Corrupção Ativa: Quando se Configura o Crime e Quais São as Consequências Legais
Conceito jurídico e núcleo do tipo
A corrupção ativa é crime que tutela a probidade administrativa e a lisura do exercício da função pública. Consiste em oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público com a finalidade de determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício. Trata-se de delito formal: consuma-se com o simples conhecimento, pelo agente público, da oferta ou promessa, independentemente de aceitação ou do pagamento efetivo.
Sujeitos do delito
Sujeito ativo: em regra, particular (extraneus). Pode ser também servidor que atue fora da função ou em situação não ligada ao cargo (não se confunde com corrupção passiva).
Sujeito passivo: o Estado (administração pública) e, reflexamente, a coletividade.
Objeto jurídico e material
Objeto jurídico é a moralidade administrativa. Objeto material é a própria conduta de oferecer/prometer dirigida a funcionário público, tendo por pano de fundo um ato de ofício possível ou potencial.
Elementos objetivos
Verbos nucleares: oferecer (proposta unilateral de vantagem) e prometer (compromisso futuro de dar vantagem). A vantagem pode ser qualquer benefício indevido — econômico ou não —, desde que não autorizado por lei ou regulamento.
Destinatário: funcionário público em sentido penal (abrangendo equiparados). A proposta deve alcançar o conhecimento do servidor para consumar o crime.
Finalidade específica: induzir o agente público a praticar, omitir ou retardar ato de ofício. Não se exige a efetiva prática do ato nem o recebimento da vantagem.
Elemento subjetivo (dolo e especial fim)
Exige-se dolo (vontade consciente) e elemento subjetivo especial: o propósito de corromper a vontade do agente público para afetar o ato de ofício. Não há modalidade culposa.
Consumação, tentativa e exaurimento
Consumação: ocorre quando a oferta/promessa chega ao conhecimento do funcionário, ainda que ele recuse e nada receba. É crime formal e unissubsistente (praticado por ato único).
Tentativa: só é excepcionalmente admissível, por exemplo, se a proposta é encaminhada por escrito/mensagem e não chega ao conhecimento do servidor por circunstâncias alheias à vontade do agente.
Exaurimento: eventual pagamento posterior (total ou parcelado) é mero exaurimento, não interferindo na consumação, mas podendo agravar a dosimetria ou caracterizar outros delitos (p.ex., lavagem, se presentes os elementos).
Causas de aumento e dosimetria da pena
Há aumento de 1/3 se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda, omite ou pratica ato infringindo dever funcional. Na dosimetria, avaliam-se natureza/expressividade da vantagem, contexto fático, grau de lesividade à função pública e eventual concurso com outros crimes (p.ex., fraude em licitação, se houver; hoje, crimes da Lei 14.133/2021, quando configurados).
Diferenças centrais: corrupção ativa x passiva x concussão
- Corrupção ativa (art. 333): o particular oferece/promete a vantagem.
- Corrupção passiva (art. 317): o funcionário solicita/recebe ou aceita promessa de vantagem.
- Concussão (art. 316): o funcionário exige vantagem indevida, mediante abuso da função.
Não há bis in idem: se o servidor solicita e o particular oferece, cada qual responde por seu tipo próprio (em concurso aparente resolvido pela autonomia dos tipos).
Objeto da vantagem e “ato de ofício”
A vantagem pode ser qualquer benefício indevido (dinheiro, bens, facilidades, favores, viagens, patrocínios, contratações de fachada etc.). “Ato de ofício” abrange não apenas o ato típico do cargo, mas também atos potenciais ou inseridos no âmbito de atribuições do agente, inclusive aqueles dependentes de juízo discricionário. O importante é o nexo entre a vantagem e o exercício da função.
Atipicidade por legítima defesa de direito? Limites defensivos
A jurisprudência rechaça a tese de que pagar/ oferecer vantagem para “evitar injustiça” atribuiria atipicidade. Somente haveria discussão se a vantagem visasse impedir ato manifestamente ilegal e o contexto afastasse a corrupção (hipótese excepcional e controvertida). Em regra, oferecer vantagem a policial para “não lavrar auto” configura o tipo, ainda que o particular alegue “excesso de rigor”.
Concurso de crimes e concurso de pessoas
Pode haver concurso material com delitos como lavagem (se ocultação de valores), organização criminosa (se atuação estruturada) ou crimes licitatórios (Lei 14.133/2021), a depender do caso. No concurso de pessoas na corrupção ativa (ex.: intermediário “lobista”), respondem quem autoriza, financia, promove ou executa a oferta/promessa, conforme dolo e participação.
Corrupção ativa internacional (art. 337-B, CP)
O ordenamento também incrimina a corrupção de funcionário público estrangeiro em transação comercial internacional: prometer, oferecer ou dar vantagem indevida para obter/manter negócios. Pena: reclusão de 1 a 8 anos e multa, com aumento de 1/3 se, em razão da vantagem, o funcionário estrangeiro retarda/omite/pratica ato infringindo dever funcional. Aplica-se a empresas brasileiras que operam no exterior e visa cumprir compromissos internacionais anticorrupção.
Prova típica em investigações e ações penais
A prova costuma combinar elementos documentais (mensagens, e-mails, notas, planilhas), depoimentos, monitoramentos ambientais/telefônicos autorizados, apreensão de valores e rastros financeiros (transferências, contratos simulados). Como se trata de crime formal, a mensagem inequívoca de oferta/promessa já é suficiente para a materialidade (quando lícita e validamente obtida). A recusa do servidor pode até reforçar a prova da proposta.
Repercussões empresariais e programas de integridade
No ambiente corporativo, ofertas indevidas a servidores (ex.: patrocínios dirigidos, “taxas de agilidade”, brindes de alto valor, consultorias fictícias) podem gerar, além da esfera penal individual, sanções administrativas/cíveis a pessoas jurídicas (Lei 12.846/2013) e graves danos reputacionais. Programas de compliance com regras de hospitalidade, due diligence de terceiros, canais de denúncia e treinamento reduzem risco e servem de atenuantes em certos regimes sancionatórios.
Exemplos práticos (situações-modelo)
- Oferta a policial para “não aplicar multa” ou “não lavrar ocorrência”: em regra, corrupção ativa, ainda que haja recusa;
- Promessa a fiscal sanitário para “acelerar licença” com pendências: corrupção ativa e, se o ato se consuma com violação de dever, incide aumento de 1/3;
- Cartas de patrocínio travestindo propina (contratos sem causa): prova contábil/financeira costuma revelar a finalidade indevida;
- Mensagem em aplicativo com proposta de “mensalidade” a servidor para agilizar demandas: consumação se a mensagem é lida pelo agente.
Competência, ação penal e aspectos processuais
A ação penal é pública incondicionada. A competência, em regra, é da justiça comum estadual, salvo hipóteses que atraiam a justiça federal (p.ex., interesse da União, autarquias federais, empresas públicas federais, ou crime transnacional ligado ao art. 337-B). Foro por prerrogativa pode incidir conforme a pessoa do coenvolvido (se houver autoridade com foro).
Política criminal e orientação jurisprudencial
Os tribunais superiores reiteram que a corrupção ativa é crime formal, de consumação antecipada, independente da efetiva concretização do ato de ofício ou do recebimento da vantagem. Reconhecem também a admissibilidade rara de tentativa e a possibilidade de majoração quando a vantagem provoca alteração do comportamento funcional. A dosimetria valoriza a expressividade econômica da proposta, a posição do servidor e o impacto institucional.
Conclusão
A corrupção ativa se configura com a mera oferta ou promessa de vantagem indevida a funcionário público para influenciar ato de ofício; é, portanto, crime formal, que se consuma com o conhecimento da proposta pelo servidor. Não é exigido recebimento da vantagem nem que o ato pretendido se realize. A lei prevê pena severa (2 a 12 anos e multa) e majoração quando a vantagem efetivamente altera a conduta funcional, além de prever tipo específico para a corrupção internacional (1 a 8 anos). Em termos práticos, a prevenção passa por compliance efetivo e integridade nas relações com o poder público; no contencioso, a estratégia deve considerar o caráter formal do delito, a prova da comunicação da proposta e o nexo com o ato de ofício.
Guia rápido
A corrupção ativa ocorre quando uma pessoa oferece ou promete vantagem indevida a um funcionário público com o objetivo de influenciar, atrasar ou omitir um ato de ofício. O crime está previsto no artigo 333 do Código Penal e tem pena de 2 a 12 anos de reclusão e multa.
- Tipo penal: oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público.
- Elemento subjetivo: dolo e intenção de corromper.
- Consumação: ocorre quando o servidor toma ciência da oferta.
- Não exige: recebimento da vantagem ou aceitação.
- Aumento de pena: se o ato for praticado, omitido ou retardado.
- Natureza: crime formal e unilateral.
- Sujeito ativo: qualquer pessoa (em regra, particular).
- Sujeito passivo: administração pública.
- Norma complementar: art. 337-B (corrupção internacional).
O que caracteriza a corrupção ativa?
Caracteriza-se pelo oferecimento ou promessa de uma vantagem indevida a um funcionário público para influenciar sua conduta funcional. O simples conhecimento da proposta pelo servidor já consuma o crime.
É necessário que o servidor aceite a proposta?
Não. O crime se consuma no momento em que o servidor toma conhecimento da oferta ou promessa, mesmo que a recuse e nada receba.
O que é vantagem indevida?
É qualquer benefício, valor ou favor que não esteja previsto em lei ou que tenha como finalidade desvirtuar a função pública, como dinheiro, viagens, presentes, cargos ou favores.
Qual a diferença entre corrupção ativa e passiva?
Na corrupção ativa, o particular oferece a vantagem; na corrupção passiva, o funcionário público solicita ou recebe a vantagem indevida.
Existe tentativa de corrupção ativa?
A tentativa é possível apenas em casos excepcionais, quando a oferta não chega ao conhecimento do servidor por circunstâncias alheias à vontade do agente.
O pagamento posterior altera o crime?
Não. O pagamento após a oferta é considerado mero exaurimento do crime, pois a consumação já ocorreu com a ciência da proposta.
Há agravantes específicas?
Sim. Se o funcionário, em razão da vantagem ou promessa, retardar, omitir ou praticar ato infringindo dever funcional, a pena aumenta em até 1/3.
Empresas podem ser punidas por corrupção?
Sim. A Lei 12.846/2013 (Lei Anticorrupção Empresarial) prevê sanções administrativas e civis a pessoas jurídicas envolvidas em atos de corrupção.
Quais são os exemplos práticos de corrupção ativa?
Oferecer dinheiro a um policial para evitar multa, prometer vantagem a fiscal para liberar licença irregular ou enviar brindes caros para influenciar licitação são exemplos clássicos do crime.
Como é provado o crime de corrupção ativa?
A prova pode vir de gravações, mensagens, interceptações telefônicas, testemunhos ou flagrantes. Como é crime formal, basta a prova da oferta e a ciência do servidor para configurar a materialidade.
Base normativa e fundamentos legais
O crime de corrupção ativa está previsto no art. 333 do Código Penal, que dispõe:
Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício.
Pena – reclusão, de 2 a 12 anos, e multa.
Parágrafo único – A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional.
Também se aplica o art. 337-B (corrupção de funcionário público estrangeiro) para situações em que empresas ou cidadãos brasileiros oferecem vantagens indevidas no contexto de transações internacionais.
A jurisprudência consolidada do STJ e do STF considera a corrupção ativa um crime formal, que se consuma com o simples conhecimento da proposta pelo servidor, sendo desnecessário o recebimento da vantagem.
Considerações finais
A corrupção ativa é um dos crimes que mais afetam a integridade da administração pública, comprometendo a confiança nas instituições e o equilíbrio social. O respeito à legalidade, à ética e à moralidade é fundamental para o bom funcionamento do Estado. A prevenção passa por programas de compliance, educação ética e punições efetivas a quem tenta corromper o serviço público.
Estas informações têm caráter informativo e educativo. Elas não substituem a orientação de um profissional qualificado, que deve ser consultado para a análise específica de cada caso concreto.