Direito digital

Crimes de Racismo em Redes Sociais: Entenda as Penas, Leis Atualizadas e o Que Diz a Jurisprudência Brasileira

Panorama jurídico dos crimes de racismo em redes sociais

O ambiente das redes sociais potencializou crimes de ódio, em especial condutas racistas praticadas por posts, comentários, vídeos e mensagens privadas. No Brasil, o enfrentamento combina tipos penais previstos na Lei do Crime Racial (Lei 7.716/1989) e no Código Penal (após as alterações da Lei 14.532/2023), a proteção constitucional da dignidade e da igualdade, regras processuais para preservação de provas digitais e, desde 2025, novos parâmetros do STF para responsabilização civil de plataformas por conteúdo de terceiros. Esses vetores definem penas aplicáveis, aggravantes, competência (Justiça Federal/Estadual), o que esperar em termos de takedown e indenização, e como a jurisprudência tem julgado casos envolvendo redes sociais. 0

Mensagem-chave: racismo online não é “opinião”; é ilícito penal e civil. A Lei 14.532/2023 elevou penas e detalhou contextos; o STF reconheceu a imprescritibilidade da injúria racial por equiparação ao racismo; e, em 2025, modulou a regra do art. 19 do Marco Civil para permitir responsabilização de plataformas em hipóteses que exijam tutela reforçada de direitos fundamentais. 1

Tipos penais aplicáveis no ambiente digital

Racismo (Lei 7.716/1989) – incitar, praticar ou induzir discriminação

A Lei 7.716/1989 pune crimes resultantes de preconceito de raça, cor, etnia, religião e procedência nacional. Em redes sociais, o foco usual recai sobre o art. 20 (praticar, induzir ou incitar discriminação ou preconceito), agora com penas e hipóteses ampliadas pela Lei 14.532/2023 — que incluiu cenários como o racismo religioso, o praticado em eventos esportivos e artísticos, e reforçou majorantes. 2

Injúria racial – ofensa dirigida à dignidade da vítima (pessoa determinada)

Embora tradicionalmente distinta do racismo (por ser voltada a pessoa determinada), a injúria racial foi equiparada a racismo para efeitos punitivos com a Lei 14.532/2023, e o STF a reconheceu como imprescritível. Em redes sociais, a conduta aparece quando o agente utiliza elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem para ofender a honra subjetiva de alguém, inclusive por comentários ou mensagens privadas. 3

Distinção prática (resumo didático)

  • Racismo (art. 20, Lei 7.716/89): atinge grupo ou coletividade (ex.: “negros não deveriam…”), com objetivo de discriminar/segregar.
  • Injúria racial (CP, com Lei 14.532/2023): ofensa à honra de pessoa identificável, usando elementos raciais (ex.: comentários ofensivos a um usuário específico).
  • Convergências: após STF e Lei 14.532/2023, a injúria racial é espécie de racismo e imprescritível. 4

Penas, agravantes e contextos qualificados

Faixas de pena e hipóteses especiais

A Lei 14.532/2023 elevou patamares punitivos e tipificou contextos reiteradamente observados no online/offline, como racismo em eventos esportivos, artísticos, no exercício de função pública e racismo religioso. Em síntese: penas do art. 20, caput, foram majoradas, com reclusão e multa, e há majorantes quando praticado por duas ou mais pessoas (p. ex., raids em comentários) e quando há divulgação em massa. A SECOM consolidou os novos pisos punitivos no ato de sanção presidencial. 5

Imprescritibilidade e regime de ação penal

O STF fixou que a injúria racial é imprescritível por ser espécie do crime de racismo, aproximando a resposta estatal do que dispõe o art. 5º, XLII, da CF. Na prática, isso afeta casos antigos que emergem em redes (comentários/tuítes pretéritos) e fortalece medidas de persecução mesmo após largo decurso de tempo. 6

Competência, investigação e preservação de provas digitais

Quem julga? Justiça Federal x Justiça Estadual

Em crimes de racismo cometidos na internet, a competência pode variar: o STJ tem decidido que a Justiça Federal exige demonstração de ofensa a bens, serviços ou interesse da União — por exemplo, perfil aberto com alcance nacional pode atrair discussão, mas decisões recentes exigem comprovação concreta desse alcance; ausente isso, a competência costuma ser da Justiça Estadual. 7

Investigação e cadeia de custódia

A prova em redes sociais demanda preservação rápida (prints com timestamp, URLs, IDs de post, hash de arquivos) e, quando possível, ata notarial. O Marco Civil da Internet permite, por ordem judicial, guarda e fornecimento de registros (IP, data/hora), essenciais para identificação do autor. 8

Checklist probatório

  • Capturar URL completa, data/hora e ID do post/comentário.
  • Salvar cópias integrais (HTML/PDF) e prints legíveis.
  • Reunir testemunhos e denúncias anteriores na própria plataforma.
  • Solicitar (ou pedir em juízo) preservação de logs com base no Marco Civil. 9

Responsabilização de plataformas e provedores

Marco Civil da Internet (art. 19) e a virada jurisprudencial do STF

Por anos, o art. 19 do MCI foi interpretado como exigindo ordem judicial específica para responsabilização civil de plataformas por conteúdo de terceiros. Em 2025, o STF fixou tese de inconstitucionalidade parcial, reconhecendo que, em determinados contextos — inclusive discurso de ódio e racismo — a regra do art. 19, tal como aplicada, não protege adequadamente direitos fundamentais, abrindo espaço para responsabilização sem ordem judicial prévia quando houver deveres claros de cuidado e a plataforma falhar. Isso impacta diretamente casos de postagens racistas reiteradas e demora em remoção após notificações internas. 10

Deveres mínimos esperados das plataformas

  • Canal eficaz de denúncia para discurso de ódio e racismo, com SLAs claros de resposta.
  • Ferramentas para detecção e moderação de reincidências, inclusive banimento progressivo.
  • Preservação de registros para investigação e feedback às vítimas sobre providências.
Consequências civis: além da esfera penal, é possível pleitear indenização por danos morais contra o autor e, conforme o caso, contra a plataforma por falha de serviço (omissões relevantes). A redefinição do art. 19 pelo STF robustece essas teses em cenários de risco manifesto não mitigado. 11

Teses recorrentes na jurisprudência

Imprescritibilidade da injúria racial (STF)

O Plenário do STF decidiu que a injúria racial é espécie de racismo e, portanto, imprescritível. Casos antigos de comentários racistas nas redes podem ser processados, especialmente quando identificável o autor e mantida a prova. 12

Dolo específico na injúria racial

Tribunais têm exigido demonstração de animus injuriandi (vontade de ofender a honra usando elemento racial). Em redes, a análise considera contexto, histórico do perfil e palavras empregadas, distinguindo debate áspero de ofensa racista. 13

Competência e alcance da publicação (STJ)

Para firmar a competência federal, o STJ tem avaliado se a postagem era de acesso público (perfil aberto) e se há interesse federal concreto; do contrário, prevalece a Justiça Estadual, com prevenção do juízo onde se iniciaram as investigações. 14

Dados, tendências e subnotificação

Relatórios oficiais indicam volume significativo de denúncias de violações de direitos humanos online; entre 2019 e 2023, foram registradas 45,6 mil denúncias de racismo (além de 32,6 mil de neonazismo e 25,9 mil de xenofobia), segundo o ObservaDH, do governo federal. Embora agregados, esses números sugerem subnotificação relevante frente à escala das redes. Em 2024, houve queda geral das denúncias de crimes cibernéticos, mas o recorte por categorias (incluindo racismo) variou conforme iniciativas de moderação e campanhas de reporte. 15

Gráfico ilustrativo (didático) — denúncias agregadas (2019–2023) por categoria

Valores reportados pelo ObservaDH (Gov.br). Gráfico meramente ilustrativo para escala comparativa. 16

Como proceder: fluxo prático para vítimas, moderadores e autoridades

Para a vítima ou organização alvo

  • Coletar prova: URL, prints com horário, ID do conteúdo, comentários, perfis participantes.
  • Denunciar na própria plataforma (hate speech/racism) e exigir resposta (nº de protocolo).
  • Boletim de ocorrência (delegacia física/digital) e comunicação ao MP, com pedido de preservação de registros.
  • Ação cível por danos morais; em hipóteses graves, avaliar tutela de urgência para remoção e identificação de IPs. 17

Para plataformas

  • Implementar notice & action eficaz e priorizar conteúdo de alto risco (racismo e ódio).
  • Manter logs por prazos suficientes para cooperação com autoridades, com transparência de métricas de remoção.
  • Após 2025, revisar políticas internas à luz da tese do STF sobre o art. 19 do MCI. 18

Para investigadores

  • Oficiar a plataforma com base no MCI para guarda imediata de registros (IP, data/hora, dados cadastrais).
  • Trabalhar com laudos periciais de correlação entre perfis, dispositivos e endereços IP.
  • Articular com o MP os elementos para denúncia com base no art. 20 da Lei 7.716/89 ou injúria racial equiparada. 19
Riscos de defesa comuns e como enfrentá-los

  • “Brincadeira”/contexto: rebater com palavras empregadas, histórico de postagens e efeito real sobre a vítima/comunidade (jurisprudência exige dolo de ofender na injúria). 20
  • “Perfil fechado”: verificar alcance efetivo para discutir competência e gravidade (STJ exige demonstração concreta para deslocar à esfera federal). 21
  • “Sem ordem judicial, não removo”: após o STF (2025), plataformas podem ser responsabilizadas em casos de risco manifesto sem ordem prévia, se falharem em agir diligentemente. 22

Boas práticas de prevenção e educação digital

Educação antirracista e moderação

  • Regras claras de comunidade com exemplos do que é proibido (incitação, estereótipos desumanizantes).
  • Ferramentas de filtro de palavras e limitação de quem comenta em posts virais.
  • Parcerias com ONGs e órgãos públicos para canais de denúncia e suporte às vítimas. 23

Conclusão

Os crimes de racismo em redes sociais são combatidos por um bloco normativo robusto e por teses jurisprudenciais que evoluíram para dar respostas mais efetivas. A Lei 14.532/2023 reforçou a tutela penal, ampliou hipóteses e elevou penas; o STF consolidou a imprescritibilidade da injúria racial e, em 2025, modulou o regime de responsabilização de plataformas para contextos de risco grave, sinalizando que o combate ao ódio não pode ficar refém de lacunas procedimentais. A coleta organizada de provas digitais, a definição correta de competência e o uso estratégico de medidas cíveis e criminais permitem responsabilizar autores e coibir a recirculação de conteúdos danosos. No nível sistêmico, governança das plataformas, cooperação com autoridades e educação antirracista sustentam uma internet mais segura e alinhada aos direitos fundamentais. 24

Guia rápido — Crimes de racismo em redes sociais: penas e jurisprudência

  • O que é crime: publicar, induzir ou incitar discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional (Lei 7.716/1989, art. 20) e injúria racial dirigida à dignidade de pessoa determinada (CP, com redação da Lei 14.532/2023).
  • Penas-base: reclusão e multa em faixas agravadas pela Lei 14.532/2023; injúria racial foi equiparada a racismo e é imprescritível (entendimento do STF).
  • Agravantes típicas no online: divulgação em massa; concurso de pessoas; prática em eventos (esportivos, artísticos); racismo religioso; utilização de perfil/organização para amplificar o ódio.
  • Provas: URL, ID do post, prints com data/hora, cópia integral da página (PDF/HTML), testemunhos e preservação de logs via ordem judicial (Marco Civil da Internet).
  • Responsabilidade de plataformas: regra geral de notice & action com possibilidade de responsabilização civil por falha de serviço em contextos de risco manifesto (convergência entre CDC, MCI e jurisprudência do STF).
  • Vias de reparação: ação penal e ação cível por dano moral coletivo/individual, além de tutelas de urgência para remoção e identificação de autores.
Mensagem-chave: no Brasil, racismo em redes não é “opinião”: é ilícito penal e civil, com penas elevadas, imprescritibilidade na injúria racial e crescente exigência de diligência das plataformas.

FAQ (10 perguntas)

1) Publicar um comentário racista em perfil aberto é crime?

Sim. Pode configurar art. 20 da Lei 7.716/1989 (praticar, induzir ou incitar discriminação) quando atinge grupo/coletividade, ou injúria racial quando dirigido à dignidade de pessoa identificável. A divulgação ampla pelas redes é fator que agrava a gravidade e pode elevar a pena.

2) Qual a diferença prática entre racismo e injúria racial no online?

Racismo atinge a coletividade (ex.: atacar “negros”, “indígenas”, “povo X”). Injúria racial usa elementos raciais para ofender uma pessoa específica (ex.: insulto dirigido a um usuário). Após a Lei 14.532/2023 e o STF, a injúria racial é espécie de racismo e é imprescritível.

3) Quais são as penas aplicáveis hoje?

As faixas foram elevadas pela Lei 14.532/2023: reclusão (combinada com multa) no art. 20, com majorantes quando houver divulgação em massa, concurso de pessoas, prática em eventos esportivos/artísticos ou racismo religioso. A injúria racial acompanha o regime mais gravoso.

4) O crime prescreve quando a postagem é antiga?

Para a injúria racial, o STF reconheceu imprescritibilidade. Para outras formas (ex.: racismo do art. 20), aplicam-se regras gerais de prescrição, contadas conforme o máximo de pena e marcos processuais.

5) Preciso de ordem judicial para a rede social remover o conteúdo?

Boas práticas de notice & action permitem remoção sem ordem em políticas internas. A jurisprudência recente do STF mitigou a leitura rígida do art. 19 do MCI, admitindo responsabilização civil da plataforma quando falha diante de risco manifesto (como racismo reiterado) mesmo sem ordem prévia, a depender do caso.

6) Como produzo prova válida do crime?

Salve URL, ID do post/comentário, prints com data/hora, exporte a página em PDF/HTML, registre BO e peça preservação de logs (IP, data/hora) com base no Marco Civil da Internet. Ata notarial fortalece a cadeia de custódia.

7) Quem julga: Justiça Federal ou Estadual?

Depende. A Federal exige interesse da União demonstrado (p. ex., alcance nacional comprovado, ofensa a bens/serviços federais). Em regra, sem esse elemento, a competência é da Justiça Estadual. O STJ tem cobrado demonstração concreta do alcance.

8) É possível indenização por danos morais?

Sim. Além da responsabilização penal, cabe ação cível contra o autor e, em hipóteses de falha de serviço (omissão relevante), contra a plataforma. O valor observa extensão do dano, repercussão, conduta posterior e reincidência.

9) O que plataformas devem fazer para não responder civilmente?

Manter canais eficazes de denúncia (com prazos), moderação ativa para discurso de ódio, transparência nas decisões, preservação de logs para investigação e ações proporcionais (remoções, suspensão/banimento) em casos evidentes.

10) Como as vítimas devem agir imediatamente?

Colete provas (URL/ID/prints), denuncie na plataforma, faça BO, procure o MP/Delegacia especializada, e avalie tutela de urgência para remoção/identificação de IPs. Se houver efeitos coletivos, considere ação civil pública/representações a órgãos de direitos humanos.

Base normativa e jurisprudencial (renomeando como Fundamentação legal e decisional)

  • Constituição Federal — art. 5º, XLII (racismo como crime inafiançável e imprescritível), caput e XLI (igualdade e repressão a discriminações).
  • Lei 7.716/1989 — define crimes resultantes de preconceito de raça, cor, etnia, religião e procedência nacional; art. 20 (praticar, induzir ou incitar discriminação).
  • Lei 14.532/2023 — elevou penas, tipificou contextos (eventos esportivos/artísticos, racismo religioso), e equiparou injúria racial ao racismo para fins punitivos.
  • Código Penal — dispositivos de injúria racial conforme alterações da Lei 14.532/2023.
  • Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) — arts. 10 (registros), 18–21 (responsabilidade civil e remoção de conteúdos); leitura compatibilizada com o CDC e a jurisprudência do STF para proteção reforçada em discurso de ódio.
  • Código de Defesa do Consumidor — arts. 6º, 14, 22 e 25 (serviço adequado, segurança e responsabilidade solidária) aplicados por analogia à prestação do serviço de plataforma quando há falha de moderação.
  • STF — reconhecimento da imprescritibilidade da injúria racial e decisões recentes que flexibilizam a leitura do art. 19 do MCI em hipóteses de risco manifesto e violação a direitos fundamentais.
  • STJ — competência: exigência de demonstração concreta do alcance/interesse federal para deslocamento à Justiça Federal; do contrário, competência estadual.
Quadro prático — elementos que fortalecem a acusação

  • Linguagem explicitamente discriminatória e direcionada a grupo/raça/etnia.
  • Reiteração de posts/comentários, organização de ataques coordenados ou uso de bots.
  • Amplificação por perfil público, com grande alcance, ou por eventos ao vivo (lives, transmissões).
  • Registro completo de provas digitais e pronta denúncia à plataforma e autoridades.
  • Indícios de omissão relevante da plataforma diante de denúncias consistentes.

Considerações finais

O combate a crimes de racismo nas redes exige resposta jurídica firme e governança tecnológica. Com a atualização legal e o avanço jurisprudencial, a tutela penal/civil tornou-se mais efetiva: a injúria racial é imprescritível, as penas foram elevadas e a responsabilidade das plataformas ganhou contornos mais exigentes quando há risco manifesto. Para vítimas e instituições, a chave está em provar bem, acionar rapidamente canais oficiais e usar as vias cíveis e penais de forma estratégica. Para plataformas, a agenda passa por moderação diligente, transparência e cooperação com autoridades, reduzindo danos e reforçando direitos fundamentais.

Aviso importante — estas informações não substituem o(a) profissional
Este conteúdo é informativo e educacional. Cada caso de racismo em redes sociais envolve particularidades fáticas e probatórias (contexto da postagem, alcance, logs, cadeia de custódia) e estratégias jurídicas (competência, tipificação, medidas urgentes) que demandam a análise de um(a) advogado(a) habilitado(a) e/ou autoridades competentes. Procure orientação individual antes de adotar decisões processuais.

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