Crimes de maus-tratos a animais: entenda as leis, punições e decisões que fortalecem a proteção animal
Panorama legal e conceito de maus-tratos
No Brasil, o núcleo repressivo aos maus-tratos a animais está no art. 32 da Lei 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais), que tipifica praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos. A pena básica é de detenção, multa e proibição da guarda em determinadas hipóteses. A Lei 14.064/2020 elevou a sanção quando as vítimas são cães e gatos para reclusão de 2 a 5 anos, multa e proibição de guarda — conferindo maior reprovação social e jurídica ao delito. No plano administrativo, o Decreto 6.514/2008 disciplina infrações e sanções ambientais (multas, apreensão, interdição), aplicáveis por órgãos como Ibama, Iemas/estaduais e secretarias municipais.
- Tipo penal: art. 32, caput (maus-tratos), §1º (experiências dolorosas quando existirem métodos substitutivos), §1º-A (cães e gatos, pena majorada).
- Bem jurídico: tutela do meio ambiente e do bem-estar animal, em diálogo com a vedação constitucional à crueldade (art. 225, §1º, VII, CF).
- Natureza: crime de perigo concreto (em regra), que pode configurar-se por ação ou omissão relevante.
- Sanções acessórias: perda/afastamento da guarda, obrigação de tratamento, prestação pecuniária e reparação do dano ambiental.
Elementos do crime: conduta, resultado e dolo
Caracterizam-se maus-tratos quando a conduta gera sofrimento, dor, privação ou risco indevido ao animal, como subnutrição, falta de água, confinamento insalubre, espancamento, mutilações sem amparo veterinário e abandono. O tipo admite dolo (vontade consciente) e, em muitos casos, também culpa na modalidade de omissão imprópria (dever de garante), quando o responsável se abstém de agir para evitar o resultado (ex.: tutor que deixa de prover alimentação e cuidados mínimos). O crime pode ser permanente (manutenção do animal em situação de risco), o que autoriza flagrante enquanto perdurar a conduta.
Sujeitos e alcance
Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo; o sujeito passivo é a coletividade (meio ambiente) e, de forma mediata, o próprio animal. A proteção alcança silvestres (nativos e exóticos), domésticos e domesticados. Atividades com animais (espetáculos, transporte, criação, pesquisa) devem observar normas técnicas e autorizações; descumprimentos sistemáticos reforçam o elemento de crueldade ou abuso.
Repercussões processuais e medidas urgentes
Em casos de risco imediato, o Ministério Público e a autoridade policial podem requerer ao Judiciário busca e apreensão do animal, tutela de urgência para vetar a restituição ao agressor, custódia com fiel depositário e tratamento veterinário às expensas do investigado. Medidas cautelares como proibição de ausentar-se da comarca, proibição de frequentar locais onde estão os animais ou de adquirir/guardar novos animais são admitidas em decisão fundamentada. O rito penal segue, em regra, o procedimento comum (pena superior a 2 anos no caso de cães e gatos) e pode envolver acordo de não persecução penal (ANPP), se preenchidos os requisitos legais e considerando o interesse público e o dano causado.
- Laudo veterinário com descrição de lesões, escore corporal, exames e nexo com a conduta.
- Fotos e vídeos georreferenciados, com registro de datas, horários e condições do local.
- Relatórios de fiscalização (vigilância ambiental/zoonoses, Ibama/órgãos estaduais, guardas ambientais).
- Testemunhos (vizinhos, profissionais de saúde animal) e histórico de ocorrências anteriores.
- Notas fiscais e prontuários que provem custos de tratamento e despesas com tutela provisória.
Administração x esfera penal: sanções cumulativas
As esferas administrativa, civil e penal são independentes. Além da persecução criminal, órgãos ambientais podem lavrar autos de infração e impor multas, apreensão e interdição (Decreto 6.514/2008). No cível, cabe reparação de danos morais coletivos e obrigação de fazer/não fazer, inclusive por meio de Ação Civil Pública. A cumulação reforça a tutela integral do bem-estar animal e do meio ambiente.
(pena do caput)
(2 a 5 anos)
dolorosas (§1º)
Representação didática da reprovação diferenciada prevista na legislação.
Jurisprudência: linhas interpretativas consolidadas
Os tribunais superiores vêm consolidando diretrizes em prol da efetividade do tipo penal:
- Laudo veterinário é fortemente recomendado, mas pode ser suprido por outros meios idôneos (imagens, depoimentos técnicos e fiscalização) quando a urgência ou a permanência da conduta exigem pronta intervenção.
- Crime permanente: manter animal em condições degradantes configura permanência, permitindo flagrante enquanto perdurar a situação.
- Abandono pode caracterizar maus-tratos quando implica risco concreto (via pública, fome, doença, incapacidade do animal).
- Dosimetria: circunstâncias como reincidência, número de animais, crueldade empregada e resultado lesivo agravam a pena; colaboração, reparação e guarda responsável podem atenuar.
- Atividades econômicas (criadouros, comércio, transporte): responsabilidade apurada pela combinação de normas técnicas, licenças e treinamento da equipe; a negligência organizacional pode fundamentar condenação de dirigentes.
Embora haja variações regionais, é estável a compreensão de que o art. 225 da CF repudia práticas cruéis, orientando interpretação protetiva do art. 32 da Lei 9.605/1998, inclusive com medidas de não devolução do animal ao agressor e proibição de guarda como condição cautelar e/ou efeito da condenação.
Rotas práticas: como agir diante de suspeita
- Registre fotos, vídeos e colete informações sobre local e data; nunca confronte o agressor se houver risco pessoal.
- Acione a polícia (190/197) e a guarda ambiental local; protocole na delegacia e informe o Ministério Público.
- Notifique a vigilância ambiental/zoonoses e órgãos de fauna, quando silvestres.
- Se possível, obtenha parecer veterinário e identifique testemunhas.
- Para organizações e condomínios: estabeleça política interna de bem-estar animal, canal de denúncia e procedimento padronizado de resposta.
- Guarda responsável: alimentação, água, abrigo, vacinação, enriquecimento ambiental e assistência veterinária.
- Capacitação para equipes de pet shops, transporte e clínicas; protocolos de manejo e emergência.
- Licenças e registros atualizados; cumprimento de normas sanitárias e de biossegurança.
- Parcerias entre MP, polícias, conselhos de medicina veterinária e ONGs para resgate e acolhimento.
- Transparência: campanhas educativas e divulgação de canais oficiais de denúncia.
Responsabilidade civil e custos do tratamento
Além da esfera penal, o agressor pode ser condenado a ressarcir despesas com atendimento veterinário, hospedagem, medicamentos e danos coletivos/difusos. A tutela provisória pode fixar alimentos provisórios ao animal sob guarda de fiel depositário (ONGs, protetores) e obrigações de fazer (tratamento, castração), quando adequadas.
Conclusão
A tutela penal e administrativa contra maus-tratos a animais evoluiu para um modelo de tolerância zero à crueldade, com penas mais severas para cães e gatos, cautelares eficientes e integração entre polícia, Ministério Público, órgãos ambientais e sociedade civil. A efetividade depende de provas qualificadas, atuação coordenada e políticas de prevenção (educação, guarda responsável e fiscalização). Para operadores do Direito, gestores e tutores, o caminho é claro: respeito à vida e ao bem-estar animal como requisito de um meio ambiente equilibrado e de uma sociedade mais ética.
Guia rápido
- Tipo penal central: art. 32 da Lei 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais) — abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos.
- Pena majorada: Lei 14.064/2020 — para cães e gatos a pena é de reclusão de 2 a 5 anos, multa e proibição de guarda.
- Fundamento constitucional: art. 225, §1º, VII, CF — dever do Poder Público e da coletividade de proteger a fauna e vedar práticas cruéis.
- Esferas autônomas: penal, administrativa (Decreto 6.514/2008: multas, apreensão, interdição) e civil (ACP, reparação de dano moral coletivo).
- Provas-chave: laudo veterinário, fotos/vídeos, relatórios de fiscalização, testemunhas, prontuários e notas de despesas com tratamento.
- Medidas urgentes: busca e apreensão do animal, guarda com fiel depositário, proibição de guarda e cautelares penais (arts. 282 e segs. CPP).
FAQ
1) Quais condutas configuram crime de maus-tratos a animais?
Qualquer ação ou omissão relevante que gere dor, sofrimento, privação ou risco indevido: espancamento, abandono, confinamento insalubre, privação de água/alimento, mutilações sem indicação veterinária, transporte inadequado, experiências dolorosas havendo métodos alternativos (art. 32, §1º, Lei 9.605/1998). O delito pode ser permanente (manutenção em condições degradantes), admitindo flagrante enquanto durar.
2) O que mudou com a Lei 14.064/2020 para cães e gatos?
A lei criou o §1º-A no art. 32, elevando a pena para reclusão de 2 a 5 anos, multa e proibição de guarda quando a vítima é cão ou gato. A pena mais alta altera o rito (afasta transação penal típica de infração de menor potencial ofensivo) e reforça a aplicação de medidas cautelares (proibição de contato com animais, de frequentar locais específicos, etc.).
3) Como proceder diante de suspeita ou flagrante?
Registre fotos/vídeos com data/local, acione a polícia (190/197) e a vigilância ambiental/zoonoses. Requeira busca e apreensão do animal e laudo veterinário. Denuncie ao Ministério Público. Órgãos ambientais podem autuar com base no Decreto 6.514/2008. Em silvestres, contate órgãos de fauna (Ibama/estaduais). Condomínios e empresas devem ter procedimento interno e canal de denúncia.
4) Há acordo de não persecução penal (ANPP) nesses casos?
O ANPP (art. 28-A do CPP) pode ser cogitado quando presentes os requisitos (pena mínima inferior a 4 anos, sem violência real, confissão formal), mas sua aplicação é casuística e pondera gravidade, reincidência, número de animais, crueldade e dano. Em cães e gatos, a pena máxima elevada impõe análise criteriosa do MP e do Judiciário.
Fundamentos jurídicos e referências normativas (substitui “Base técnica”)
- Constituição Federal, art. 225, §1º, VII: proteção da fauna e vedação à crueldade.
- Lei 9.605/1998, art. 32 e §§: tipificação de abuso/maus-tratos, experiências dolorosas, pena majorada para cães e gatos.
- Lei 14.064/2020: inclusão do §1º-A (reclusão de 2 a 5 anos, multa e proibição de guarda para cães e gatos).
- Decreto 6.514/2008: infrações e sanções administrativas ambientais (multas, apreensão, interdição).
- Lei 11.794/2008 (Arouca) e normas do CONCEA: uso científico de animais e métodos alternativos.
- Código de Processo Penal: medidas cautelares (arts. 282 e segs.), ANPP (art. 28-A), busca e apreensão.
- Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985): reparação de dano moral coletivo e obrigações de fazer/não fazer.
- Guarda responsável: água, alimento, abrigo, vacinação e assistência veterinária; enriquecimento ambiental.
- Documente: laudo veterinário, fotos/vídeos, relatórios de fiscalização e testemunhas; guarde despesas com tratamento.
- Integração: polícia, MP, órgãos ambientais, conselhos de medicina veterinária e ONGs com fluxos de resposta padronizados.
- Transparência: campanhas educativas e divulgação de canais de denúncia.
Considerações finais
A repressão aos maus-tratos a animais consolidou-se como política pública essencial, apoiada pela Constituição e pela Lei de Crimes Ambientais, com sanções penais mais severas para cães e gatos e com a possibilidade de medidas imediatas para resguardar a vida e o bem-estar animal. A efetividade depende de provas qualificadas, atuação coordenada e educação da sociedade para a guarda responsável. Gestores, operadores do Direito e tutores devem tratar o tema como parte da proteção ao meio ambiente equilibrado e da ética coletiva.
Aviso importante: Este material é informativo e educativo. Ele não substitui a orientação individualizada de profissionais habilitados (Delegacia, Ministério Público, órgãos ambientais, advogados e médicos-veterinários). Cada caso exige análise técnica de provas, riscos e normas locais vigentes.
