Crimes Ambientais Internacionais: Entenda a Dimensão Global e os Tratados que Combatem Esses Ilícitos
Conceito e alcance dos crimes ambientais de caráter internacional
Crimes ambientais de caráter internacional são condutas ilícitas que afetam bens ecológicos para além de fronteiras nacionais ou que envolvem cadeias transnacionais de autoria, financiamento, logística ou comércio. Incluem desde o tráfico de fauna e flora até o descarto ilegal de resíduos perigosos, a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (INN), a extração ilegal de madeira, o comércio de substâncias químicas proibidas (como CFCs) e emissões transfronteiriças resultantes de atividades ilícitas. Em alguns cenários, há conexão com crimes financeiros (lavagem de dinheiro, corrupção, evasão fiscal), com organizações criminosas e redes de contrabando.
Do ponto de vista jurídico, a internacionalidade surge por: (i) transnacionalidade da conduta (origem, trânsito e destino em países distintos); (ii) afetação de bens jurídicos globais (clima, biodiversidade marinha, camada de ozônio); (iii) respaldo em tratados multilaterais que exigem cooperação, tipificação e fiscalização coordenada. Embora não exista um “Código Penal Ambiental” global, convenções internacionais e direito costumeiro estruturam deveres estatais de prevenir, investigar e punir.
Principais tipologias criminais e dinâmicas operacionais
Tráfico de vida silvestre e derivados
Inclui caça/extração, transporte e comércio de espécies listadas na CITES (Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas) e de seus produtos (marfim, chifres, escamas, peles, aves e répteis vivos). Frequentemente associado a fraudes documentais, rotas com múltiplas escalas, uso de e-commerce e criptoativos, e corrupção em pontos de inspeção. Consequências: perda de biodiversidade, riscos zoonóticos, financiamento de redes criminosas.
Desmatamento e madeira ilegal
Redes avançadas combinam grilagem, falsificação de autorizações, lavagem de madeira por meio de créditos florestais e transbordo por países com controles frágeis. Impactos: emissões de GEE, erosão do solo, conflitos fundiários e violências contra povos tradicionais. Medidas de controle envolvem due diligence nas cadeias de suprimento e mecanismos de verificação independente.
Pesca INN e crimes marítimos ambientais
Navios atuam com mudanças de bandeira, desligamento de AIS, transbordo em alto mar e falsificação de quotas. A UNCLOS e acordos regionais de gestão pesqueira estabelecem a arquitetura jurídica; a cooperação com Organizações Regionais de Ordenação Pesqueira (OROPs), Guarda Costeira e aduanas é crucial.
Tráfico e descarte de resíduos perigosos
Fluxos ilícitos de resíduos eletrônicos, sucatas contaminadas e rejeitos industriais ocorrem por meio de declarações falsas e portos intermediários. A Convenção da Basileia regula movimentos transfronteiriços, mas a fiscalização depende de inteligência aduaneira e cooperação entre autoridades ambientais, sanitárias e fazendárias.
Substâncias químicas e ozônio
O contrabando de CFCs e HCFCs (substâncias que destroem a camada de ozônio) e de poluentes orgânicos persistentes viola o Protocolo de Montreal e convenções químicas (como Estocolmo e Roterdã). São comuns fraudes tarifárias e uso de empresas de fachada.
Arquitetura normativa internacional e deveres estatais
Tratados ambientais setoriais
- CITES — obriga licenças de exportação/importação e tipificação de condutas de tráfico de espécies listadas.
- Convenção da Basileia — regula movimentos de resíduos perigosos; exige consentimento prévio informado e penaliza o tráfico.
- UNCLOS/Montego Bay — define jurisdições marítimas e deveres de prevenir poluição; base para repressão a pesca INN e dumping.
- Protocolo de Montreal — restringe produção/comércio de substâncias depletoras do ozônio; operações de fiscalização aduaneira conjuntas são frequentes.
- Convenções de Estocolmo/Roterdã/Minamata — controle de POPs, comércio de químicos perigosos e mercúrio.
Instrumentos penais e de cooperação
- UNTOC (Convenção de Palermo) — base para cooperação contra crime organizado transnacional, extradição, assistência mútua e confisco de bens.
- Convenções anticorrupção (ONU/OEA/OCDE) — essenciais quando ilícitos dependem de suborno.
- Padrões do GAFI/FATF — orientam tipificação de lavagem de dinheiro e uso de inteligência financeira em crimes ambientais como antecedentes de LA/FT.
Estimativas econômicas e pressão de enforcement
Relatórios de agências multilaterais vêm apontando que os crimes ambientais figuram entre os principais mercados ilícitos globais, movimentando dezenas a centenas de bilhões de dólares por ano (estimativas variam conforme metodologia e submercados). Apesar das incertezas, há tendência de crescimento, impulsionada por lucros altos, baixo risco percebido, assimetria regulatória e demanda por insumos e commodities.
Competência, jurisdição e extraterritorialidade
Para processar crimes ambientais transnacionais, os países combinam critérios de territorialidade, personalidade ativa/passiva e proteção. Algumas legislações admitem extraterritorialidade para atos com efeitos significativos em seu território (p. ex., importação de madeira ilegal que alimenta desmatamento no exterior). A cooperação internacional — assistência jurídica mútua, extradição, ordens de confisco transfronteiriças — é viabilizada por tratados bilaterais/multilaterais e por redes como INTERPOL/ENVIRONET (Organização Mundial das Alfândegas) e UNODC.
Na esfera marítima, o exercício de jurisdição depende da zona (mar territorial, ZEE, alto-mar) e da bandeira da embarcação, aplicando-se regras de port state measures para negar desembarque/serviços a navios envolvidos em pesca INN. Em matéria de resíduos e químicos, a cooperação aduaneira para controle de fronteiras é decisiva.
Investigação, prova e finanças ilícitas
- Inteligência e perfis de risco: cruzamento de manifests de carga, rotas atípicas, HS codes inconsistentes, padrões de transbordo e análise de rede.
- Evidências técnicas: forense ambiental (DNA, isótopos, dendrocronologia, quimioassinaturas), imagens satelitais, georreferenciamento e cadeia de custódia.
- Financeiro: relatórios de inteligência financeira, análise de trade finance, fraude alfandegária e over/under invoicing.
- Cooperação: equipes conjuntas, ordens europeias/internacionais e plataformas de partilha segura de dados.
Empresas e cadeias de suprimento: due diligence e responsabilidade
Importadores, tradings, transportadoras, marketplaces e instituições financeiras estão na linha de frente do controle preventivo. Tendências regulatórias (p. ex., dever de diligência florestal em mercados consumidores, regras de sanções e embargos, ESG) exigem mapeamento de risco por país/produto, rastreabilidade, auditorias de fornecedores e cláusulas de compliance ambiental. O descumprimento pode gerar responsabilidade administrativa e penal, inclusive contra pessoas jurídicas, com medidas como suspensão de atividades, interdição e multas.
Debates normativos emergentes: ecocídio e conflitos armados
Ganha força a discussão sobre tipificar o ecocídio como crime internacional com competência do Tribunal Penal Internacional, visando punir atos graves, extensos ou duradouros de destruição ambiental. Paralelamente, há crescente atenção ao direito internacional humanitário para coibir danos ambientais em conflitos (princípios de necessidade e proporcionalidade aplicados a alvos e meios de guerra, e proibição de danos severos, extensos e duradouros ao ambiente natural).
Boas práticas de política pública e cooperação
- Integração aduana-ambiental-fazenda com centros de fusão de dados e perfis de risco dinâmicos.
- Sanções financeiras direcionadas e listas negativas para indivíduos/empresas reincidentes.
- Compras públicas sustentáveis e exigência de certificação e rastreabilidade em contratos.
- Cooperação Sul–Sul e regional para harmonizar tipificação e procedimentos probatórios.
- Transparência: dados abertos de licenças, apreensões e condenações para estimular controle social.
Conclusão
Os crimes ambientais de caráter internacional combinam alta lucratividade, complexidade logística e assimetrias regulatórias. A resposta eficaz demanda base legal robusta, cooperação transfronteiriça, inteligência financeira e prova científica, além de prevenção por due diligence nas cadeias de valor. A tendência é de endurecimento seletivo contra redes organizadas — com confisco e sanções financeiras — e de padronização de controles em mercados importadores. Fortalecer capacidades estatais, promover compliance no setor privado e ampliar a coordenação internacional são os pilares para reduzir os incentivos econômicos e proteger bens ambientais de natureza global.
- O que são: ilícitos que atravessam fronteiras ou afetam bens ecológicos globais (fauna/flora, madeira, pesca INN, resíduos perigosos, químicos/ozônio), com cadeias logísticas e financeiras transnacionais.
- Por que importam: alto lucro e baixo risco percebido; impactos climáticos, perda de biodiversidade e distorções econômicas.
- Como responder: tipificação interna alinhada a tratados, cooperação jurídica internacional, inteligência financeira e due diligence nas cadeias de suprimento.
- Tratados-chave: CITES; Basileia; UNCLOS; Protocolo de Montreal; Estocolmo/Roterdã/Minamata; UNTOC (Palermo).
Quais são os crimes ambientais internacionais mais recorrentes?
Destacam-se o tráfico de vida silvestre (esquemas com CITES), a extração e comércio internacional de madeira ilegal, a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (INN), o tráfico/descarte de resíduos perigosos (em afronta à Basileia) e o contrabando de substâncias controladas (CFC/HCFC, POPs e mercúrio). Operações tipicamente envolvem falsificação documental, uso de hubs logísticos, pagamentos fracionados e corrupção.
Como a cooperação internacional funciona na prática?
Usa-se assistência jurídica mútua (MLAT), extradição, ordens de confisco e equipes conjuntas. Redes como INTERPOL, WCO/ENVIRONET e UNODC trocam alertas e perfis de risco. O UNTOC (Palermo) dá base para perseguir o crime organizado transnacional e recuperar ativos.
Empresas podem ser responsabilizadas por cadeias de suprimento?
Sim. Muitos ordenamentos admitem responsabilidade administrativa/penal de pessoas jurídicas por delitos ambientais, além de sanções civis e comerciais (embargos, multas, proibições de contratar). Regulamentos de devida diligência florestal e restrições de importação exigem rastreabilidade, auditorias e cláusulas contratuais de compliance.
Que provas e técnicas investigativas são decisivas?
Forense ambiental (DNA, isótopos, dendrocronologia), georreferenciamento e satélite, análise de HS codes e manifests, cadeia de custódia, além de trilhas financeiras (relatórios de inteligência, trade-based money laundering). Em pesca INN, o cruzamento de AIS/VMS e medidas de Estado do Porto fortalecem a prova.
- CITES — comércio internacional de espécies ameaçadas; licenças e tipificação do tráfico.
- Convenção da Basileia — movimentos transfronteiriços de resíduos perigosos; consentimento prévio informado e repressão ao tráfico.
- UNCLOS/Montego Bay — jurisdição marítima; dever de prevenir poluição; base para pesca INN e dumping.
- Protocolo de Montreal — controle de substâncias que destroem a camada de ozônio (CFC/HCFC); fiscalização aduaneira.
- Convenções de Estocolmo/Roterdã/Minamata — POPs, comércio de químicos perigosos e mercúrio.
- UNTOC (Convenção de Palermo) — cooperação contra crime organizado transnacional, extradição, assistência mútua, confisco.
- Padrões GAFI/FATF — lavagem de dinheiro com crimes ambientais como antecedentes; deveres de reporte e confisco ampliado.
- Medidas de Estado do Porto (FAO/PSMA) — negar desembarque/serviços a embarcações INN.
- Direito interno (exemplificativo): leis de crimes ambientais e de responsabilidade penal da pessoa jurídica; controles de importação/exportação e sanções administrativas.
Considerações finais
Crimes ambientais de escala internacional combinam altíssima lucratividade com redes logísticas e financeiras complexas. A resposta efetiva exige tipificação robusta, cooperação transfronteiriça, inteligência financeira, prova científica e due diligence empresarial. Países e empresas que integram controles de fronteira, sanções financeiras e rastreabilidade conseguem reduzir incentivos ao ilícito e proteger bens ambientais globais.
Este material é informativo e não substitui aconselhamento profissional qualificado. Para casos concretos, consulte especialistas (ambiental, penal, aduaneiro e comércio exterior) para análise de fatos, documentos, tratados aplicáveis e estratégias de cooperação internacional.

