Crimes de Responsabilidade: Como Prefeitos e Governadores Podem Perder o Cargo e Serem Inabilitados
Conceito geral e arquitetura constitucional
Crimes de responsabilidade são infrações político-administrativas praticadas por autoridades com mandato (entre elas, prefeitos e governadores) que violam deveres funcionais ligados à probidade, legalidade, orçamento, gestão do patrimônio público e respeito aos poderes. Diferem dos crimes comuns (penais), pois, além de poderem ter consequências criminais em alguns casos, sempre produzem efeitos político-funcionais, como perda do cargo e inabilitação para função pública.
- Base constitucional: art. 85 da CF/1988 (define a lógica dos crimes de responsabilidade e remete a lei especial); art. 29 (organização municipal), art. 34-36 (intervenção), art. 27 e 35 (competências estaduais), além das Constituições Estaduais que detalham o impeachment de governadores por simetria federativa.
- Leis-chave: Decreto-Lei 201/1967 (prefeitos e vereadores) e Lei 1.079/1950 (define crimes de responsabilidade e regula o processo para várias autoridades federais; aplicada aos governadores por simetria, com complementos nas Constituições Estaduais e leis locais de processo).
Prefeitos: tipificação no Decreto-Lei 201/1967
O DL 201/67 separa dois grupos de condutas:
(A) Crimes de responsabilidade com natureza penal (art. 1º)
São tipos penais próprios de prefeito, cuja sanção inclui reclusão (pena criminal) e efeitos políticos. Exemplos:
- Desviar bens ou rendas públicas (art. 1º, I);
- Utilizar indevidamente bens, rendas ou serviços (art. 1º, II);
- Ordenar despesa não autorizada por lei (art. 1º, V);
- Deixar de prestar contas da aplicação de recursos (art. 1º, VII);
- Frustrar a licitude de processo licitatório (art. 1º, XI), entre outros.
Competência penal: regra geral na Justiça comum estadual (salvo hipóteses de foro por prerrogativa previstas nas Constituições). Ação penal pública incondicionada.
(B) Infrações político-administrativas (art. 4º)
São condutas que, independentemente de pena criminal, geram perda do mandato e inabilitação por até 5 anos, se julgadas procedentes pela Câmara Municipal, assegurados ampla defesa e contraditório. Exemplos:
- Impedir o funcionamento regular da Câmara;
- Desatender pedidos de informação legislativa dentro do prazo legal;
- Desrespeitar o orçamento ou a Lei de Responsabilidade Fiscal (quando configurado o tipo do art. 4º, VII e correlatos);
- Praticar atos que atentem contra o decoro do cargo.
- Denúncia escrita por qualquer eleitor, partido ou vereador.
- Recebimento pela Câmara (maioria simples), instauração de comissão processante.
- Instrução (oitivas, documentos, defesa), relatório e julgamento em sessão específica.
- Sanção: cassação do mandato e inabilitação por até 5 anos para o exercício de função pública.
Governadores: tipificação e processo por simetria
Para governadores, a Constituição Federal não lista um rol específico como faz para o Presidente, mas consagra a simetria federativa e confere às Constituições Estaduais a tarefa de disciplinar o rito de impeachment. Por tradição e por decisões judiciais, aplica-se a Lei 1.079/1950 de forma analógica (simétrica) quanto aos tipos e etapas, com adaptações locais do procedimento.
- Conteúdo típico por simetria (Lei 1.079/50): atentados à Constituição (probidade, orçamento, legalidade, cumprimento de decisões judiciais, segurança interna), atos que violem a Lei Orçamentária, infrações às leis e às decisões judiciais, entre outros.
- Rito usual: Assembleia Legislativa recebe a acusação; fase de admissibilidade; formação de Tribunal Especial Misto (em vários Estados: 5 desembargadores + 5 deputados) para instrução e julgamento político, preservado contraditório e defesa.
- Efeitos: perda do cargo e inabilitação por 8 anos (parâmetro da Lei 1.079/50), sem prejuízo de esferas penal (STJ para crimes comuns), cível e administrativa.
Fluxos processuais comparados (visual)
Mapeamento de condutas recorrentes (tópicos práticos)
- Orçamentário-financeiras: abrir créditos sem autorização; executar despesa à margem da LOA; violar vinculações de saúde/educação; empenhar sem lastro.
- Patrimônio e probidade: desviar bens; favorecer particulares; fraudar licitações/contratos; permitir enriquecimento ilícito de agentes.
- Transparência e controle: omitir prestação de contas; sonegar informações à Câmara/Assembleia; descumprir decisões do Tribunal de Contas ou do Judiciário.
- Autonomia dos Poderes: impedir funcionamento do Legislativo; interferir em atividades jurisdicionais; desobedecer ordens judiciais reiteradas.
- Segurança e calamidade: negligenciar socorro público em situações críticas; usar a máquina em desvio de finalidade eleitoral.
- Planejamento orçamentário alinhado a PPA/LDO/LOA, com controles de empenho e cronograma de desembolso.
- Contratações com matriz de riscos, parecer jurídico e segregação de funções; uso da Lei 14.133/2021.
- Transparência ativa: publicação tempestiva de contratos, relatórios fiscais, agendas e atos normativos.
- Governança de integridade: comitê de ética, gestão de conflitos de interesse, canal de denúncias e trilhas de auditoria.
- Resposta a decisões judiciais: fluxos padronizados para cumprir liminares e sentenças com controle de prazos.
Provas, defesas e interações entre esferas
O julgamento político exige lastro probatório (documentos, relatórios técnicos, acórdãos de Tribunais de Contas, perícias, depoimentos) e garantias processuais. É comum que a mesma conduta gere:
- Esfera político-administrativa (impeachment/cassação);
- Esfera penal (peculato, corrupção, responsabilidade penal do prefeito pelo art. 1º do DL 201/67, etc.);
- Esfera cível (improbidade administrativa, com exigência de dolo para atos que afrontam princípios — Lei 8.429/1992 com reforma da Lei 14.230/2021);
- Responsabilidade fiscal (Lei Complementar 101/2000).
Na defesa, são relevantes: prova de boa-fé e motivação baseada em pareceres técnicos; regularidade fiscal; processos licitatórios íntegros; execução orçamentária compatível; e demonstração de cumprimento de decisões judiciais.
Quadro-resumo de competências e efeitos
| Autoridade | Norma principal | Quem julga (político) | Efeitos | Crimes comuns |
|---|---|---|---|---|
| Prefeito | DL 201/67 (arts. 1º e 4º) | Câmara Municipal (comissão processante e plenário) | Cassação + inabilitação até 5 anos (art. 4º) | Justiça comum; tipos penais do art. 1º (reclusão) |
| Governador | Lei 1.079/50 (simetria) + Constituição Estadual | Assembleia Legislativa e Tribunal Especial Misto | Perda do cargo + inabilitação (parâmetro: 8 anos) | STJ (foro por prerrogativa) nos crimes comuns |
Boas práticas para evitar responsabilização
- Planejar e registrar decisões com base em pareceres técnicos e justificativas publicadas.
- Implementar compliance público: código de conduta, gestão de riscos, controles internos e auditoria independente.
- Profissionalizar contratações com a Lei 14.133/2021 (matriz de riscos, estudos técnicos preliminares, governança).
- Fortalecer a transparência (portais, dados abertos, agendas públicas, publicização de contratos e execuções).
- Responder tempestivamente a determinações do Legislativo, do Judiciário e dos Tribunais de Contas.
Conclusão
Os crimes de responsabilidade de prefeitos e governadores são instrumentos de accountability democrática. Para prefeitos, o DL 201/67 tipifica tanto crimes penais próprios quanto infrações político-administrativas julgadas pela Câmara. Para governadores, a Lei 1.079/1950 e as Constituições Estaduais estruturam o impeachment com tribunal especial, enquanto crimes comuns seguem ao STJ. A chave de prevenção está em planejamento orçamentário, contratações íntegras, transparência, cumprimento de decisões e documentação robusta das escolhas públicas. Com governança e controles, gestores reduzem riscos, protegem a política pública e preservam a confiança social nas instituições.
Guia rápido
- O que são: infrações político-administrativas que violam deveres do cargo e podem levar à perda do mandato e inabilitação, sem prejuízo de responsabilização penal e cível.
- Prefeitos: regidos principalmente pelo Decreto-Lei 201/1967. Há crimes penais próprios (art. 1º) e infrações político-administrativas (art. 4º) julgadas pela Câmara Municipal.
- Governadores: processo por simetria com a Lei 1.079/1950 e regras das Constituições Estaduais. Julgamento político em geral por Assembleia Legislativa e Tribunal Especial Misto.
- Exemplos típicos: desviar bens/recursos, ordenar despesa sem lei, fraudar licitação, descumprir decisão judicial, violar orçamento.
- Ritos políticos: denúncia; admissibilidade; comissão/instrução; defesa; votação de mérito. Efeitos: cassação e inabilitação (prefeito: até 5 anos; governador: em regra 8 anos).
- Crimes comuns: permanecem na esfera penal (p.ex., peculato, corrupção). Para governador, competência do STJ; para prefeito, Justiça comum estadual (observado foro local).
FAQ
1) Qual a diferença entre crime de responsabilidade e crime comum?
O crime de responsabilidade tem natureza político-administrativa e mira a fidelidade ao cargo. O crime comum é penal (CP e leis penais). Um mesmo fato pode gerar ambas as responsabilizações: cassação/inabilitação e processo penal por peculato, corrupção etc.
2) Quem julga o prefeito e o governador por crime de responsabilidade?
O prefeito é julgado pela Câmara Municipal (DL 201/67, art. 4º). O governador é processado segundo a Lei 1.079/1950 e a Constituição Estadual, geralmente por Assembleia Legislativa e Tribunal Especial Misto (deputados + desembargadores).
3) Quais condutas de prefeito configuram crime do art. 1º do DL 201/67?
Entre outras: desviar ou utilizar indevidamente bens/rendas (incisos I e II); ordenar despesa não autorizada por lei (V); deixar de prestar contas (VII); frustrar a licitude de licitação (XI). São tipos penais com pena de reclusão, cumuláveis com cassação política.
4) A perda do cargo depende de condenação penal?
Não. O julgamento político por crime de responsabilidade é autônomo e pode impor cassação e inabilitação, independentemente do desfecho penal, desde que observados contraditório, ampla defesa e prova suficiente.
Fontes normativas comentadas
- Constituição Federal: arts. 85 (crimes de responsabilidade), 29 (municípios), 37 (princípios da Administração), 27/35 (organização dos Estados), e princípio da simetria federativa para disciplinar impeachment de governadores.
- Decreto-Lei 201/1967: art. 1º (crimes penais próprios do prefeito) e art. 4º (infrações político-administrativas, rito e efeitos).
- Lei 1.079/1950: define crimes de responsabilidade e o rito do impeachment (aplicada aos governadores por simetria, com adaptações da Constituição Estadual e do regimento da Assembleia).
- Lei 14.133/2021 (licitações) e LC 101/2000 (LRF): servem de parâmetros para aferir violações em contratações e execução orçamentária.
- Lei 8.429/1992 (com a Lei 14.230/2021): responsabilização por improbidade (exige dolo para atos contra princípios), autônoma em relação à esfera política e penal.
- Competência penal: STJ para crimes comuns de governador; Justiça comum estadual para crimes do art. 1º do DL 201/67 atribuídos a prefeito (observado o foro por prerrogativa previsto localmente).
Considerações finais
Crimes de responsabilidade são instrumentos de controle democrático que preservam a probidade e a legalidade no topo do Executivo local e estadual. Prefeitos se submetem ao DL 201/67, que diferencia infrações políticas (cassação e inabilitação) de crimes penais próprios. Governadores seguem o modelo da Lei 1.079/50, por simetria, com julgamento político na Assembleia/Tribunal Especial e persecução penal no STJ quando houver crime comum. Boas práticas de governança, transparência, compliance em contratações, execução orçamentária responsável e cumprimento de decisões judiciais são o caminho mais seguro para evitar responsabilização e garantir estabilidade institucional.
Este material tem caráter informativo e não substitui a atuação de profissional habilitado. Cada caso exige análise técnica específica das leis locais, do processo político aplicável e do conjunto probatório, inclusive quanto às interações entre esferas política, penal, cível e de controle externo.
