militar ao julgamento
A apuração de crime militar em regra se inicia com o Inquérito Policial Militar (IPM), presidido por autoridade militar, com prazos e formalidades do CPPM. Concluído o IPM, remete-se ao Ministério Público Militar (MPM) (Justiça Militar da União) ou ao Ministério Público estadual com atuação junto à Justiça Militar estadual, que avalia o oferecimento de denúncia. Segue-se a fase processual perante as Auditorias/Conselhos, com possibilidade de prisão preventiva (requisitos do CPPM) e outras cautelares. A competência recursal, na União, é do Superior Tribunal Militar (STM); nos Estados, dos Tribunais de Justiça Militar (SP, MG, RS) ou das Câmaras especializadas dos Tribunais de Justiça onde não haja TJM.
1) Fato → 2) IPM (CPPM) → 3) Parecer e denúncia (MPM/MP) → 4) Recebimento e instrução (Audiência, conselho) → 5) Sentença → 6) Recursos (STM/TJM/TJ).
Medidas cautelares: preventiva, busca e apreensão, sequestro de bens, afastamento do serviço; tudo sob controle jurisdicional.
Conexões, concurso e competência: pontos de atenção
O concurso de crimes no âmbito militar observa as regras gerais (material, formal, continuidade delitiva), porém com prevalência do CPM e do CPPM. No tocante à competência, a conexão entre crime militar e comum pode atrair a união de processos na Justiça comum ou militar, conforme a natureza preponderante e os dispositivos legais. Há hipóteses em que civis respondem na Justiça Militar (p. ex., violação de segredo militar, crimes em áreas sob administração militar) a depender do caso e da conexão.
Regras práticas de competência
- Justiça Militar da União: crimes militares envolvendo membros das Forças Armadas e bens/interesses da União; inclui hipóteses de operações (GLO, missões) após a Lei nº 13.491/2017.
- Justiça Militar dos Estados: crimes militares praticados por policiais e bombeiros militares, sem ofensa a bens/serviços da União; organização local pelo art. 125 da CF.
- Tribunal do Júri: crimes dolosos contra a vida de civil por militar fora das hipóteses legais que concentram competência na Justiça Militar da União.
Defesas usuais e estratégias de conformidade
Na defesa, discute-se com frequência: ausência de nexo funcional (pedindo deslocamento para Justiça comum), atipicidade por falta de elemento do tipo (p. ex., sem reunião ou sem recusa inequívoca no motim), excludentes (estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal, legítima defesa), inobservância de formalidades do IPM (nulidades), dosimetria (proporcionalidade e individualização) e prescrição (regras próprias do CPM). Em conformidade, comandos devem reforçar treinamento em regras de engajamento (ROE), segurança orgânica, compliance em contratações e protocolos de uso da força.
- Publicações indevidas (redes sociais) criticando ordens/autoridades em termos ofensivos.
- Gestão patrimonial sem lastro (combustível, fardamento, material bélico) – risco de peculato e falsidade.
- Omissões em guarda/vigilância, principalmente com armamento e presos militares.
- Atos em GLO sem aderência às ROE e protocolos de uso progressivo da força.
Gráfico didático (exemplo conceitual)
O SVG abaixo ilustra, de forma meramente didática (sem base estatística), a distribuição conceitual de incidência por grupos de crimes estudados em cursos e concursos. Use como mapa mental.
Barras mais altas = maior atenção doutrinária/concursal típica; não representam dados oficiais.
Casos clássicos comentados (visão sintética)
Motim/revolta em aquartelamento
Reunião de militares, com propósito comum de desobedecer ou de impor vontade à autoridade. Diferencia-se a revolta pelo uso de arma pelos insurretos. A prova exige convergência de vontades e atos inequívocos (p. ex., ocupação de local sensível, impedimento de serviço). A liderança responde com maior gravidade.
Deserção
Falta ao serviço por prazo legal, com animus de não retorno. É delito permanente até apresentação/captura. Atenções: prova do vínculo, contagem do prazo, causas de exclusão (doença comprovada, força maior), apresentação voluntária como atenuante.
Peculato em material bélico
Apropriação ou desvio de bens sob guarda do militar, muitas vezes mascarada por boletins de consumo e notas de responsabilidade. Recomenda-se auditoria de estoques, rastreamento e controles de entradas/saídas. A culpa na guarda pode configurar peculato culposo.
Homicídio em operação
Casos em operações de garantia da lei e da ordem suscitam debate sobre competência. Em hipóteses legais específicas, a Justiça Militar da União processa e julga; fora delas, o caso pode ir ao Júri. A chave está na vinculação funcional, temporal e espacial com a operação e nas regras de engajamento vigentes.
Conformidade institucional e prevenção
- Capacitação recorrente em CPM/CPPM, direitos humanos, ROE e cadeia de custódia probatória.
- Governança de integridade em contratações logísticas e almoxarifados (trilhas de auditoria, duplo controle, transparência).
- Política de mídias sociais clara: vedações a críticas ofensivas, regras de expressão e de proteção de informações.
- Protocolos operacionais escritos e treinados: uso da força, armas não letais, preservação de cena, comunicação tática.
Conclusão
Os crimes militares previstos no CPM formam um microssistema penal especializado cuja finalidade é proteger a hierarquia, a disciplina, a eficiência do serviço, a administração castrense, a segurança do Estado e demais bens jurídicos afetos à função militar. A Lei nº 13.491/2017 redesenhou profundamente o perímetro do “crime militar”, trazendo para o âmbito castrense diversos tipos do direito penal comum quando praticados sob condições militares. Assim, o profissional do direito e o gestor público precisam, simultaneamente, dominar a dogmática tradicional (motim, deserção, abandono de posto) e as novas fronteiras (crimes comuns militarizados, competência em GLO, conexões com civis), sempre sob os princípios da legalidade, proporcionalidade, individualização da pena e da estrita observância processual do CPPM.
Para prevenir responsabilizações e fortalecer a confiança social na atuação militar, recomenda-se consolidar programas de integridade, treinamento continuado, controles administrativos robustos e documentação rigorosa de operações. Na prática forense, a atenção a competência, tipicidade, nexo funcional e dosimetria costuma ser decisiva, tanto para a acusação quanto para a defesa. O resultado desejável é um sistema castrense efetivo no combate à criminalidade própria e equilibrado na proteção de direitos fundamentais dos envolvidos.
Guia rápido sobre crimes militares no CPM (para consulta imediata)
Este guia sintetiza, em linguagem operacional, os pontos essenciais para identificar, qualificar e conduzir casos de crimes militares previstos no Código Penal Militar (Decreto-Lei nº 1.001/1969), apurados pelo CPPM e julgados pela Justiça Militar (art. 124 e art. 125 da CF). O foco é oferecer uma trilha de checagem que ajude a responder rapidamente: o fato é militar? qual é o tipo provável? quem julga? e quais medidas imediatas são cabíveis?
- Sujeito: há militar (FA, PM/BM) no polo ativo? Civil só entra por conexão, coautoria ou quando o tipo permite.
- Tempo/Lugar: ocorreu em serviço, formatura, dependência militar, navio/aeronave/área sob administração militar?
- Nexo funcional: o comportamento atinge ordem, disciplina, serviço ou administração castrense?
- Ampliação do art. 9º (Lei 13.491/2017): crime comum pode ser militarizado se praticado nessas condições.
- Disciplina/hierarquia: motim, revolta, desobediência, desacato a superior.
- Serviço: deserção, abandono de posto, dormir em serviço, omissão de lealdade.
- Administração/patrimônio: peculato, concussão, corrupção, fraudes (em ambiente militar).
- Pessoa: lesões, homicídio — analisar competência (JMU, JME ou Júri, conforme hipóteses legais).
- Segurança/Segredo: espionagem, violação de segredo, sabotagem, covardia em operação.
- JMU: militares das FA, bens/interesses da União, operações (GLO/defesa/missão) nas hipóteses do art. 9º.
- JME: PM/BM por crimes militares estaduais (art. 125, §4º/§5º, CF).
- Júri: crime doloso contra a vida de civil fora das hipóteses concentradas na JMU.
- Procedimento: notícia do fato → IPM (CPPM) → parecer/denúncia (MPM/MP) → instrução (Conselho) → sentença → STM/TJM/TJ nos recursos.
- Preservação do local e cadeia de custódia (armas, munição, documentos, imagens).
- Oitiva breve e designação de encarregado do IPM; controle de prazos.
- Preventiva (requisitos do CPPM), busca/apreensão, sequestro de bens, afastamento do serviço, quando cabíveis.
- Comunicações obrigatórias ao MP e à autoridade judiciária.
Checklists rápidos de elementos típicos
- Motim: reunião + finalidade de desobedecer + atos inequívocos; revolta = com arma.
- Deserção: vínculo ativo + prazo legal excedido + animus de não retorno (crime permanente).
- Peculato: posse funcional + apropriação/desvio; culposo se por negligência na guarda.
- Homicídio em operação: verificar ROE, nexo com missão, local/tempo; checar competência (JMU x Júri).
Dosimetria e consequências institucionais
Penas de reclusão/detenção, impedimento, prisão simples em alguns tipos; possíveis perda do posto e da patente (oficiais) e exclusão (praças) conforme decisão judicial/legislação. Aplique a lógica trifásica (pena-base → agravantes/atenuantes → causas de aumento/diminuição) e atente a qualificadoras em serviço, com arma, em zona de operações.
- Defesa: contestar nexo funcional e competência, buscar atipicidade (ausência de elemento), alegar excludentes (estrito dever/legítima defesa), arguir nulidades do IPM, discutir dosimetria/prescrição.
- Acusação: consolidar prova de serviço/lugar, demonstrar convergência de vontades (motim/revolta), robustecer cadeia de custódia e elementos funcionais do art. 9º.
Boas práticas de conformidade
- Treinamento recorrente em CPM/CPPM, ROE, uso progressivo da força e mídias sociais.
- Integridade em almoxarifado/contratações (duplo controle, trilhas de auditoria, transparência).
- Protocolos escritos para operações, preservação de cena e comunicação tática.
Em síntese: identifique sujeito, tempo/lugar e nexo; aplique o art. 9º do CPM (com a ampliação de 2017); defina competência; acione IPM e cautelares; e trate desde o início prova, cadeia de custódia e dosimetria. Isso evita nulidades, orienta a estratégia e alinha a resposta institucional aos parâmetros legais e constitucionais.
Perguntas frequentes — Crimes militares no Código Penal Militar
1) O que caracteriza um crime como “militar” segundo o CPM?
É crime militar o previsto no CPM (próprio) ou um crime comum praticado em condições militares (art. 9º, com a ampliação da Lei 13.491/2017): por militar, com nexo funcional, em serviço ou lugar sujeito à administração militar, ou em operações legalmente definidas.
2) Qual a diferença entre crime militar próprio e impróprio?
Próprio: só pode ser cometido por militar e tutela diretamente disciplina/serviço (ex.: motim, revolta, deserção, abandono de posto). Impróprio: é crime comum que se torna militar pelo contexto (ex.: peculato, corrupção, lesão, homicídio) quando presentes as hipóteses do art. 9º.
3) Civis podem responder por crime militar?
Em regra, crimes militares envolvem militar. Civis podem responder na Justiça Militar por conexão, coautoria/participação ou quando o tipo do CPM o permite (ex.: violação de segredo militar), desde que haja ofensa a bem/serviço militar.
4) Quem julga: Justiça Militar da União, Justiça Militar Estadual ou Tribunal do Júri?
JMU: militares das Forças Armadas e bens/interesses da União; inclui hipóteses de operações (GLO/defesa/missão). JME: PM/BM por crimes militares estaduais (CF, art. 125). Júri: crime doloso contra a vida de civil por militar fora das hipóteses legais que concentram competência na JMU.
5) Quais são os crimes clássicos ligados à disciplina e hierarquia?
Motim e revolta (reunião para desobedecer; revolta com arma), desobediência, desacato a superior, resistência e publicação/critica indevida a superior em serviço. Protegem a autoridade e a cadeia de comando.
6) O que é deserção e por que é considerada crime permanente?
Deserção ocorre quando o militar se afasta além do prazo legal com animus de não retorno. É permanente até a captura/apresentação voluntária, influenciando prazos, flagrante e medidas cautelares.
7) Como o CPM trata peculato, corrupção e fraudes em contexto militar?
Protegem a probidade administrativa militar. Há peculato (apropriação, desvio, culposo), concussão e corrupção (passiva/ativa) quando ligados ao exercício funcional ou à administração militar. Após a Lei 13.491/2017, crimes da legislação comum são atraídos quando presentes as condições castrenses.
8) Crimes contra a pessoa (lesões/homicídio) podem ser militares?
Sim, se praticados sob as condições do art. 9º (serviço, lugar militar, operação). A competência pode ser da Justiça Militar ou do Júri, conforme o caso. Em operações das Forças Armadas previstas em lei, a JMU pode ser competente, observadas as hipóteses legais estritas.
9) Como se apura o crime militar e quais medidas cautelares são possíveis?
A apuração inicia-se no IPM (CPPM), presidido por autoridade militar, com posterior atuação do MPM/MP. São possíveis prisão preventiva (requisitos do CPPM), busca/apreensão, sequestro de bens e afastamento do serviço, sempre sob controle judicial.
10) Quais defesas são frequentes e quais consequências funcionais podem ocorrer?
Defesas usuais: ausência de nexo funcional, atipicidade, excludentes (estrito dever legal/legítima defesa), nulidades do IPM, dosimetria e prescrição. Consequências: além de reclusão/detenção, podem ocorrer perda do posto e da patente (oficiais) ou exclusão (praças) conforme decisão judicial e legislação aplicável.
Base técnica e fundamentos legais
O regime jurídico dos crimes militares está disciplinado principalmente pelo Decreto-Lei nº 1.001/1969 (Código Penal Militar – CPM) e pelo Decreto-Lei nº 1.002/1969 (Código de Processo Penal Militar – CPPM), além das disposições constitucionais dos arts. 124 e 125 da Constituição Federal. A ampliação do conceito de crime militar foi consolidada pela Lei nº 13.491/2017, que modificou o art. 9º do CPM para abranger também crimes da legislação penal comum quando praticados em condições militares.
1. Fontes normativas centrais
- Constituição Federal de 1988 — Art. 124: competência da Justiça Militar da União; Art. 125, §§ 4º e 5º: competência da Justiça Militar Estadual.
- Decreto-Lei nº 1.001/1969 (CPM) — Tipifica os crimes propriamente e impropriamente militares.
- Decreto-Lei nº 1.002/1969 (CPPM) — Regula o Inquérito Policial Militar e o processo penal militar.
- Lei nº 13.491/2017 — Expande o conceito de crime militar para abranger crimes comuns em situações funcionais castrenses.
2. Princípios orientadores da persecução penal militar
- Legalidade estrita — O militar só pode ser punido conforme previsão expressa no CPM.
- Hierarquia e disciplina — Pilares do regime castrense, cuja violação constitui agravante.
- Proporcionalidade — Observância da relação entre gravidade da conduta e sanção aplicada.
- Especialidade — Prevalência do CPM sobre o Código Penal comum quando o fato for militarizado.
3. Jurisprudência relevante
- STF – ADI 5032: reconhece a constitucionalidade da ampliação do conceito de crime militar (Lei 13.491/2017).
- STJ – HC 514.268/RS: fixa que a Justiça Militar é competente mesmo em crimes comuns, se praticados em contexto funcional militar.
- STM – Apelação 7000865-19.2019.7.00.0000: reafirma a aplicação do princípio da hierarquia como elemento essencial do tipo.
4. Doutrina especializada
Autores como Guilherme de Souza Nucci, Carlos Frederico Bastos e Jorge César de Assis defendem que o CPM constitui um microssistema autônomo do direito penal, voltado à proteção de bens jurídicos singulares: ordem, hierarquia, dever e serviço militar. A Lei 13.491/2017, segundo a doutrina majoritária, consolidou o modelo de “criminalidade militar ampliada”, compatível com o sistema constitucional e com a missão das Forças Armadas.
5. Aplicação prática e controle de legalidade
Na prática, a persecução de crimes militares deve observar:
- Instalação formal do Inquérito Policial Militar (IPM) com observância do CPPM;
- Remessa ao Ministério Público Militar ou ao MP estadual com atribuição castrense;
- Controle judicial sobre prisões preventivas, cautelares e interceptações;
- Respeito ao contraditório e à ampla defesa (CF, art. 5º, LV).
Os crimes militares previstos no CPM representam a expressão penal da soberania e da hierarquia castrense. Sua correta aplicação exige equilíbrio entre a disciplina institucional e as garantias individuais. A jurisprudência recente reforça a necessidade de uma interpretação finalística e proporcional, capaz de distinguir o exercício legítimo da autoridade militar do abuso punitivo.